Richard Duncan: Por um salário mínimo mundial (a crise vista por eles)

Tempo de leitura: 7 min

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da New Left Review

Richard Duncan é autor do livro The Dollar Crisis, lançado em 2003, que anteviu a crise financeira global deflagrada em 2008 com a implosão do banco de investimentos Lehman Brothers nos Estados Unidos. Em entrevista à revista New Left Review, ele define o capitalismo em que vivemos como a era do “creditismo” e prevê que qualquer regulamentação do sistema financeiro resultará num colapso econômico global, por revelar as falcatruas nas quais o sistema hoje se sustenta. Ele identifica a origem da crise atual na decisão dos Estados Unidos de abandonar o padrão-ouro, que exigia que o país tivesse depositados 25 centavos em ouro para cada dólar impresso pelo Tesouro.

Seguem outros trechos relevantes da entrevista:

[A primeira parte está aqui]

NLR: Podemos discutir um pouco este conceito de ‘creditismo’ como sucessor do capitalismo? Primeiramente, agências de crédito — bancos, empresas, emprestadores de dinheiro — existiam no século 19 em grande escala. Em segundo lugar, o capitalismo passou por uma série de fases históricas, mas nunca foi ‘puro’ e livre de apoio estatal; sempre houve algum grau de apoio e houve épocas de  muito maior restrição ao capital que hoje. O capitalismo norte-americano do século 19 era protegido por grandes barreiras de tarifas e ajudado pelo expansionismo militar dos Estados Unidos — de forma icônica, a Cavalaria massacrou os indígenas para abrir espaço para as ferrovias. Setores não lucrativos da indústria norte-americana podem ser pesadamente subsidiados hoje, mas não é o capitalismo em geral que os fundos federais estão apoiando? Parece haver uma razão para continuar usando o conceito clássico de capitalismo, que tem sido uma ferramenta confiável de análise tanto para a esquerda quanto para a direita, pelo menos enquanto persistirem as relações de propriedade privada e do trabalho assalariado. ‘Creditismo’ pode ser uma corrupção do capitalismo, mas não continua sendo capitalismo?

Richard Duncan: Sim e não. Nos Estados Unidos não, porque toda grande indústria é subsidiada de uma forma ou outra pelo governo — toda a manufatura que sobreviveu, boa parte dela relacionada a gastos militares. Todos os hospitais e companhias farmacêuticas tiram proveito dos programas do Medicare e Medicaid. As universidades também recebem subsídios. Os agricultores recebem subsídios do governo. Os níveis de preços ainda são geralmente determinados pelas forças do mercado, mas os gastos do governo dirigem estas forças — na base permitem a flutuação dos preços, mas no topo tudo é dirigido e sustentado pelos gastos do governo. Acredito que o maior impedimento para enfrentar a crise é essa crença de que temos uma economia capitalista. Os telespectadores da Fox News [NdoV: Direitistas convictos] todos acreditam que temos uma economia capitalista, que o governo é diabólico e que nada pode fazer na situação atual.

Eles não entendem o grande papel que o governo joga e que se o gasto do governo fosse reduzido a economia entraria imediatamente em colapso. Ajudaria se eles entendessem que não temos capitalismo, que temos um tipo diferente de economia. Não é uma crise do capitalismo, é uma crise do creditismo e temos de trabalhar com o sistema que temos. E embora fosse bom ter controle sobre os banqueiros, se forem controlados demais vamos explodir todo o sistema — hoje os bancos valem tão pouco que as perdas seriam enormes se isso ficasse explícito; toda a poupança do mundo seria destruída com a falência do setor bancário. Creditismo é um sistema que requer a sobrevivência do crescimento do crédito e só o governo pode promover este crescimento — o setor privado não pode arcar com mais nenhuma dívida.

NLR: Então existe um caráter polêmico no conceito de creditismo, ele foi criado para influenciar a política?

Richard Duncan: Certo. Eu gostaria de persuadir não apenas os formuladores de política, mas o público em geral. Não é impossível mudar a percepção da opinião pública de onde ela se encontra agora, que é num debate chato entre austeridade e Keynesianismo, nenhum dos quais, atualmente, faz qualquer sentido.

NLR: Outro termo que tem sido usado neste estágio do capitalista é ‘financeirização’, ou capitalismo financeirizado, e seria interessante saber como você o compara ao creditismo. Foi sugerido, quando o ritmo da economia dos Estados Unidos começou a fracassar, que o governo intervisse nos anos 90 com uma forma privatizada de Keynesianismo: que o crédito fosse usado, em outras palavras, para manter os níveis de demanda, em vez de usar os programas clássicos de investimento público propostos pelo Keynesianismo.

Richard Duncan: Penso que provavelmente é verdade, se você olhar para a forma como Alan Greenspan encorajou a expansão do crédito e a forma como todos negaram a existência de qualquer tipo de bolha: isso beneficiou os banqueiros e os políticos, mas também beneficiou as pessoas, pelo menos enquanto tudo estava em expansão, uma vez que isso acontecia num período de crescente globalização, que colocou forte pressão para rebaixar os salários nos Estados Unidos. Para comprar os eleitores, que estavam perdendo emprego e não tinham aumento de salário, o jeito foi valorizar seus imóveis — o valor dos imóveis sofreu alta e assim os eleitores puderam gastar mais mesmo sem aumentos salariais. [NdoV: Uma prática comum nos Estados Unidos é refinanciar a casa própria, de forma a receber uma bolada do banco para gastos correntes, como comprar um barco, um automóvel ou pagar a faculdade dos filhos]. Isso funcionou muito bem durante dez a quinze anos, e as autoridades aparentemente queriam que funcionasse por mais tempo — mas as bolhas tem de estourar, no fim das contas. Sim, penso que você está certo, embora seja difícil dizer se foi planejado ou simplesmente evoluiu assim, o que pode ser o caso, já que era o jeito mais cômodo.

Mas vale enfatizar que a expansão do crédito nos Estados Unidos a partir dos anos 90 não teria acontecido sem o impacto antiinflacionário da importação de manufaturados das economias que pagam salários extremamente baixos [NdoV: Chamado nos Estados Unidos, muitas vezes, de efeito Walmart, a empresa que é a maior importadora do mundo de produtos chineses de baixíssimo preço].

A inflação baixa permitiu taxas de juros baixas. A escala da diferença de renda é enorme: o PIB per capita do México é 20% do PIB per capita dos Estados Unidos; o PIB per capita chinês é apenas 11%. Mas outro efeito da globalização é que a expansão do crédito tinha começado a produzir uma redução do crescimento nos Estados Unidos bem antes da crise de 2008. No livro A Nova Depressão eu demonstro que existe uma correlação entre crescimento total do crédito e crescimento econômico nos Estados Unidos desde os anos 50. Sempre que o crédito expandiu menos de 2%, a economia dos Estados Unidos entrou em recessão — ou quase, em 1970. Mas a partir do início dos anos 80 a diferença entre as duas taxas se tornou muito mais pronunciada: o crédito total disparou, mas o crescimento econômico continuou fraco, ciclo a ciclo, a não ser durante o boom da ‘nova economia’ [internet e correlatos] no final dos anos 90. Parte da explicação tem relação com o fato de que o crescimento do crédito estimulou a demanda nos Estados Unidos, mas a demanda foi saciada com importados; então houve pouco do efeito multiplicador que a produção nos Estados Unidos poderia ter tido.

Além disso, o excesso de capacidade produtiva criada por anos de expansão do crédito e pelo deslocamento do capital era um novo fator antiinflacionário. É fácil aumentar a oferta agregada de uma economia: simplesmente aumente o crédito para o setor manufatureiro — é o que aconteceu no boom da ‘nova economia’ nos Estados Unidos. Mas quando a capacidade industrial está pronta, ela não some quando falta demanda; em vez disso, o excesso de capacidade pressiona para baixo os preços das mercadorias, mesmo enquanto o uso das instalações industriais cai. É muito mais difícil agregar demanda, que no final das contas está ligada ao poder de compra do público. Nos últimos trinta anos, a expansão do crédito produziu uma vasta expansão na capacidade de produção industrial do mundo, mas o poder de compra da população mundial não subiu no mesmo ritmo. Temos um excesso de capacidade industrial em escala mundial.

NLR: No livro A Crise do Dólar você sugeriu uma solução radical para este problema…

Richard Duncan: Uma das curas que sugeri foi um salário mínimo global, começando pelo aumento dos salários nas fábricas da China controladas por estrangeiros em um dólar por dia, ano após ano — isso não quebraria a Apple ou a Foxconn. Para ser diplomático, sugeri que os países em desenvolvimento formassem um cartel do trabalho, da mesma forma que a OPEP formou um cartel do petróleo; mas, na verdade, isso não funcionaria, todo mundo ia burlar. A forma mais eficaz de fazê-lo seria o secretário do Tesouro dos Estados Unidos ir à TV e anunciar: se você não conseguir provar que paga seis dólares por dia ao seu trabalhador, em vez de cinco, vamos colocar uma tarifa de 20% no que importamos de vocês. E vamos pedir aos trabalhadores que digam quanto estão recebendo. Escrevi isso dez anos atrás, e se tivesse sido implementado a essa altura o salário mínimo teria triplicado, de cinco para 15 dólares por dia — e isso teria criado mais demanda agregada para absorver todo o excesso da capacidade industrial.

Sim, é crucial encontrar um forma de aumentar o poder de compra na base da pirâmide — caso contrário a economia mundial vai voltar ao que era no começo da revolução industrial, quando os trabalhadores ganhavam apenas para a subsistência e não podiam comprar o que fabricavam. Em certo sentido, esta é a economia mundial na idade da globalização. Com a entrada de novos países produtores no mercado mundial, especialmente a China, a capacidade de produção disparou; mas os salários, não.

Eles estão em queda no Ocidente e a tendência demográfica, com  o grande número de jovens em busca de emprego, não permite que os salários subam de forma rápida nos países em desenvolvimento. Isso está no coração da crise global. Por quinze a vinte anos, isso foi resolvido com a inflação dos preços de bens nos Estados Unidos, que permitiu que os norte-americanos sacassem contra seus imóveis [refinanciando] e gastassem, importando produtos e preenchendo o que poderia ter vindo de aumentos salariais. Mas agora o jogo acabou. Os norte-americanos já não podem sustentar qualquer dívida; os preços de imóveis cairam 34%, em média, nos Estados Unidos. A única coisa que pode preencher o vazio são os gastos do governo — é o que está evitando que os Estados Unidos mergulhem em depressão.

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Ricardo Homrich

Muito interessante a ideia de salário mínimo mundial, principalmente com o mecanismo de exigência (estatal).
O que mais me irrita no “capitalismo” é a alienação das pessoas.
A base da pirâmide defendendo o topo por esporte e ainda se julga intelectual e esperta, pois “chegará lá em cima”.
Costumo falar que a maioria dos capitalistas são torcedores, assim como eu sou flamenguista.
Eles torcem pelo capital, pois quem sabe um dia poderão ser ricos.
Michel Moore mostra de forma brilhante isso, as pessoas oprimidas defendem os ricos pq sonham um dia ser como eles e ter a mesma “liberdade” de “gastar” (esbanjar) à vontade.
Falo para eles que os verdadeiros capitalistas são os donos dos meios de produção, matéria prima, etc. Os que vivem do capital. Não os que trabalham a semana toda ou giram o capital.
Qualquer pessoa que bata ponto não me convence de que é capitalista, somente torce pelo capitalismo.
No exemplo lembro a eles que quem ganha dinheiro com o Flamengo são os jogadores (muitos sem merecer) e dirigentes (estes roubando). Nós torcedores, nada.
O salário engana muita gente que acredita que o capitalismo o proporciona o poder e liberdade de compra, quando na verdade só o recebemos para comprar os produtos dos donos do capital.
Ou não foi essa a lógica para acabar com o escravismo ???

Parabéns Azenha pelo site, cada dia melhor.

Estados Unidos imprimem dinheiro e o mundo paga a conta nos alimentos « Viomundo – O que você não vê na mídia

[…] [A segunda parte está aqui] […]

Rodolfo Machado

Azenha, outro aspecto importante desta crise que não vem recebendo a devida atenção é a possibilidade do fim do dólar como moeda de reserva no mundo, Paul Craig Roberts tem uma tese de que os EUA estão tentando com a china o mesmo que fizeram com a União Soviética, arrastar a China para uma corrida armamentista, fazendo assim com que o governo chinês desvie recursos importantes do pais para o setor militar, comprometendo a economia.

Ele fala com conhecimento de causa, pois foi ministro de governo de Ronald Reagan, conta em seu blog como Reagan lhe pediu um plano de crescimento econômico para os EUA que permitisse um grande aumento nos gastos militares e que a União Soviética não pudesse acompanhar, e os soviéticos abriram o bico, só que, segundo ele, a China não mordeu a isca, ao invés disso, esta deliberadamente convencendo vários paises a abandonarem o uso do dólar em seu comercio com a China.

Quando as reservas mundiais de dólar baixarem mais que um limite critico, dólares começaram a voltar aos EUA, causando inflação.

http://www.paulcraigroberts.org/2012/12/01/our-collapsing-economy-and-currency/

http://theeconomiccollapseblog.com/archives/the-giant-currency-superstorm-that-is-coming-to-the-shores-of-america-when-the-dollar-dies

http://www.cartacapital.com.br/internacional/%E2%80%9Co-dolar-tem-os-dias-contados%E2%80%9D-diz-jornalista-suica/

Derivativos, crise a vista:
http://theeconomiccollapseblog.com/archives/the-coming-derivatives-panic-that-will-destroy-global-financial-markets

Mário SF Alves

Lula defende que a política é que é o verdadeiro motor da civilização. Entendo isso, e creio que tenha sido sempre assim. Entretanto, com o fim da polarização ente capitalismo e socialismo, representada pelo fim premeditadamente catastrófico da URSS, o que só fez apressar o sequestro/privatização dos Estados pelas grandes corporações; com a paralisação da sociedade pelo terrorismo (de Estado ou não); com a desregulamentação e consequente hegemonização dos mercados, inclusive e especialmente, o mercado de capitais, a política tem sido paulatinamente emudecida, condicionada, dobrada e ou vergada pelos ditames economia.

Com a hegemonização dos mercados (o mercado pode tudo) o que temos hoje é muito mais um regime de força – uma ditadura do mercado – do que propriamente um ambiente de embate político.

Neoliberalismo é o nome e sobrenome desse estado de coisas, cuja práxis é o autoritarismo, ora dissimulado, ora absolutamente às claras, como na invasão armada de países sob pretextos frágeis ou descaradamente vãos.
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Uma coisa é certa, e é aquela velha estória, logo, logo, os ideólogos do “viva e deixe morrer” e da falsidade ideológica, representada pela teatralização da política vão começar a entregar alguns anéis pra não entregar os dedos. Salvo engano é exatamente isso o que ocorreu ontem, 13/12/2012, na Europa; “a Fase I da marcha-a-ré”, inclusive, com a inusitada e emblemática presença da Rainha da Inglaterra. Claro, ainda sob as rédeas absolutas da dita austeridade germânica.
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E essa é para aqueles que, a exemplo do Clube de Roma, advogam a redução drástica da população mundial:
O argumento é simples. Admitamos, só para efeito de cálculo, que a população mundial seja de 10 bilhões de habitantes. Imaginemos agora uma área plana de 50 mil Km², aproximadamente o tamanho do Estado do Espírito Santo. Daí que, tendo em conta que cada Km² corresponde a 1 milhão de m², temos, portanto, uma área total 50 bilhões de m². Enfim, ao dividirmos a área total pelo tamanho da população mundial, encontramos que no Espírito Santo caberia toda a população mundial e ainda teríamos 5 m² disponíveis para cada habitante.
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Moral da estória:
Ou sobra terra no mundo, ou a terra está superconcentrada ou essa estória da superpopulação não tem moral nenhuma. Ou… a verdade, definitivamente, é nada mais que ilustre e maltratada quimera.

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