Thea Tavares: No PR, SC e RS, agricultores debatem propostas urgentes para o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica

Tempo de leitura: 8 min
A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) promove encontros todos os estados e no Distrito Federal, sempre em parceria com redes agroecológicas locais. À esquerda, a agricultora agroecológica Sandra Ponijaleki, de Palmeira (PR). À direita Cláudio Luiz Marques, consultor da iniciativa no Paraná. No centro da fotomontagem, a logomarca da ANA e a identidade visual da iniciativa "Políticas Públicas de Agroecologia na Boca do Povo". Fotos: Renato Ribeiro e André Jantara /Coletivo Triunfo e arquivo pessoal

No Sul do Brasil, agricultoras e agricultores discutem propostas 

Enfrentamento das mudanças climáticas, diversificação da produção de alimentos, combate à contaminação por agrotóxicos e aos desmatamentos, garantia de crédito, alimentação escolar agroecológica e políticas públicas de incentivo são algumas das preocupações urgentes apontadas por agricultoras e agricultores dos três estados

Por Thea Tavares*

Um dia, as plantas murcham na lavoura pelo calor excessivo; no outro, os temporais, vendavais e o granizo é que ameaçam a produção de alimentos.

“Por causa de cenas assim e pela força das catástrofes, as mudanças climáticas chegaram finalmente a ganhar espaço no noticiário. Mas o que ainda falta ir parar na boca do povo mesmo é a agroecologia e um modelo saudável, sustentável de cultivo, que gere a vida e não a destruição da natureza”.

As palavras da agricultora agroecológica Sandra Ponijaleki, da Comunidade de Passo do Tio Paulo, em Palmeira (PR), revelam os desafios das famílias que vivem no campo e a importância e urgência de valorizar e de fortalecer a produção orgânica, agroecológica e diversificada de comida no país.

Ela lembra que proteger as fontes, preservar as florestas e as matas ciliares, entre outras ações, também integram esse modelo sustentável, em vez dos desmatamentos que assoreiam os rios, destroem os ecossistemas e não impedem o rastro de destruição deixado pela passagem de ventos mais fortes e violentos.

Na opinião da agricultora, passa da hora de se compreender a relação entre essas catástrofes climáticas e a necessidade de ampliar os modos de produção equilibrados e não predatórios, que começam no cuidado com a semente plantada no solo, com a saúde preventiva da população e se estendem até a geração de trabalho, de renda e de riquezas no país.

Com 33,1 milhões de pessoas sem ter o que comer e mais da metade da população brasileira em situação de insegurança alimentar, segundo os estudos da Rede Penssan, o fortalecimento da agroecologia não pode mais ser protelado e nem ser tratado sem a devida prioridade.

Ex-fumicultora no município da região dos Campos Gerais do Paraná, Sandra conta que foi muito criticada quando decidiu fazer a conversão das lavouras em sua pequena propriedade rural, migrando do cultivo convencional para o agroecológico.

Hoje é referência local tanto do sucesso da diversificação e da organização da produção, quanto das vantagens da agroecologia para a saúde, a economia local e a segurança alimentar e nutricional do estado.

No dia 6 de outubro, a comunidade onde Sandra mora – Passo do Tio Paulo, em Palmeira (PR) –, sediou uma oficina com mais de 50 agricultoras/es, técnicas/os e especialistas das organizações e redes agroecológicas do Paraná para debater e elaborar propostas para o III Planapo – Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.

A partir dessas contribuições, organizadas em seis eixos temáticos, a intenção foi formular propostas de políticas públicas para serem adotadas pelo governo federal, mas também para orientar as redes e articulações agroecológicas de todo o país nas suas ações conjuntas e bandeiras de luta comuns.

As mudanças climáticas e o combate à fome entraram na pauta dos debates da oficina do III Planapo, que aconteceu na comunidade de Passo do Tio Paulo, em Palmeira-PR, dia 6 de outubro de 2023. Fotos: Renato Ribeiro e André Jantara/Coletivo Triunfo e arquivo pessoal

As oficinas para elaboração de propostas para o III Planapo foram realizadas nos três estados do Sul – Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul –, neste mês de outubro, e integram o calendário da iniciativa “Políticas Públicas de Agroecologia na Boca do Povo”, promovida pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

Além destas, ocorrem em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal atividades voltadas à coleta de propostas que serão sistematizadas em um único documento.

No Sul do Brasil, região bastante castigada pelas adversidades climáticas, coube novamente à agricultura familiar camponesa, aos povos que vivem em comunidades tradicionais, aos indígenas e aos quilombolas, bem como às suas entidades representativas e ativistas das redes de agroecologia, a tarefa de propor soluções e pensar alternativas práticas e duradouras na forma de políticas públicas que visem assegurar saúde, abastecimento e vida digna.

O desafio passa por pautar o tema da agroecologia nos debates populares e colocar as medidas de apoio de fato na boca do povo, para fomentar um modelo sustentável, cultivador da vida e da preservação dos recursos naturais, em que ninguém mais passe fome.

Os resultados dessa mobilização serão amplamente divulgados, para conhecimento dos atores e da população em geral de cada estado.

CLIMA E RESPEITO À DIVERSIDADE EM DESTAQUE NO PARANÁ

Um dos diferenciais do encontro ocorrido no Paraná foi a ideia de incluir a preocupação com o impacto das mudanças climáticas e reforçar as temáticas de gênero, geração e raça no bojo das formulações de políticas públicas para a agroecologia.

“É uma exigência da nossa realidade não descolar esses temas do nosso dia a dia, no propósito de pensar uma sociedade mais equilibrada, justa e humana. A gente compreende a agroecologia dentro de um modelo integral de qualidade de vida, de sustentabilidade, de solidariedade entre as pessoas e de compromisso com a natureza”, argumenta o consultor da iniciativa no Paraná, Claudio Luiz Marques.

Ele destaca que, no estado, a oficina contou ainda com a organização da Articulação Paranaense de Agroecologia (APRA) e do Coletivo Triunfo.

Participação popular: As oficinas do III Planapo nos três estados do Sul retratam a importância de se ouvir o povo na formulação de políticas públicas voltadas à produção de alimentos saudáveis. Fotos: Renato Ribeiro e André Jantara/Coletivo Triunfo e arquivo APACO

A oficina paranaense também extraiu dos debates propostas que apontam no sentido de assegurar a efetivação de um sistema específico de crédito para a agroecologia, não apenas uma modalidade dentro de um programa nacional; de garantir o protagonismo das comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas e faxinalenses; de reforçar a atenção do Ministério Público (MPPR) para o cumprimento da legislação, a fim de inibir a contaminação por agrotóxicos e produtos transgênicos nas lavouras orgânicas e agroecológicas; e de ampliar a merenda escolar orgânica nas instituições públicas de ensino, entre outras intenções.

RESISTÊNCIA INDÍGENA EM SANTA CATARINA

No estado de Santa Catarina, a coleta de contribuições para o III Planapo contou com momentos presenciais e virtuais.

Foram realizadas duas atividades presenciais: uma em Florianópolis, dia 6 de outubro, com a participação de agricultoras e agricultores do núcleo da Rede Ecovida de Agroecologia, e outra em Chapecó, na Aldeia Condá, com as lideranças Kaingang, no dia 16.

Já a atividade virtual realizada em Santa Catarina, reunindo lideranças de diferentes movimentos sociais e organizações do campo, ocorreu em dois turnos, nos dias 6 e 17 de outubro.

Foram mobilizadas ao todo nessas atividades cerca de 40 lideranças catarinenses, que promoveram a leitura, debates e sugestões para agregar ao III Planapo.

Segundo Anderson Munarini, consultor da iniciativa pelo estado, o que marcou essa rodada de oficinas foi o apelo feito pelo Sr. Efésio, cacique Kaingang da Aldeia Condá, que solicitou ajuda para concluir os plantios.

Com as roças prontas, faltavam na aldeia mudas de mandioca e de batata doce, sementes de milho e de feijão, entre outras.

“A pobreza no meio rural, em especial nas áreas indígenas, é preocupante e esse povo precisa ser ouvido, reconhecido, respeitado e incluído de fato na atenção dos poderes públicos”, avalia Munarini.

“Essa realidade aponta também a necessidade de implementação de um programa governamental de fomento à agricultura indígena, com todos os cuidados dos manejos de preservação, mas motivado pelo cuidado também de combater a fome no campo e entre os povos tradicionais”, afirma Luis Carlos Borsuk, assessor técnico da Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense (APACO).

A utilização de tecnologias sociais para promover segurança hídrica nas comunidades rurais e a elaboração de um programa de bioinsumos, entre outras questões, também foram propostas levantadas nas oficinas da iniciativa catarinense.

Em Santa Catarina, com base no documento elaborado para o plano anterior, o II Planapo, foram sugeridas pequenas alterações para qualificar as 18 propostas formuladas.

No debate, surgiu a necessidade de mudar a lógica das políticas públicas de agroecologia, em especial as de crédito – hoje focadas mais no viés econômico e da geração de renda -, para fortalecer o conceito da alimentação saudável e da promoção da saúde.

Com isso, busca-se atrair mais os setores de saúde para essas iniciativas e também criar fundos de fomento para agroecologia, apoiada na lógica da produção de alimentos saudáveis.

RS QUER MAIOR RIGOR NA FISCALIZAÇÃO E RESPONSABILIZAÇÃO DAS CONTAMINAÇÕES POR AGROTÓXICOS

No Rio Grande do Sul, a oficina do III Planapo ocorreu no dia 5 de outubro, de modo híbrido, com participação de representantes das redes agroecológicas e de órgãos públicos do estado e do governo federal. Reuniu mais de 50 lideranças, entre participações presenciais e remotas.

A preocupação com a emergência climática e com a pulverização por agrotóxicos também foi destaque no debate e na formulação de propostas pelos participantes do Rio Grande do Sul, o que demanda o estabelecimento de poligonais ou de zonas de exclusão de pulverização aérea de agrotóxicos, além de uma maior fiscalização desses crimes socioambientais no estado e da reparação imediata das perdas.

Ao todo, a oficina apontou 16 reivindicações gerais para intensificar a promoção da produção agroecológica e outras 6 demandas específicas.

“Também discutimos e indicamos ações que visem assegurar a permanência dos jovens nas unidades de produção e nos territórios, além da necessidade de criação de mecanismos de financiamentos para atender comunidades de povos tradicionais e originários, que não têm título ou posse da terra legalizada”, destaca a consultora da iniciativa “Políticas Públicas de Agroecologia na Boca do Povo” para o Rio Grande do Sul, Cecile Follet.

Outro ponto que merece prioridade, na avaliação das/os participantes do encontro gaúcho, diz respeito ao combate aos agroquímicos e à revisão de grande parte das autorizações e liberação para uso de moléculas, princípios ativos e venenos agrícolas comerciais.

A maioria desses agrotóxicos e componentes resulta em prejuízos ao equilíbrio ecológico e à saúde pública e há casos até de produtos que vêm pra cá, mas estão proibidos de serem comercializados nos seus países de origem”, conta Cecile.

E um diferencial das propostas tiradas na oficina do III Planapo no Rio Grande do Sul, até pelo compromisso dos organismos governamentais presentes com a agroecologia, foi o de repensar os arranjos institucionais para qualificar a execução do plano e agregar a atuação de mais órgãos no sentido de avançar nas relações com outros países. Trazer para estes debates e aproximar mais a pauta da agroecologia à agenda, por exemplo, do Ministério das Relações Exteriores (MRE), pode significar o alcance de melhores resultados futuros em questões que dizem respeito ao comércio exterior do Brasil, à constituição de fundos de financiamento, marcos legais compatíveis e à sociobiodiversidade.

PRÓXIMOS PASSOS

Em novembro, se inicia a próxima etapa dos trabalhos da iniciativa “Políticas Públicas de Agroecologia na Boca do Povo” na região Sul.

A partir de agora, serão realizadas atividades para debater e formular propostas voltadas às políticas públicas estaduais que fortaleçam a agroecologia, em especial as Políticas Estaduais de Agroecologia e Produção Orgânica (PEAPOs).

“O produtor e a produtora agroecológicos preservam. Se tem uma nascente de água na propriedade, eles vão lá e fazem a preservação, plantam mais árvores ao redor e cuidam para cada dia aumentar mais a água. Não usam agrotóxicos para não matar os bichinhos que fazem o controle natural e não desmatam para plantar. Cultivam vida e alimentos saudáveis. Isso faz toda a diferença!”, completa a agricultora agroecológica Sandra Ponijalek.

Referências:

Site da ANAArticulação Nacional de Agroecologia: https://agroecologia.org.br/

Rede Penssan | 2º Inquérito Nacional Sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil:
https://pesquisassan.net.br/2o-inquerito-nacional-sobre-inseguranca-alimentar-no-contexto-da-pandemia-da-covid-19-no-brasil/

*Thea Tavares é jornalista em Curitiba (PR).

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Comentários

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Thea Tavares

Oi, José Adolfo!
A consultora da iniciativa no RS é a Cecile Follet, vou lhe enviar o contato direto dela, ok?
A próxima atividade está prevista para a primeira quinzena de novembro. As discussões do plano nacional (III Planapo) já foram concluídas, mas vai começar agora a etapa de elaboração dos planos estaduais.
Obrigada pelo retorno.

José Adolfo iriam sturza

Ainda posso participar das próximas atividades do Planapo no Rio Grande do Sul?

    Redação

    Olá, Adolfo. Vou consultar o pessoal. E te respondemos. Abraço.

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