Richard Duncan: O esquema Ponzi de U$ 50 trilhões vai desabar?

Tempo de leitura: 6 min

O esquema Ponzi, ilustração de George Bates

por Luiz Carlos Azenha

Richard Duncan é autor do livro The Dollar Crisis, lançado em 2003, que anteviu a crise financeira global deflagrada em 2008 com a implosão do banco de investimentos Lehman Brothers nos Estados Unidos. Em entrevista à revista New Left Review, ele define o capitalismo em que vivemos como a era do “creditismo” e prevê que qualquer regulamentação do sistema financeiro resultará num colapso econômico global, por revelar as falcatruas nas quais o sistema hoje se sustenta. Ele identifica a origem da crise atual na decisão dos Estados Unidos de abandonar o padrão-ouro, que exigia que o país tivesse depositados 25 centavos em ouro para cada dólar impresso pelo Tesouro.

Na entrevista (em inglês aqui), defende um salário mínimo global, diz que o mundo paga no preço dos alimentos pela decisão do governo dos Estados Unidos de imprimir dinheiro e diz que a globalização gerou um investimento tão maciço em capacidade instalada que isso explica a falta de lucratividade e investimento, motores do sistema. Prevê: ou os governos investem maciçamente em tecnologias transformadoras ou o esquema Ponzi de crédito, de U$ 50 trilhões, vai implodir.

Alguns excertos:

NLR: Qual o efeito que o QE [Quantitative Easing, impressão de dinheiro] tem tido nos lucros e no investimento? O lucro dos negócios nos Estados Unidos atingiu 15% este ano, de acordo com a [revista britânica] Economist, mas as corporações parecem sentadas sobre uma montanha de dinheiro que não está sendo usado.

Richard Duncan: Sim, os lucros estão bem altos, primeiro porque a remuneração do trabalho tem ficado com uma porção cada vez menor. Além disso, relativamente ao PIB, a taxação corporativa nos Estados Unidos foi a mais baixa desde os anos 50. A arrecadação no país como um todo ficou em menos de 15% do PIB, o que é, de novo, o índice mais baixo desde os anos 50. Sim, os lucros das corporações tem sido excepcionalmente bons, embora neste trimestre, de repente, todos estejam preocupados com uma queda repentina.

Mas há um problema fundamental: não existem oportunidades de investimento viáveis. Tanto crédito foi dado e tanta capacidade de produção construída que já temos muito de tudo relativamente à renda como é hoje distribuída e absorvida. Se investir mais, você vai perder dinheiro; se você pegar seu dinheiro e comprar títulos do governo, pode preservar o dinheiro para usar num dia melhor — mas isso ajuda a empurrar as taxas de juros para baixas históricas. É por isso que, mesmo no Japão, depois de duas décadas de déficits fiscais maciços, a taxa de juros de um papel de 10 anos do governo é de 0,8%; na Alemanha, 1,2%; nos Estados Unidos, 1,5%; no Reino Unido, cerca de 1,6%. Nunca foram tão baixas e isso é parte da razão. Quando a bolha estoura, não há lugar para investir dinheiro com lucro, então é melhor colocar em papéis do governo.

NLR: Quais são as opções de longo prazo?

Richard Duncan: Acho que há três opções para o futuro da economia dos Estados Unidos — três caminhos que poderiam ser seguidos. Opção um é a dos libertários e do Tea Party: eliminar o déficit. Isso resultaria em imediata depressão e colapso, o pior cenário possível.

A segunda opção é a que eu chamo de modelo do Japão. Quando a grande bolha econômica do Japão estourou 22 anos atrás, o governo japonês começou a gerar grandes déficits de orçamento e tem feito isso por 22 anos. A relação dívida/PIB aumentou de 60% para 240%. Isso é o que os Estados Unidos e o Reino Unido estão fazendo agora: gerando déficits maciços para impedir o colapso da economia.

Eles podem continuar a fazer isso por outros cinco anos com pequena dificuldade e talvez até por dez anos. A dívida do governo dos Estados Unidos é apenas 100% do PIB, o país poderia prosseguir neste caminho por cinco anos sem atingir 150%. Embora não seja claro o quanto é desejável aumentar, sabemos que não pode aumentar para sempre. Mais cedo ou mais tarde — digamos, dez ou quinze anos — o governo dos Estados Unidos estará tão falido quanto o da Grécia e a economia norte-americana vai desabar numa Grande Depressão. Esta é a opção dois. Melhor que a um, já que é melhor morrer em dez anos do que morrer agora; mas não é o ideal.

Opção número três é o governo dos Estados Unidos continuar emprestando e gastando agressivamente, como faz agora, mas mudando a forma como gasta. Em vez de gastar em consumo e para a guerra, por exemplo — o governo dos Estados Unidos gastou até agora U$ 1,4 trilhão para invadir o Iraque e o Afeganistão — deveria investir; não apenas para reformar estradas e pontes, mas investir agressivamente em tecnologias transformadoras do século 21, como energia renovável, engenharia genética, biotecnologia e nanotecnologia, em grande escala. O governo dos Estados Unidos poderia colocar um trilhão de dólares em cada uma destas indústrias nos próximos dez anos — ter um plano para desenvolver estes novos setores da economia.

Um trilhão de dólares, digamos, em energia solar nos próximos dez anos: não estou falando em construir paineis solares para o mercado; estou falando em cobrir o deserto de Nevada com paineis solares, construir uma linha costa-a-costa para transmitir esta energia; converter a indústria automobilística para a eletricidade, substituir os postos de gasolina por postos para recarregar baterias e desenvolver nova tecnologia para fazer o carro elétrico andar a 110 km/hora. Então, em dez anos os Estados Unidos terão energia gratuita e sem limites.

O déficit comercial será equilibrado, já que não teremos de importar qualquer petróleo estrangeiro e os Estados Unidos poderão gastar 100 bilhões de dólares a menos com os militares, que não precisarão defender o petróleo do Golfo [Pérsico]. O governo dos Estados Unidos poderia taxar a eletricidade produzida domesticamente, ajudando a reduzir o déficit do orçamento; e o custo de energia para o setor privado provavelmente cairia 75% — isso, em si, poderia gerar uma onda de inovação no setor privado capaz de criar nova prosperidade.

Se o governo dos Estados Unidos investisse um trilhão de dólares em engenharia genética, é provável que poderia criar milagres médicos: cura do câncer ou formas de reduzir o processo de envelhecimento. Temos de pensar em Projetos Manhattan dos tempos de paz: juntar os melhores cérebros, a melhor tecnologia e definir alvos; usar o ‘creditismo’ para produzir resultados. Podemos todos ver os defeitos do creditismo — eles são óbvios. Mas, como sociedade, penso que os Estados Unidos estão desprezando as oportunidades que existem dentro do novo sistema econômico — a oportunidade para o governo emprestar quantidades maciças de dinheiro pagando juros de 1,5% e investir agressivamente em tecnologias transformativas que poderiam reestruturar a economia dos Estados Unidos, para que ela se livre da dependência debilitadora do setor financeiro — que se tornou um gigantesco esquema Ponzi — antes que ele entre em colapso. Caso contrário, a economia dos Estados Unidos vai, mais cedo que se pensa, entrar numa espiral letal de dívida-deflação.

NLR: Presumivelmente essa estratégia do ‘creditismo’ se aplicaria apenas à economia dos Estados Unidos?

Richard Duncan: Não necessariamente. Por exemplo, o Banco da Inglaterra imprimiu tanto dinheiro para comprar papéis do governo que agora controla mais de um terço de toda a dívida do Reino Unido. Não custou um centavo para o banco comprar todos estes papéis — nem precisou comprar papel ou tinta para imprimir dinheiro, agora é tudo eletrônico. Por que não cancelar esta dívida? Não custaria nada a ninguém; mesmo que falisse o Banco da Inglaterra, ele poderia imprimir mais dinheiro para se recapitalizar. Da noite para o dia, o Reino Unido teria uma dívida um terço menor e a qualidade de seu crédito aumentaria enormemente.

O governo anunciaria sua pretensão de tirar proveito desta oportunidade histórica para aumentar os gastos e investir em novas indústrias, para que o país pudesse finalmente se livrar de sua dependência debilitadora do esquema Ponzi das finanças e desenvolver indústrias manufatureiras novamente. Por exemplo: jogar 100 bilhões em Cambridge para investir em engenharia genética nos próximos três anos, para se tornar a força dominante em tecnologia genética no mundo. Criaria com isso empregos e ao mesmo tempo poderia reformar a infraestrutura.

NLR: Mas estas novas indústrias não estariam sujeitas à mesma falta de demanda existente hoje?

Richard Duncan: Bem, não haveria falta de demanda para uma terapia molecular que retardasse o envelhecimento ou curasse uma doença fatal. O objetivo seria mirar em inovações tecnológicas que fossem completamente transformadoras, como foi a revolução tecnológica agrícola dos anos 60, que mudou a natureza da produção global de alimentos. De certa forma esta é uma oportunidade sem precedentes, por causa da quantidade de dinheiro que os governos investiriam agora, quando as taxas de juros estão tão baixas. Se houvesse direcionamento [do investimento] para tecnologias transformadoras, poderiamos criar mercados para produtos que nem existem ainda, onde haveria demanda. Se pudessemos mudar a economia dos Estados Unidos, tirá-la da dependência do petróleo para a da energia solar, isso livraria imensa quantidade de dinheiro para gastar em outras coisas. De forma polêmica, quero enfatizar que não podemos apenas esperar por uma recuperação cíclica dos velhos tempos — não vai acontecer.

Temos um novo sistema econômico. Ou nos damos conta disso e tiramos proveito das oportunidades para emprestar e investir, ou o sistema vai desabar numa depressão severa, desfazendo uma expansão de crédito de U$ 50 trilhões. Vai ser pelo menos tão ruim quanto nos anos 30.

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Comentários

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francisco pereira neto

Não sei se é por ignorância demais em economia, eu pelo menos entendi nesse último bloco da entrevista que a saída para essa situação mundial se concentra na possibilidade dos EUA ou UK (apenas os dois) optarem pelo não sofrimentro atroz. Quem diria hein? Eles sacrificam seus próprios filhos nas guerras idiotas para manterem a economia funcionando.
Basta eles (EUA ou UK ), como diz o autor optar e direcionar o “creditismo” para novas tecnologias que o mundo estará salvo.
E o que se faz, enquanto se promove o QE ad eternum (ele diz que é possível se fazer isso por dez ou quinze anos), sendo que ele próprio afirmou que essa “geração expontânea” de dinheiro tem aumentado significativamente os preços dos alimentos, e só dos alimentos. O dos manufaturados não.
Seguindo esse raciocínio eu pergunto: daquí a quinze anos, quanto estarão custando os alimentos?
Essa escalada dos preços dos alimentos não anularia o QE para financiar novas tecnologias? Sem ter alimentos se formariam cérebros para alavancar essas tecnologias?
Está me parecendo a história do rato e do gato, mas para o autor, a resolução é simples demais. Só depende dos EUA, principalmente.
Assim ele será o Nobel de economia em 2013.

    mariazinha

    Parabéns, caríssimo. Só faltou o janota dizer que todos nós devemos, precisamos e é imprescindível que façamos nossas contribuições. Teremos que doar nosso suor a favor do salvador do mundo. Não duvido, nem um pouco que, mais um tempo, a poder de armas arranquem, mesmo, até nossa alma para sobreviverem. Todos estão vendo que caminhamos para a conflagração do capitalismo e, eles, estão no centro do furacão. Resta saber qtos. cairão com eles ou quem será sacrificado para sobreviverem.
    “Quando vejo um pretenso janota de fraque e chapéu-de-côco, penso logo num grande sacrifício para aplacar os manes do Beau Brummel”[ST, Rebus Plúribus p.179]

Richard Duncan: A bolha chinesa e a luta desesperada dos banqueiros « Viomundo – O que você não vê na mídia

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H. Back™

Parafraseando Marx; o capitalismo cria os seus próprios coveiros.

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Moacir Moreira

O capitalismo não tem cura.

Enquanto obter lucro for o objetivo supremo em nossas relações humanas nós não vamos avançar cientificamente mas somente se perpetuará a ignorância, miséria e a escravidão que ajudam a manter os padrões de vida ridiculamente desproprociornais da alta burguesia parasitária.

De cada um, segundo sua capacidade e a cada um, segundo sua necessidade, como diria o imortal Karl Marx.

O direito à propriedade não pode ser ilimitado.

Rodolfo Machado

A percepção do “começo do fim” já chega a mídia mainstream, o “Bloomberg”, por exemplo:

http://www.bloomberg.com/news/2012-12-23/will-2013-mark-the-beginning-of-american-decline-.html

A “desglobalização” em pauta em palestra proferida no Instituto Milenium(pig) por Marcos Troyjo:

http://www.amanha.com.br/home-2/3855-cuidado-risco-de-desglobalizacao

Previsões para 2013:
http://etfdailynews.com/2012/12/26/a-horrific-economic-collapse-is-on-the-way/

Alexis Tsipras: Alemanha abandonaria euro sem Atenas « Viomundo – O que você não vê na mídia

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ZePovinho

Enquanto o sistema financeiro privado tiver acesso gratuito às verbas públicas, a festa da safadeza continuará:

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=21443

“….De acordo com Michel Rocard, ex-primeiro-ministro francês, e Pierre Larrouturou, economista, que se baseiam numa investigação realizada pela agência financeira nova-iorquina, Bloomberg, o Fed teria emprestado parte da quantia acima mencionada a um juro ínfimo: 0,01%. Michel Rocard e Pierre Larrouturou afirmam no jornal Le Monde: «Depois de ter desbravado 20.000 páginas de vários documentos, a Bloomberg mostra que a Reserva Federal emprestou secretamente a bancos em dificuldades a quantia de 1,2 trilhões, a juros incrivelmente baixos, de 0,01%» |5|.

Os autores perguntam: «É normal que, em caso de crise, os bancos privados, que habitualmente se financiam a juros de 1% junto dos bancos centrais, possam beneficiar de taxas de 0,01%, quando alguns estados em plena crise são obrigados a pagar juros 600 ou 800 vezes mais elevados?»………..

marlon

Prezado Azenha,
chamo a atenção para o último filme do Costa-Gavras, “O Capital”, sobre o sistema financeiro atual.
grande abraço e boas festas, Marlon

Mardones

Deixar o cartel do petróleo a ver navios?! Isso significaria, entre outras coisas, livrar-se da Arábia Saudita e de Israel (forçar um acordo de paz com os palestinos.).

Deixar de manter os rentistas ingleses?!

Isso seria o novo Renascimento!

A humanidade não está interessada nisso, vide o Tea Party e os rentistas do Morgan Stanley e cia ltda.

Nilton Costa

Estamos levando nossa vida tranquilamente,inseridos no mercado de trabalho e na “sociedade de consumo” e mal sabemos que a economia mundial e uma bomba que pode estourar a qualquer momento e destruir todos os sonhos de uma vida e os objetivos alcancados sobre este alicerce do capital!

RicardãoCarioca

Governo americano detonar o oligopólio petrolífero para abraçar a energia solar?

Governo inglês cancelar suas dívidas e deixar muitos rentistas sem seus rendimentos?

Há! Quero só ver.

Francisco

Fico pensando o que poderia ser feito com um trilhão no contiente africano…

Mas, ok, o mundo “optou” pelo capitalismo, então porque gastar com quem precisa, não é mesmo?

    Moacir Moreira

    O mundo não optou pelo capitalismo, mas este foi imposto goela abaixo do povo com suas promessas de prosperidade para todos.

    Hoje sabemos que a única prosperidade proporcionada pelos capitalistas se destinam a eles próprios por meio da exploração dos pobres, mantidos estrategicamente mergulhados na ignorância sobre seus direitos de cidadão.

    O sistema capitalista é um enorme engenho de moer gente cujos restos mortais adoçam a vida da tirania de abutres, liderados pelos banqueiros do crime organizado internacional.

ZePovinho

O PIG nos diz que o “guverno” arrecada 1 trilhão de reais,por ano,em impostos.Para isso,de forma picareta,soma todos os tributos(impostos,taxas,contribuições,etc) de 5600 municípios,27 estados e União.Além disso,o PIG informa,bem escondido, que 11622 contribuintes devem quase 1 trilhão de reais em impostos que nós,trabalhadores,pagamos NA FONTE:

http://www.defesanet.com.br/seguranca/noticia/9108/DERRAMA—Fisco-Fecha-o-Cerco-para-Recuperar-R$-630-BI-

DERRAMA – Fisco Fecha o Cerco para Recuperar R$ 630 BI
Novo sistema permite que governo monitore os 11.622 principais devedores para bloquear bens. Segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), o total de débitos inscritos na dívida ativa da União deverá ultrapassar R$ 1 trilhão este ano

O governo está monitorando 11.622 contribuintes que devem R$ 629 bilhões aos cofres públicos. Para recuperar esse dinheiro a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional acaba de desenvolver novas técnicas para garantir o bloqueio de bens. Um sistema inteligente capta, junto à Comissão de Valores Imobiliários (CVM) e à Bolsa de Valores, o exato momento em que um devedor está para receber novas receitas. O sistema emite um sinal ao procurador que, rapidamente, bloqueia a entrada desses recursos. Até novembro, a recuperação de débitos inscritos na dívida ativa chegou a R$ 682,2 milhões, mas o total de débitos deve ultrapassar R$ 1 trilhão este ano.

Fisco desenvolve sistemas inteligentes para recuperar R$ 630 bi de 11,6 mil contribuintes

termômetro fiscal

BRASÍLIA O governo federal está atrás de 11.622 contribuintes que devem nada menos que R$ 629,9 bilhões aos cofres públicos, quase 70% do total de débitos inscritos na dívida ativa, que, este ano, deverá ultrapassar R$ 1 trilhão. Para recuperar o dinheiro desses tubarões, concentrados sobretudo na região Sudeste do país, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) acaba de desenvolver sistemas inteligentes e novas técnicas para garantir o bloqueio de seus bens antes que consigam desaparecer com o patrimônio que tem em seu nome. O chamado “esvaziamento patrimonial” é um expediente cada vez mais utilizado pelos grandes devedores, inclusive pessoas jurídicas, para driblar o Fisco.

Além disso, um cérebro artificial já acompanha a capacidade de pagamento dos grandes devedores com um mecanismo batizado de “termômetro fiscal”, um painel de controle semelhante ao velocímetro de um carro, desenvolvido exclusivamente para monitorar os débitos. Eles são classificados de “solventes” até o “alerta vermelho” (quem não tem mais patrimônio suficiente para pagar o que deve), passando pelo “amarelo” e “laranja”. Sempre que o ponteiro indicar que o devedor mudou de faixa neste sistema, o procurador responsável pelo processo recebe um aviso eletrônico e se encarrega de tentar bloquear os bens.

pagamento monitorado

Uma das armas do sistema da PGFN é captar o exato momento em que um devedor está para receber novas receitas. Conectado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e à bolsa de valores, ele é acionado sempre que há o aviso do pagamento, por exemplo, de dividendos de ações de empresas. O sistema emite um sinal ao procurador, que rapidamente bloqueia a entrada destes recursos. O mesmo acontece com as receitas obtidas por vendas a partir do cartão de crédito. O faturamento do devedor é bloqueado.

O maior problema enfrentado pela PGFN, o chamado planejamento patrimonial, acaba abrindo caminhos para que o dinheiro se perca para sempre. Isso porque ao longo dos dispendiosos e demorados processos de cobrança judicial, que podem levar duas décadas, os rastros do dinheiro são apagados. Um grande devedor de Brasília teve seus bens bloqueados e carros de luxo penhorados, exceto um, que ele conseguiu passar para o nome de um laranja.

R$ 682 milhões recuperados

Uma das formas mais recentes de se sumir com os recursos é passar o patrimônio de uma empresa ou pessoa física para um fundo de investimento, que não tem personalidade jurídica, portanto, não pode ser alcançado. Barcos, aeronaves, edifícios ou automóveis usados por estes contribuintes pertencem a esses fundos e, por isso, não podiam ser associados ao seu nome. Mas, este ano, a PGFN conseguiu caracterizar a estratégia e já consegue bloquear, não o fundo inteiro, mas cotas dele.

Estima-se que algumas dezenas de empresas inscritas na dívida ativa jamais pagarão os débitos bilionários que acumularam ao longo dos anos. É o caso de grandes empresas que quebraram há vários anos e as massas falidas que já não têm de onde tirar recursos. Restam apenas esqueletos.

Os esforços da Procuradoria da Fazenda vêm dando frutos. Até novembro deste ano, a recuperação de débitos inscritos na dívida ativa chegou a R$ 682,2 milhões, um recorde histórico, que supera em 26% a marca anterior, batida no ano passado inteiro. A PGFN também conseguiu R$ 30,6 bilhões como garantias dos grandes débitos até outubro deste ano. Este volume ainda é pouco. Não alcança 20% do total, no entanto, é o maior volume já retido na história.

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