Pedro Serrano: A proteção necessária às vítimas de crimes violentos

Tempo de leitura: 3 min

por Pedro Estevam Serrano, em CartaCapital

Creio que quase todos veículos de mídia noticiaram o trágico assalto no qual uma jovem grávida foi banal e brutalmente assassinada. Ficou evidenciado, conforme também noticiou a mídia, a ocorrência de várias mortes realizadas por policiais militares cuja única característica das vítimas era possuir algum antecedente criminal (um extermínio banalizado e consentido em certa medida pela hipocrisia social de elites que desejam o assassínio dos pobres mas mediam sua angústia culpada com a criminalização das vítimas).

Segundo matéria do site da ONG Conectas de direitos humanos publicada em abril de 2012, até aquela data, quatro jornalistas foram assassinados no Brasil no correr do ano, o que significava 1 jornalista assassinado por mês, em condições que legitimam a suspeita de que o tenham sido em razão de exercerem livremente seu direito de expressão do pensamento.

Ao menos dois aspectos as ocorrências descritas têm em comum, sem prejuízo de outras comparações possíveis, quais sejam o fato de ter ocorrido um crime que atentou contra a vida de pessoas e, por consequência, a existência de vitimas diretas e indiretas da conduta criminosa. Pessoas perderam a vida, mas também familiares sofreram a perda de um pai, filho ou irmão, com significativo dano afetivo e muitas vezes material pela ausência do arrimo da família.

Seja o criminoso um agente estatal ou policial abusando de poder, um homicida profissional pago por políticos ou empresários também criminosos ou um marginal que realiza um assalto ou um integrante do crime organizado, a realidade é que na convivência social brasileira há um grave problema humanitário como consequência da violência banalizada em nosso cotidiano. Familiares sofrem a perda afetiva e material, sem qualquer assistência estatal por isso.

Setores de direita costumam acusar os defensores de direitos humanos de não atentarem aos direitos das vitimas de crimes violentos. Corretamente tais defensores não aceitam a crítica, que traz como fundamento oculto o muito equivocado pressuposto que direitos humanos são “direito de bandidos” e não a proposição verdadeira de que direitos humanos são direitos mínimos reconhecidos a qualquer ser humano por sua simples condição de pertinência à humanidade.

Assim, direitos humanos são, em verdade, direitos da humanidade e não apenas de “bandidos”. Defender direitos humanos não inclui defender a não punição de crimes, mas apenas que essa punição se realize nos marcos da legalidade e segundo valores universais consagrados em nossa civilização.

Ocorre que há de se reconhecer que a proposição utilizada pela direita autoritária tem uma dimensão que faz todo o sentido: a de que pessoas vitimadas pela violência criminosa têm de ter direito à assistência estatal em amplo sentido, psicológica, médica, social e, quando implicar em morte de arrimo de família, financeira.

Com uma sociedade semelhante à nossa, na qual a violência é banalizada, o abuso de poder é cotidiano e o crime organizado, uma realidade. Mas com legisladores e governos nacional, regionais e locais mais atentos ao problema das vítimas, o México acaba de publicar, no início de janeiro – e com apoio de movimentos sociais como o Movimento pela Paz, ONGs de defesa de direitos humanos e da ONU – uma Lei Geral de Assistência às Vitimas de Violência (Ley General de Victimas).

A lei referida estabelece atendimento especializado emocional, além de auxilio financeiro até o valor de 500 salários mínimos, envolvendo União, Estados e municípios. Contempla também um sistema especial de proteção a militantes defensores de direitos humanos e jornalistas.

A Lei Geral de Vitimas não é um produto perfeito. Várias dúvidas são levantadas quanto a eventuais abusos por não trazer uma definição exata do conceito de vítima e pela extensão que oferece à oferta de auxilio financeiro, ao mesmo tempo em que o subordina a um burocrático processo de concessão.

A nosso ver, o auxilio financeiro deveria ser limitado a familiares de vítima de violência fatal ou incapacitante que seja arrimo de família.

Por conta dessas indefinições do texto legal e questões especificas de natureza constitucional, embora aprovado por unanimidade no Senado e na Câmara, em abril de 2012, permaneceu sem ser promulgada e publicada até o fim de 2012 e inicio de 2013, sendo que entrara em vigor 30 dias após sua publicação.

Por ser uma iniciativa criativa e inovadora, obviamente a lei mexicana precisará, no futuro, ser alterada face às experiências reais que dela frutificarem. Mas de forma alguma este fato diminui a importância e a correção da conduta do parlamento e do governo mexicanos.

Urge a nosso ver o início de debates públicos no Brasil sobre o tema, absolutamente compatível com o sistema de direitos fundamentais de nossa Constituição.

Ao contrário do que muitos pensam, não foi a Constituição de Weimar a primeira no mundo a consagrar direitos sociais em 1919, mas sim a mexicana, em 1917. Mais uma vez vem do México o bom exemplo legislativo.

O Estado brasileiro não pode continuar inerte quanto aos direitos e necessidades inegáveis das vítimas de crimes violentos, sejam eles praticados pelo marginal comum, pelo crime organizado ou mesmo por agentes estatais em abuso de poder.

Pedro Estevam Serrano é professor de Direito Constitucional da PUC-SP.

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Comentários

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Urbano

No Brasil e dentro de certas castas, o modelo é a total proteção do carrasco. Criou-se até lei (de boston, mas lei) para garantir isso…

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