Pimenta comemora multidão de jovens no 19J: ”Talvez estejamos vendo um movimento como o do Chile”

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Fotos: Mídia Ninja

O memorável 19 de junho: um dia de luto e de luta

Por Paulo Pimenta*

O Brasil foi soterrado por uma catástrofe inimaginável.

Segundo dados oficiais, o País que construiu um dos mais eficientes sistemas de vacinação em massa do mundo chora hoje mais de quinhentos mil mortos pela Covid-19.

Dez vezes mais que o número de mortos durante a guerra contra o Paraguai (1864-1870), um dos maiores morticínios registrado na história brasileira.

O mais grave é que as mais de 500 mil mortes foram motivadas por uma doença para a qual existe vacina e por um governo que deliberou conscientemente negar sua letalidade e concentrou seus esforços na propagação do vírus como suposta forma de imunização.

E assumiu como política o criminoso charlatanismo, com o próprio presidente da República fazendo propaganda da cloroquina, medicamento cientificamente comprovado como ineficaz para combater o vírus e nocivo pelos efeitos colaterais que provoca nos usuários.

Números subestimados – A médica infectologista Ana Luiza Bierrembach, conselheira técnica da Vital Strategies, autora de um estudo sobre a subnotificação, alerta que o número mais realista de óbitos no Brasil alcançaria já a casa dos 700 mil.

O Brasil teria algo em torno de 30% mais de óbitos e 60% mais de infectados do que apontam os números oficiais.

“Na verdade já chegamos a 500 mil mortos por volta de meados de abril”, afirma a médica à Deutsche Welle.

“A produção de variantes está relacionada ao número de pessoas infectadas. E nós somos o portfólio perfeito de novas variantes de vírus replicando: temos vacinação lenta com contaminação alta”, explica o imunologista dr. Alessandro dos Santos Farias, coordenador de diagnóstico da força-tarefa contra a Covid-19 da Unicamp, também em entrevista à DW.

A perspectiva que se desenha, portanto, é sombria.

As ruas e a esperança – As manifestações ocorridas em 19 de junho em todo o Brasil e em várias cidades do mundo devem ser vistas como se o povo brasileiro, dilacerado diante da montanha de cadáveres de seus avós, pais, mulheres, maridos, filhos, irmãos e amigos, ensaiasse seu próprio renascimento.

As ruas de mais de 400 cidades despertaram sob o passo de multidões que buscam reencontrar seu lugar natural de participação política, para enfrentar a calamidade.

O gesto das multidões de cidadãs e cidadãos de ocuparem, no último sábado, ruas e praças mescla duas dimensões da tragédia brasileira: o desespero e a esperança.

Foi um ato de desespero na medida em que os participantes das manifestações, mesmo com todos os cuidados, ficaram sujeitos aos riscos impostos pela contaminação com o vírus da pandemia.

E, ao mesmo tempo, de esperança porque aponta a única saída visível para a calamidade a que nos conduziu a estratégia negacionista e criminosa do governo de extrema-direita: a regeneração da política pela participação popular.

Frente antifascista – O dia 19 trouxe para as ruas uma agenda emergencial, unificadora: a luta pelo direito de um povo utilizar-se dos recursos técnicos, científicos e políticos que tem à mão no regime democrático para garantir sua sobrevivência como nação.

Engana-se quem imagina que a construção da frente antifascista capaz de derrotar Bolsonaro resultará apenas do diálogo e das articulações políticas mediadas pelos partidos e personalidades.

A prática das lutas contra o governo de liquidação nacional de Jair Bolsonaro, demonstrada pelas manifestações de rua que ocuparam com vigor a cena política do País em menos de um mês, revela que os setores populares organizados deixaram para trás o período de apatia.

Novo projeto de país– Sob o olhar atento da mídia corporativa, que já tratou de modificar sua atitude e a cobertura dos atos, dos setores empresariais aliados de Bolsonaro e dos militares do governo, os manifestantes ensaiaram os primeiros passos no sentido de se deslocar de uma atitude apenas de resistência para avançar na direção de construir a nova agenda com vistas a formular um novo projeto de país.

Restabeleceram seus vínculos com os segmentos mais pobres da população entregues à própria sorte pelas políticas de Bolsonaro/Paulo Guedes e pela aposta na “imunização de rebanho” concebida pelo “Gabinete paralelo” e executada pelo Ministério da Saúde, defendida nesta terça-feira (22), na CPI do Senado, por Osmar Terra Plana.

A presença de contingentes expressivos das periferias nos atos demonstra isso. E avisaram: não seremos destinatários dos restos de comida oferecidos pelo parasita que ocupa o Ministério da Economia.

O Brasil que foi às ruas – e às redes – no 19 de junho foi muito além das bolhas ideológicas, partidárias ou eleitorais.

Vazou dos segmentos de esquerda iniciais, que convocaram as manifestações de 29 de maio último, para um campo social mais vasto: ali estavam os brasileiros que levantavam a dor de suas perdas levantando cartazes com os nomes dos seus familiares mortos pela Covid-19 e pela incúria delinquente do governo de extrema-direita e exigiam “Fora, Bolsonaro!”

Governo genocida – As reações que aqui e ali se apresentam no campo do neofascismo revelam parte da estratégia deliberada pelo governo de apostar na “imunidade de rebanho”, além de vender cloroquina: evitar a pressão popular a partir das ruas contra o genocídio e contra as políticas neoliberais que se encaixam na sua lógica.

E o incômodo pela presença de um componente que traz consigo a marca histórica dos momentos de mudança no Brasil: a participação decisiva da juventude.

Neste país surpreendente é possível que estejamos testemunhando um movimento semelhante ao que se vive no Chile.

Lá, a juventude se levantou contra o governo Piñera, avançou pelas ruas e pôs em xeque a Constituição do fascista general Augusto Pinochet, aquela que o parasita Paulo Guedes sonha impor ao Brasil.

Os chilenos derrotaram a direita e a extrema direita, que foram reduzidas ao seu tamanho real. O povo chileno se prepara para abrir os trabalhos com vistas a desenhar uma nova Constituição.

Castigado por uma pandemia que deixa mais de meio milhão de mortos e mais ainda por um governo que converteu o país no epicentro dela, o povo brasileiro recupera a memória das lutas que há bem pouco tempo pavimentavam o caminho para a construção de um país generoso, inclusivo, pluralista, tolerante, democrático, soberano e com respeito à vida, ao meio ambiente e aos direitos sociais e trabalhistas.

“Vacina no Braço, comida no prato!”

“Fora, Bolsonaro! Impeachment Já”!

*Paulo Pimenta é deputado federal (PT-RS)


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Darcy Brasil

Tudo é possivel em épocas de gestação de situações revolucionárias como a que estamos conhecendo, em que o rumo dos acontecimentos é, de fato, imprevisível, podendo resultar em um movimento semelhante ao do Chile, tanto o que ocorreu em 2019 quanto aquele que se verificou em 1972. Entretanto, que ninguém acredite que o desfecho dado aos fatos naquele país a partir de 2019 se produziu espontaneamente, sem a influência dos partidos e forças democráticas que lhe deram um norte, um objetivo a conquistar, levantando a bandeira da convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Discordo também da tese de que as manifestações do dia 19J tiveram um tom muito mais amplo que aquelas que ganharam as ruas para combater o golpe que se armava contra Dilma. Meu “manifestômetro” improvisado se vale das cores das bandeiras e vestimentas, em que o vermelho predominou visivelmente. A falta do azul dos liberais e das demais cores neutrais se fez sentir visivelmente. Não tenho dúvida de que os setores liberais, que têm batido panelas junto com a esquerda contra o governo Bolsonaro, ficou em casa, simpatizando com as ruas ocupadas pela esquerda, porém sem se sentirem convidados a marchar com ela. Frente Antifascista precisa ser ampla para ser vitoriosa. Se, de fato, a articulação política realizada exclusivamente por cima levaria à derrota, a subestimação da capacidade destas forças políticas partidárias de centro esquerda mobilizarem grandes contingentes de simpáticos às suas cores e programas para atuarem nas manifestações de rua seria igualmente um lamentável equívoco. Todo movimento de massas reclama a participação de suas lideranças. A direita conservadora também têm as suas “massas”, os seus “homens comuns”, que se orientam por suas lideranças, pelos seus “intelectuais orgânicos”. O modelo a ser copiado deveria ser semelhante àquele que comandou o movimento “Diretas Já”, com instituição de comitês “Fora,Bolsonaro” em cada lugar onde isso for possível, aberto à participação de qualquer indivíduo que concorde com essa bandeira unificadora, independemente de ser ou não um simpatizante da esquerda. Não se pode misturar etapas, confundir inimigos principais com inimigos secundários. Também não acredito em milagres produzidos por movimentos espontâneos, sem orientação programática, à revelia de partidos que reúnam os intelectuais orgânicos do povo dando unidade de ação e de pensamento às suas lutas. O grosso dos trabalhadores e do povo brasileiro continua vegetando na alienação política. Parcela expressiva das periferias brasileiras seguem sob a influência ideológica das Igrejas conservadoras que ocuparam o vácuo deixado pela transformação da atividade política da esquerda, que passou a negligenciar o chamado trabalho de base através das lutas travadas pelos movimentos sociais, transferindo a sua atividade política central para o seio das organizações partidárias com propósitos eleitorais, convertendo muitas importantes lideranças dos movimentos sociais em representantes no parlamento da democracia de fachada burguesa. O tempo perdido não se recupera com vara de condão, nem com o rebaixamento do papel dos partidos políticos, pela substituição do elemento consciente pelo espontâneo, da linha politica cientificamente concebida pelo espontaneísmo, pelo economicismo.

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