Rodrigo Martins: A solução é negar um prato de comida?

Tempo de leitura: 3 min

por Rodrigo Martins, em CartaCapital

“Cuidado com a crítica fácil, potencializada num ano eleitoral”. O alerta de Gilberto Dimenstein, ongueiro profissional e colunista da Folha de S.Paulo, tinha alvo certo: os cidadãos que articulam pela internet um “sopaço” contra o prefeito paulistano, Gilberto Kassab, e o nebuloso projeto de proibir a distribuição de comida a quem dorme debaixo das marquises da capital.

“Está parecendo, pelas manifestações, que Kassab quer que os moradores de rua passem fome. Não é o caso. Ele só está tentando estimular que as pessoas fiquem mais tempo nos abrigos, onde há vagas ociosas”, escreveu na quinta-feira 26. “Essa campanha está cheirando a uma mistura de eleição com falta de informação.”

O jornalista parece ter se afobado na defesa solitária do governo. Com a repercussão negativa da notícia, a própria prefeitura voltou atrás em sua decisão. Kassab desautorizou o secretário municipal de Segurança Urbana, Edsom Ortega, que havia dito que as instituições que insistissem em oferecer comida em via pública seriam “enquadradas administrativa e criminalmente”.

Dito pelo não dito, dois protestos organizados em redes sociais continuam marcados para esta sexta-feira 6: um na Praça da Sé e outro em frente à casa do prefeito, em Pinheiros, na zona oeste. Ao contrário de Dimenstein, os manifestantes parecem estar fartos das desculpas esfarrapadas para justificar as políticas higienistas implantadas pela prefeitura. A sopa na rua é o enésimo capítulo de uma longa novela.

Não é de hoje que o governo municipal quer varrer para longe os miseráveis que vivem nas ruas do centro. Em 2005, o então prefeito José Serra iniciou a construção das assombrosas rampas antimendigo debaixo de pontes e viadutos onde os moradores de rua costumam se abrigar da chuva. Depois, a prefeitura, já entregue às mãos de Kassab, sua grande invenção, passou a murar parques e instalar apoios de braços em bancos de praças públicas. Objetivo: impedir que qualquer um pudesse deitar e dormir impunemente por ali. Não satisfeito, iniciou seu polêmico projeto de “descentralizar” as vagas em albergues.

Diversos abrigos foram fechados, e não por conta das estruturas precárias ou da coleção de denúncias de maus tratos. Mais de mil vagas foram extintas no centro, enquanto a prefeitura inaugurava outras unidades na periferia, sobretudo em áreas afastadas da zona leste. Desde 2008, foram desativados ao menos quatro albergues na região central: o Jacareí (antigo Cirineu), com quase 400 leitos; o Glicério, com 300 vagas; uma pequena unidade na República para 85 usuários e o Pedroso, com 400.

Para levar moradores de rua do centro para a periferia, estruturou-se um ineficaz sistema de transporte por Kombis. Os veículos, além de insuficientes para a demanda, só ofereciam a passagem de ida. Era dado como certo que os miseráveis acabariam por fixar residência nos bairros dos novos abrigos.

As autoridades municipais só não se atentaram para o óbvio: é justamente o centro que concentra os serviços de assistência social e de saúde voltados a essa população, além das poucas oportunidades de trabalho disponíveis, como as centrais de triagem de material reciclável. A cama digna é importante, mas não indispensável à sobrevivência daquelas pessoas.

Isso talvez explique por que os albergues de São Paulo estão com vagas ociosas, e cada vez mais desvalidos preferem a cama de cimento aos leitos distantes da periferia. De acordo com o Movimento Nacional da População de Rua, são cerca de 15 mil moradores de rua em toda a capital. Mas o que a prefeitura ainda não explicou, tampouco os defensores da versão oficialesca, é como a cidade mais populosa e rica do Brasil, com um orçamento anual de 38,8 bilhões de reais, ainda não apresentou uma solução razoável e digna para essa diminuta população vulnerável.

Ou seria solução negar um prato de comida?

Em tempo: O promotor de Justiça de Direitos Humanos da capital, Alexandre Marcos Pereira, antecipou que não será tolerada a criminalização das entidades que distribuem alimentos para moradores de rua.

“Em se concretizando qualquer arbitrariedade contra as nobres almas que se dedicam a suprir a falta do Poder Público no dever de propiciar alimentação a quem dela necessita, o Ministério Público intervirá em prol de quem tem o direito a seu favor e o amor ao próximo por inspiração”, afirmou por meio de nota.

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Comentários

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“Eu existo” denuncia situação desumana dos moradores de rua no centro de SP « Viomundo – O que você não vê na mídia

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francisco.latorre

dimenstein. picareta.

outro que enche o bolso posando de ‘educador’.

podre.

..

Paulo Figueira

A tentativa de criminalizar as entidaes que distribuem sopa e outras iniciativas, que visam minorar o sofrimento de moradores de rua, irmãos brasileiros abandonados a própia sorte pelo estado e pela sociedade, não é uma atitude isolada das adminastrações DEM/PSDB, a sensibilidade social dessa gente já foi demonstrada em várias ocasiões, vide a ação na cracolândia e a desocupação do Pinheirinho, para ficar nas mais recentes.
Triste é ver que setores da classe média paulista, apoiam e aprovam esse
tipo ação, assim como setores da imprensa, que se colocam na condição ridícula de justificar esse tipo de coisa.
O fascismo desavergonhado desses governantes, e seus apoiadores na imprensa e na sociedade é muito preocupante, pois nos mostra como ainda estamos vulneráveis à visões de mundo, que despresam a democracia e a solidariedade humana.

Fátima Oliveira: A festa de São João em São Luís é ópera de rua « Viomundo – O que você não vê na mídia

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André Luís Omote

Participei, com muito orgulho, da manifestação. O que o senhor Dimenstein não percebeu, ou não quis perceber, é que muito além do “Sopaço”, nos manifestamos contra o que está por trás do “sopaço”, ou seja, as POLÍTICAS HIGIENISTAS, SEGREGACIONISTAS e DESUMANAS que vêm acontecendo na cidade de São Paulo, desde que o senhor Serra tomou posse e entregou, de mão beijada, a cidade ao Kassab (posteriormente legitimado pelo povo). Nos manifestamos para, principalmente, mostrar aos candidatos à prefeitura de São Paulo, o que nós não aceitamos, não acreditamos, não somos a favor. Focamos na questão da higienização adotada como política pública pela prefeitura de São Paulo; como, por exemplo: a criminalização do sopão (que após a repercução negativa, Kassab trocou o substantivo feminino “criminalização” por “sugestão”), os bancos e rampas antimendigos, o fechamento de albergues no centro e a periferização da miséria, a desumana e atabalhoada ação na cracolândia, etc.

Quanto à questão eleitoral, vi, sim, alguns militantes partidários. Uns dez com camiseta do PSOL, outros 20 com adesivos do Haddad, mas a grande maioria estava ali por uma causa e não por um partido. A manifestação foi apartidária. Seria interessante o jornalista dar uma olhada na página “Sopão da Gente diferenciada!” https://www.facebook.com/events/257864867655473/ ,antes de emitir certezas.

Geysa Guimarães

O desprefeito fecha os principais albergues do centro na intenção de empurrá-los para a periferia?
Ah, mas que ideia brilhante! Não admira que estejam com vagas ociosas.
O centro das capitais têm vida pululante, de onde os moradores de rua podem extrair a indigência necessária pra sobreviver. E se divertir, que eles também têm direito.
Kassab tá querendo imprimir aos “rueiros” o modus vivendi do cidadão comum, com trabalho de horário certo e registro em carteira.
Vai dormir, Kassab! Num dos albergues vazios, assim ele fica mais lotadinho.

mfs

Eu me recordo bem que nas eleições daquela época o sr. Marcelo Tas CQC dizia que votaria em Kassab porque não havia mais diferença entre direita e esquerda.
É, não tem não.
Cortes pesados de gastos públicos apenas nos bairros marginais e agora essa de proibir a elementar caridade.
A quem interessa dizer que não há diferença, que se Haddad fosse eleito também seria assim com os pobres?

Paciente

guerra contra a globo. vamos deixar de ser babacas e atacar o inimigo, eles nos atacam todos os dias.

abolicionista

O Kassab atende aos interesses dos setores imobiliários, filão da burguesia paulista que financiou sua carreira política e para o qual sempre prestará serviço. Os pobres, na visão desses especuladores rentistas imobiliários, desvalorizam o centro. É preciso livrar-se deles. Matar não pode, não a rodo. Então começam a pipocar políticas de repressão, como as que o texto cita. Poderíamos mencionar outras, como os achaques policiais, etc. Quando ao Dimenstein, é um sujeito pago pelo PSDB e uma nulidade em matéria de reflexão, traz saudades dos bons tempos do jornalismo brasileiro.

José Eduardo

A eugenia praticada pelos nazi-demo-tucanos só existe porque tem o apoio de setores (parasitários!) da sociedade que tem ódio aos pobres. De qualquer modo, parabéns ao MP por não corroborar com esse vergonhoso genocídio!

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=cmOYg439LtQ&gl=BR

Jaime

Existem umas placas na minha cidade, acredito que aí por São Paulo também, onde se lê: Criança não quer esmola, criança quer um futuro. Eu já acho que criança, assim como adulto, não quer mesmo esmola, mas muito menos futuro. As pessoas querem o presente, com tudo o que têm direito, emprego, salário, escola, casa, comida e aí elas mesmas vão escolher seu futuro. Com o cimento que foi gasto para interditar os viadutos, qualquer um com pelo menos 2 neurônios faria melhor se a atitude fosse a de resgatar a dignidade, ajudar, ser solidário. Mas o objetivo era varrer, “limpar” as ruas de seres humanos não enquadrados, “Recolher o lixo”.

Joe

ORDEM!!!!!

    Ricardo JC

    Êh para bater continência e acatar? Deus me livre…

Otto

Agora morar na rua,sem eira nem beira, mofando, com a alma fermentando no álcool e nas drogas, com a saúde se deteriorando ao relento virou “cultura” e “manifestação identitária”. O que estas entidades fazem é um paliativo, atitude nobre e bastante elogiável, mas só um paliativo. Há hipócritas em ambos os lados. O ideal seriam políticas mais incisivas de habitação e emprego, educação e capacitação profissional. Alguns poucos andarilhos gostam de viver dessa forma e devem ser respeitados nesta condição. Todavia boa parte não está satisfeita mas não sabe como sair deste poço. O problema é a ideologização e oportunismo político das partes que se dizem preocupadas com este povo: ONGs, Prefeitura, intelectuais, etc… Tema de difícil resolução que deveria ser tratado com mais serenidade…

    Flavio Moreira

    Otto, embora você esteja certo na sua crítica, enquanto não se “trata com mais serenidade” esse tema, o que devemos fazer com essas pessoas enquanto esse tratamento não chega? Tira-se a sopa? Trabalho na região chamada de “cracolândia” que, da Prefeitura, ganhou o marketeiro nome de “Nova Luz”. Quando a gente oferece comida para as crianças e adolescentes pedintes eles querem dinheiro, porque assim podem comprar pedras de crack ou dar para algum adulto que os explora fazê-lo. Nem todos os que dão comida a essas pessoas são oportunistas, como você diz. São desvalidos que se cansaram de esperar pelo “tratamento sereno” das autoridades na resolução de seus problemas. Quem leva a sopa, muitas vezes, são pessoas comuns que, se não podem dar emprego, saúde, moradia e dignidade ao menos levam um pouco de carinho e conforto a essas pessoas na forma de um prato de comida.
    Também me revolto com o descaso do governo e o oportunismo de algumas instituições, mas não vou condenar quem procura ao menos amenizar um pouco o sofrimento dessas pessoas. Se não é possível fazer muito, podemos, pelo menos, fazer um pouco. É melhor do que não fazer nada.
    Abraços

    Geysa Guimarães

    Otto:
    Claro que está longe do que precisa ser feito.
    Mas é melhor PINGAR do que SECAR, concorda?

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