Tânia Mandarino: Precisamos de pais de verdade e não de filhos perversos

Tempo de leitura: 4 min

por Tânia Mandarino*

Vendo a presença do chefe danação em manifestações públicas contra as instituições da República, por ele convocadas, desconvocadas e, depois novamente convocadas, impossível não comparar a uma relação paterno-filial a permissividade desse projeto de adolescente fascista mal acabado.

Estudiosas de constelações familiares, que também se dedicam a estudar constelações coletivas, de países, já disseram que o Brasil é afetado por uma situação muito grave de orfandade.

Isso teria origem no fato de que, na formação do nosso Estado, muitas crianças foram tornadas brutalmente órfãs.

Aqui, falamos tanto das crianças indígenas, quanto das africanas.

Pensemos nas que permaneceram na África, órfãs de pais vivos, transformados em escravos no Brasil colonial.

Pensemos também na infinidade de filhos abandonados pelos pais, enquanto suas mães os  criavam sozinhas, após a proclamação  da República.

Cenário que se estende até hoje, mesmo com o advento da constituição de 88 e o Código Civil Brasileiro de 2002, que acabaram com o conceito de filho “bastardo”, então vigente.

A constituição de 88 e o Código Civil de 2002 permitiram a criação de políticas públicas aptas a facilitar a inclusão do patronímico em certidões de nascimento, o que pode ter reduzido a ausência paterna nos registros civis, mas, na prática, desconheço ter trazido igual redução.

Tanto que alguns movimentos chamados de “revolução masculina” têm se organizado, reivindicando o direito de homens exercerem sua paternidade, diante de convívio sonegado com os filhos, trazendo à tona questões que desagradam a muitos, afetas à temática da alienação parental.

Assuntos polêmicos nos quais não adentrarei aqui, pois vou tratar hoje do nosso profundo, triste, amargo e doloroso Estado de orfandade.

Quando Lula estava na prisão em Curitiba, uma respeitada especialista em constelações disse que a sombra de orfandade se refletia no fato de que nossa grande liderança política também traz a marca do abandono paterno.

Quem me conhece, sabe: não sou religiosa ou afiliada a qualquer corrente espiritualista, ainda que respeite todas, exceto as neopentecostalistas, que se tornaram partidos dirigidos por bandidos.

Porém, diante do que vimos na tarde do último domingo, quando um presidente abandonou, criminosa e irresponsavelmente, a quarentena diante da possibilidade de estar infectado pelo novo coronavírus, não há como menosprezar a marca indelével da orfandade, sobretudo paterna, que nos assola como nação.

O Brasil foi erigido sobre a dor da escravidão e do genocídio de povos originários e tem seu solo regado pelo sangue de pais indígenas e ancestrais arrancados aos filhos que, por sua vez, foram perpetrando nosso estado de orfandade.

Não estou aqui – não, mesmo! — a comparar aquele homem desvairado pelo fascismo a um pai.

Ao contrário, ele se me afigura muito mais a uma criança sem pai que há tempos testa os limites da Pátria.

Pátria que é mãe, mas também “pater”.

Os pais, nessa situação, somos nós, que descendemos da orfandade e do abandono da Pátria e estamos agindo com Bolsonaro como os mais condescendentes e permissivos genitores.

Estamos nos negando, coletivamente, a assumir a paternidade desta nação de órfãos.

E isso cabe a nós.

Ao não impormos os devidos limites ao liberalismo e ao neofascismo incorporados por esse governo, eleito de forma fraudulenta e que chegou ao poder como resultado do golpe de estado aplicado em Dilma Rousseff (mãe), estamos reafirmando a situação de orfandade permanente do Estado brasileiro.

É como se nos sentíssemos culpados pela nossa má formação e, assim, tivéssemos preferido adotar uma postura permissiva, deixando correr solto todo tipo de abuso que a encarnação do filho da Pátria pratica.

Desejado ou não, Bolsonaro é o filho deformado com toda espécie de desvio de caráter que se possa imaginar.

É ele que neste exato momento ocupa o trono dedicado ao filho da Pátria.

Como ele chegou aí, não está em pauta neste momento.

O que realmente importa agora é que ele está ocupando o berço, o quarto, o mosquiteiro, o talco, as fraldas, o trocador, os brinquedos e a pátria mãe do filho.

O filho  tirânico, cujas condutas demandam o basta do pai.

Sob pena desse parente do bebê de Rosemary nos impor tiranias muito mais absolutas e de mais difícil reversão do que as já impingidas.

É preciso, sim, impor urgentemente limites a esse filho da Pátria.

Ou encaramos de frente os efeitos de nossa orfandade como nação, ou sucumbiremos ao reinado do filho usurpador que muito mais orfandade nos trará.

Orfandade e ranger de dentes.

Orfandade e mais sangue negro derramado sobre nossas ruas.

Orfandade e cabeças indígenas espalhadas pelo quintal.

Orfandade e a morte do futuro de nossas juventudes.

Orfandade e a distribuição de corpos esquartejados de mulheres, mães ou não, por todo nosso território.

Orfandade e a proibição de amar a quem se queira sob pena de condenação à morte por espancamentos espumados de ódio,

Orfandade, enfim, que atingirá todas as nossas crianças, comprometendo para sempre nossa esperança e alegria.

É preciso impor limites ao filho agora.

É preciso uma imediata estratégia de contenção que englobe todos os envolvidos e responsáveis pela criação desse ser abjeto, afastando-os todos imediatamente da casa, a fim de que não a destruam por completo.

Busquemos todas formas de ajuda possíveis.

Chamemos os professores.

Chamemos os padres e os pastores.

Busquemos os especialistas em medicina, psiquiatria, psicanálise, antropologia, sociologia, arte da guerra.

Enfim, exerçamos nossa autoridade de Povo para quem existe e de quem emana o poder, nos reunindo na construção de uma imensa frente, popular e democrática, que nos coloque a salvo da orfandade hoje corporificada na figura de um filho psicopata, fascista, tirânico, amamentado e ninado por milicianos que nos roubaram a paz, pouco se importando se a pátria a quem tem por mãe subsistirá ou não aos seus desvarios.

Eu assisti, há muito tempo, um filme se não me engano com Macaulay Culkin, que retratava uma mulher que tinha um filho e passou a criar também um sobrinho órfão, um verdadeiro psicopata perverso.

Diante da tia, o sobrinho se comportava como um anjo, fazendo parecer que o filho dela era, na verdade, o desviante (arquitetando imputações ao estilo mamadeira de piroca e masturbação infantil atribuídas ao outro menino).

O atual momento me lembra da cena final, quando a mãe teve que escolher qual dos dois salvaria do precipício, já que ambos estavam pendurados, cada um segurando em uma de suas mãos.

Ao lhe caírem as fichas, ela solta a mão do sobrinho perverso disfarçado de anjo, puxando para terra firme o filho difamado.

Bolsonaro ultrapassou todos os limites.

Mas, não nos enganemos. Ele pode cometer ainda muito mais atrocidades, se não for contido, juntamente com suas babonas babás militares e demais responsáveis por ele estar aonde está.

Ou contemos essa gente agora ou a atiramos do penhasco.

O que não dá é para deixar que continuem onde estão.

O Brasil precisa de um pai que nos conduza em segurança para atravessarmos esse momento tão delicado, e não de um filho virulento que nos exponha a infecções variadas com sua insanidade fascista.

Cuidemos para que isso aconteça e que possamos sair desse estado de orfandade.

Sejamos os pais da Pátria, colocando Bolsonaro e seus asseclas em seus devidos lugares.

Amanheçamos!

E que as crianças corram livres pelas ruas.

*Tânia Mandarino é advogada.


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Comentários

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Cyro Fernandes Corrêa Júnior

Excelente texto! Parabéns Tânia Mandarino por leitura tão objetiva, que nos conduz à reflexão psicanalítica destes tempos tão sombrios, que expressam as feridas abertas de nossa história como Nação.

Marilene Valério Diniz

Gostei muito do artigo de Tânia Mandarino. É profundo e suscita discussões assim como esclarece a grande loucura de uma parte de nossa população que adotou um pai infantil e tresloucado, revelando-se igual a ele.

a.ali

que texto, que injeção de ânimo! levantem instituições, levanta povo antes que seja tarde, muito tarde…

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