Rogerio Galindo: Por que vereadores pegos em rachadinhas, assédio sexual e racismo não foram cassados e Renato Freitas será?

Tempo de leitura: 4 min
Renato Freitas em sessão do Conselho de Ética. Foto: Carlos Costa/CMC

Dez crimes que levaram à cassação de Renato Freitas

Negro, pobre, periférico, Renato Freitas acreditou que era possível lutar contra o racismo e a exclusão e sair impune. Mas a Câmara nos mostra mais uma vez que isso é impossível

Por Rogerio Galindo, na Plural

Por que a Câmara de Curitiba vai cassar Renato Freitas?

Punir um colega vai contra tudo que os vereadores da cidade acreditam – e no entanto, ficou claro que dessa vez não há escapatória.

Derrotado no Conselho de Ética, Renato provavelmente sofrerá um resultado ainda mais humilhante em plenário. Perderá não só o mandato como os direitos políticos.

Não exercerá mais o cargo para o qual foi eleito, nem poderá disputar as eleições de outubro.

Mas por quê?

A Câmara de Curitiba é conhecida por seu corporativismo: teve todas as oportunidades para cassar mandatos, e sempre recuou.

Um presidente que mandou por 15 anos a Câmara com mão de ferro foi pego em um escândalo milionário – não foi cassado.

Vereadoras foram pegas fazendo rachadinha em seus gabinetes – não foram cassadas. Um vereador cometeu assédio sexual – não foi cassado. Outro cometeu racismo explícito – e escapou.

Por que Renato Freitas não escapará?

Por que pela primeira vez a Câmara decide que é preciso punir como máximo rigor um de seus pares. Uma vereadora que roubou o erário perdeu apenas o direito de falar ao microfone por uns dias. Renato Freitas será cassado, expulso da Câmara, expelido da vida política de Curitiba – será enxotado como um cão indesejado que entrasse pela porta da Câmara. Por quê?

Há motivos para isso, e não são difíceis de se perceber. Renato Freitas é vereador, e aí acaba toda a semelhança entre ele e seus pares julgados anteriormente. Em todo o resto ele é uma exceção. E ser fora do padrão é seu crime.

O primeiro erro de Renato Freitas foi nascer preto. O segundo foi nascer pobre. O terceiro foi nascer na periferia.

Claro, há outros vereadores negros (poucos). Há quem tenha nascido pobre, e sempre há os representantes da periferia. Mas Renato Freitas é diferente dele também. Porque há outros crimes que o levam a ser alvo dessa cassação.

Ao contrário de outros vereadores negros, ele é um dos dois únicos que fez da raça a causa de seu mandato – a outra é Carol Dartora, e não seria de se espantar se ela for a próxima.

Ao contrário de outros vereadores pobres, Renato Freitas fez da defesa dos pobres um motivo de seu mandato. Não usou seus eleitores para trocá-los por emendas, por cargos e privilégios, e sim realmente tentou mudar suas vidas.

Ao contrário de outros vereadores periféricos, Renato Freitas continuou estando à margem: fez questão de manter seu cabelo afro, para horror da Câmara; e para horror da Câmara, veste camiseta, anda de skate, fala como quem é.

Esse é o quarto crime de Renato – não ter mudado depois da eleição, nem ter decidido que a política era algo que deveria mudar sua vida. Muito pelo contrário, ter tomado a decisão de ser quem é e de usar a política para mudar a vida de seus eleitores.

O quinto crime de Renato Freitas foi achar que não era preciso baixar a cabeça. Que chegando à Câmara seria possível ser encarado como um igual. Isso jamais acontecerá. No mandato, foi chamado de moleque, destratado, detido, preso, arrastado, levado à força pela Guarda Municipal, que subiu em seu corpo negro e algemado, como numa pintura do século 18.

O sexto crime de Renato foi acreditar que a Câmara era um lugar para se fazer política, para lutar por causas, e não para se dobrar ao prefeito, aos empresários, aos donos da cidade.

O sétimo foi sua convicção de que uma cidade pode mudar rapidamente, que é possível convencer as pessoas de que é possível viver sem se sujeitar a regras econômicas injustas, que é dever de um político se rebelar contra o que vê de errado.

O crime de número oito foi ter orgulho. O de número nove foi não ter medo.

Mas o décimo crime, o realmente imperdoável, foi o de revelar com sua coragem o quanto são pusilânimes os vereadores em sua maioria.

Aqueles que se elegem em nome da ambição pessoal; que se realizam ao ganhar loas e cargos; que vivem para si e para navegar em privilégios; e que jamais pensaram em mudar nada com seus mandatos.

Pelo contrário: pois na maioria os vereadores de Curitiba, como a maior parte dos políticos, existe para garantir que tudo permaneça exatamente como está.

Existem para garantir que os pobres continuem pobres.

Que o prefeito possa governar para os privilegiados sem que haja uma revolta.

Existem para garantir que a educação seja frágil e “sem partido”.

Para ter certeza de que a ganância dos empresários do lixo, do transporte, da saúde seja saciada e passe impune.

Ocupam seus mandatos para ser parte de uma máquina que garante a divisão da cidade em mandantes e mandados. Nos que podem tudo e nos que nada podem.

Revelar essa monstruosidade, revelar a cumplicidade da Câmara com tudo isso, é imperdoável.

Lutar contra o racismo quando a maioria dos vereadores é racista; cobrar justiça quando a maior parte da Câmara é injusta; exigir que as coisas mudem quando tudo o que os vereadores querem é que tudo permaneça no seu lugar, principalmente o que está errado; eis o crime imperdoável.

Renato Freitas será expulso da vida pública. Mas surgirão outros Renatos. Porque não é possível que isso permaneça para sempre. É preciso acreditar que as injustiças não perduram indefinidamente, ou perderemos a vontade de ser cidadãos.

A Câmara de Curitiba nos ensinou mais uma vez a eterna lição: não existe mudança que venha fácil.

Mas os eleitores jovens, negros, pobres, periféricos de Curitiba ainda vão prevalecer. E nesse momento, os atuais vereadores vão ser vistos pelo que são – artífices voluntários de uma cidade sempre mais injusta e excludente.

Leia também:

“Processo histórico de racismo”, afirma vereadora que votou a cassação de Renato de Freitas


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Comentários

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José Ribeiro

Que Lula o convide pra um cargo em Brasília, no MInC, por exemplo. E q depois se candidate a dep. federal e denuncie o crime cometido pelos vereadores (minúsculos) de Curitiba.

abelardo

Contam os arquivos da imprensa, que na suposta República de Curitiba atuou juiz criminoso, parcial, ganancioso e, dizem, até com a suspeita de espião da CIA. Também teve governadores, prefeitos, políticos, policiais e empresários acusados de corrupção, desvios, parcialidade e e outros crimed. Teve policial punido por ser honesto e por não ajudar a encobrir os desvios de condutas de outros policiais. Teve, e ainda tem, como em muitos lugares do mundo, subornos, propinas, desvios, superfaturamento, abuso de poder, chantagens etc. Contra esses e a grande maioria de outras autoridades, nenhum deles foi punido pela lei e pelos políticos. Não preciso dizer que nenhum deles é de cor negra, pobre e da periferia. Apesar do racismo e do preconceito ser generalizado no Brasil e em grande parte do mundo, eu penso que a covardia do abuso em praticar o racismo se tornou, no Brasil, o crime hediondo mais tolerável, ignorado e até certo ponto visto com naturalidade e indiferença por muitos, e principalmente na região sul do país. Curitiba e o Paraná deixa a entender pela denúncia deste caso e os registros de arquivos, que não fazem por menos e se repetem e reincidem sem dó, sem razão e sem piedade, como infelizmente se pode constatar neste caso que indica um complô repugnante contra o vereador Renato Freitas.

Zé Maria

Renato será Cassado e Caçado

Primeiro porque é Negro;

Segundo porque representa a
Comunidade Pobre da Periferia; e

Terceiro porque é do PT.

    Zé Maria

    Ou seja, numa sociedade majoritariamente
    Bolsonarista [leia-se: de Brancos Racistas],
    nem recorrendo ao Papa Francisco (Bergoglio)
    seria possível escapar da Caça/Cassação.

Henrique Martins

https://www.brasil247.com/blog/golpe-que-golpe
SIM. O nó de uma eventual tentativa de golpe é exatamente isso aqui:

“2) a candidatura Bolsonaro dificulta o golpe. Participar no vértice de todas as etapas de eleições tão gerais como as brasileiras implica mobilizar milhares de candidatos em todos os níveis. Envolve compromissos federais e com governadores em todos os 27 estados, o Distrito Federal e com outros candidatos aos governos estaduais, também com aqueles que concorrem ao terço do Senado ou às 513 vagas da Câmara Federal. O mesmo vale para as milhares de candidaturas às assembleias estaduais, sem falar dos partidos aliados, federados e coligados em todos os níveis. Cada uma dessas candidaturas é uma máquina social voltada para o resultado que depende das urnas eletrônicas. VALE PERGUNTAR: NA EXISTÊNCIA DE UM GOLPE ANTIFRAUDE, VÃO SER ANULADAS OU INTERDITADAS AS ELEIÇÕES E SEUS VENCEDORES, INCLUSIVE OS ALIADOS DO BOLSONARISMO, EM TODOS OS ESTADOS E NÍVEIS ATESTADOS PELAS URNAS ELETRÔNICAS? OU SÓ SERÃO VETADOS OS VENCEDORES DA OPOSIÇÃO?”

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