No New York Times: Tuíte de Bolsonaro foi para demonizar comunidade LGBT

Tempo de leitura: 4 min
Cena do desfile de Carnaval no Rio. Reprodução de vídeo

O Presidente e o Chuva Dourada

Por que o líder conservador do Brasil estava tuitando?

Por Cleuci de Oliveira*, no New York Times

BRASÍLIA – O Carnaval é um dos eventos mais esperados do calendário brasileiro.

Há, claro, o show mundialmente famoso apresentado pelas escolas de samba no Rio de Janeiro, que atrai turistas de todo o mundo, mas os foliões brasileiros saem às ruas em cidades por todo o país, grandes e pequenas.

E todo ano tem os seus destaques — sejam tolos, profundos ou simplesmente desconcertantes — que definem as celebrações.

Este ano, o momento mais falado veio no final das festividades, na noite de terça-feira, e o homem que o proporcionou não foi outro senão o presidente Jair Bolsonaro.

Pouco depois das 18 horas, Bolsonaro tuitou um clipe de 40 segundos mostrando um ato sexual entre dois homens, durante o dia, na frente de uma grande multidão.

Sem detalhes, a mensagem do presidente sugeriu que o incidente era do fim de semana prolongado e que representava a podridão moral no coração do feriado nacional.

“Eu não me sinto confortável mostrando isso, mas temos que expor a verdade”, escreveu ele.

“É o que aconteceu em muitos blocos durante o Carnaval brasileiro. Comente e tire suas próprias conclusões”.

O tuíte ricocheteou no Twitter e fez as redações do país debaterem: como relatar com precisão a mensagem presidencial mantendo o decoro?

“Bolsonaro compartilha vídeo de homem brincando com seu ânus e sugere que essa é uma cena típica durante o Carnaval”, foi como um jornal, a Folha de S.Paulo, descreveu.

A manchete optou por não mencionar a parte mais explosiva do clipe, que o Sr. Bolsonaro abordou na manhã seguinte, novamente no Twitter, em uma confusão aparentemente falsa: “O que é uma chuva dourada?”, ele perguntou timidamente.

O tuíte de Bolsonaro pode ter deixado o país inteiro sem palavras, mas seus motivos foram suficientemente claros.

Primeiro, estava tentando demonizar a comunidade LGBT, uma população marginalizada que ocupou seus pensamentos e retórica desde que emergiu como um incendiário da direita ultraconservadora (em 2011, ele disse à revista Playboy que preferia que seu filho morresse em um acidente do que ser gay).

Agora que ele é presidente, essa mesma comunidade se viu na mira de seu governo.

Segundo, Bolsonaro estava claramente preocupado com a forma como as celebrações deste ano se transformaram em protestos contra sua presidência e o que ela representa.

Tuitar o vídeo, gravado na festa de um bloco que aconteceu em São Paulo na segunda-feira, foi, ao que parece, uma forma de retaliação mistificadora.

O Carnaval no Brasil não é apenas sobre festa, embora certamente haja muito disso (mas deve-se notar que até mesmo pelos padrões frouxos do Carnaval, a cena explícita capturada em vídeo, e agora imortalizada pelo chefe de Estado do Brasil, era uma aberração).

É também uma época de imensa expressão política e cívica. Este ano, um tema inconfundível emergiu das celebrações do Carnaval em centenas de cidades: um repúdio vigoroso à ideologia de extrema-direita que Bolsonaro e seu governo representam.

No Rio de Janeiro, a escola de samba Mangueira venceu a competição apresentando um espetáculo que contava a história do Brasil a partir da perspectiva de seus heróis negros e indígenas.

Também prestou homenagem a Marielle Franco, uma vereadora negra, gay e progressista que foi assassinada no ano passado (embora o assassinato ainda não tenha sido solucionado, a polícia suspeita do envolvimento de um grupo paramilitar; recentemente, surgiram ligações entre o grupo e a família Bolsonaro, embora estes últimos não estejam envolvidos no assassinato).

Na cidade histórica de Olinda, os foliões jogaram latas de cerveja em uma efígie do presidente.

Fora da antiga casa de Bolsonaro, no Rio de Janeiro, os foliões se vestiram de laranjas — uma referência a um escândalo de lavagem de dinheiro que atualmente afeta a família Bolsonaro.

E um canto onipresente, que pode ser respeitosamente traduzido como Ei, Bolsonaro, se lixe! dominou o Carnaval de Norte ao Sul do Brasil.

O Sr. Bolsonaro não teve um grande Carnaval.

Ele estava se recuperando de uma grande cirurgia abdominal — a última fase de uma longa e delicada recuperação do esfaqueamento que sofreu em setembro passado.

Mas foi capaz de acompanhar os eventos a partir de seu smartphone. Logo ficou claro que as manifestações anti-Bolsonaro tinham incomodado.

Na manhã de terça-feira, ele atacou um videoclipe de dois músicos proeminentes que zombavam de suas opiniões restritivas sobre gênero e sexualidade.

Sua resposta foi tuitar um videoclipe próprio, com uma cantora anônima que chamou os dois artistas famosos pelo nome e elogiou “o capitão” Bolsonaro.

Na sequência, o presidente disparou um aviso: “Tão importante quanto a economia é o resgate de nossa cultura, que foi destruída ao longo de décadas por governos com tendência socialista”.

Mas o agora infame tuíte mostrou-se uma ponte longe demais mesmo para a base conservadora.

“O tuíte de Bolsonaro é incompatível com a postura de um presidente, muito menos de um à direita”, escreveu o congressista Kim Kataguiri, líder do movimento nacional para destituir a ex-presidenta de esquerda, Dilma Rousseff.

“Nada justifica que o presidente compartilhe pornografia no Twitter”.

As demonstrações de apoio foram poucas, de um punhado de seguidores.

Aliados e membros do ministério se contorceram para explicar porque um homem eleito com uma plataforma de valores familiares tinha acabado de alimentar um ciclo de notícias que incluiu apresentadores de TV, de rosto vermelho, explicando o significado de chuva dourada.

O vice-presidente Hamilton Mourão, atualmente em disputa com a família Bolsonaro, se esquivou das perguntas dos repórteres na quarta-feira sobre o que seu chefe estava pensando. “Eu não sou um ventríloquo”, disse.

O palácio presidencial, por sua vez, emitiu um comunicado na noite de quarta-feira. A cena “escandalizou não apenas o próprio presidente, mas uma parte significativa da sociedade”.

A declaração passou a descrever o incidente em vídeo como “um crime” (não especificou qual), ao  “violar os valores familiares e as tradições culturais do Carnaval”.

Bolsonaro não é o primeiro político conservador do Brasil a se irritar com o espírito libertino da festa.

O prefeito Marcelo Crivella, do Rio de Janeiro, que é um cristão pentecostal e bispo (e um alvo popular de escárnio em muitos blocos), nos últimos anos cortou o financiamento do governo para as festas de rua da cidade.

“O carnaval é um bebê corpulento que precisa ser desmamado”, disse ele ao site de notícias G1 antes das celebrações deste ano, acrescentando que as mulheres entenderiam a metáfora.

Mas Bolsonaro deveria prestar atenção às lições da história: os políticos brasileiros que detonam o Carnaval raramente triunfam.

Como um jornalista observou no Twitter, em 1961, o presidente Jânio Quadros “tentou regulamentar o comportamento” no Carnaval, sob o slogan “Jânio é a certeza de um Brasil moralizado”.

Quadros podia estar moralmente certo, mas ele se demitiu depois de apenas oito meses no cargo.

*Jornalista baseada em Brasília


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Zé Maria

O Jânio Quadros proibiu as rinhas de galo no Brasil,
o uso de “maiôs cavados” e biquínis pelas candidatas
a Miss nos concursos transmitidos pela Televisão e
o lança-perfume em bailes de carnaval.

Comparem comentem e tirem suas conclusões…

Zé Maria

E dizer que uma Maioria Eventual e Ludibriada
trocou um Professor de Gabarito Nota Dez
por um Recruta Zero, Vil, ignóbil e Nojento.

Deixe seu comentário

Leia também