Naomi Klein: Uma chaga no mundo

Tempo de leitura: 15 min

Uma chaga no mundo

24/6/2010, Naomi Klein, The Nation

Tradução de Caia Fittipaldi

Todos os que se reuniram no salão do colégio foram várias vezes instruídos para comportar-se com civilidade ao falar com o pessoal da British Petroleum (BP) e do governo federal. Bons rapazes, que encontraram uma folga em suas agendas carregadas para vir a um colégio, numa 4ª-feira à noite, em Plaquemines Parish, Louisiana, uma das inúmeras comunidades pesqueiras nas quais o veneno marrom infiltra-se pelo mangue, parte do que já pode ser descrito como o maior desastre ambiental de todos os tempos, na história dos EUA.

“Falem com eles, como querem que eles falem com vocês”, repetiu mais uma vez o organizador da reunião, antes de abrir a sessão de consultas do auditório.

E de fato, no começo, a multidão, a maioria pescadores e famílias de pescadores, comportaram-se exemplarmente. Ouviram pacientemente a fala de Larry Thomas, relações públicas da BP, cheio de trejeitos, dizer-lhes que estava empenhado em fazer “nosso melhor” para dar andamento aos pedidos de reembolso por lucros cessantes – e imediatamente passou a palavra a um terceirizado, com cara de bem menos amigos. Todos ouviram o representante da Agência de Proteção ao Meio Ambiente, que informou que, diferente do que todos ouviram, sobre o produto ter sido proibido na Grã-Bretanha, o dispersante químico que está sendo lançado sobre o petróleo é perfeitamente seguro. (…)

Mas a paciência começou a acabar quando, pela terceira vez, Ed Stanton, capitão da Guarda Costeira, subiu até o microfone para repetir que “a Guarda Costeira obrigará a BP a limpar tudo.”

“Escreva e assine!”, alguém gritou. Mas o ar condicionado parou de funcionar e o estoque de Budweiser estava acabando. Um pescador de camarões, Matt O’Brien, andou até o microfone. “Não precisamos continuar a ouvir isso”, disse ele, mãos na cintura. Explicou aos convidados que de nada adiantavam as garantias que tivessem a oferecer, “porque ninguém aqui confia em vocês.” A frase provocou ovação tão repentina e decidida, que foi como se os “Petroleiros” (infeliz nome do time de futebol do colégio) tivessem marcado um touchdown.

Mas foi manifestação só catártica, mais nada. Há semanas aquelas pessoas estão sob ataque de uma onda de diz-que-diz e de promessas as mais alucinadas, vindas de Washington, Houston e Londres. Cada vez que ligam os aparelhos de TV, lá está o presidente da BP, Tony Hayward, prometendo, sob palavra de honra, que “fará a coisa certa”. Ou então é o presidente Obama, manifestando absoluta certeza de que seu governo “deixará a Costa do Golfo em melhor forma do que antes”, e repetindo que “as coisas ficarão mais fortes do que antes dessa crise.”

Tudo muito bonito. Mas para pessoas que vivem em íntimo contato com a delicada química do delta, tudo soa completamente absurdo. Quando o petróleo cobre a base da vegetação do delta, como já cobriu a poucos quilômetros dali, não há máquina ou mistura química milagrosa que o arranque, sem arrancar toda a vegetação. Pode-se recolher o petróleo com peneira da superfície da água e pode-se varrê-lo com a areia da superfície das praias, mas o delta coberto de petróleo não tem salvação: lá fica, morrendo morte lenta. Tudo morre. As larvas e ovas de incontáveis espécies para as quais o delta é local de desova e incubadora – camarões, caranguejos, ostras e peixes – todas estão sendo envenenadas.

Já está acontecendo. Naquele dia, pela manhã, viajei pelas áreas próximas do delta,  num bote raso. Os peixes estão saltando à tona d’água, em anéis de espuma escura, entre as tiras de algodão grosso e papel que a BP está usando para retirar o petróleo da superfície. Era como se o material absorvente se enrolasse em torno dos peixes, como uma corda de forca. A morte sobe pelos veios do junco: é como se os pássaros pousassem sobre um bastão de dinamite cujo pavio está aceso, queimando rápido.

E há também o capim, “Roseau cane”, como se chama aquele capim de lâmina alta, afiada. Se o óleo entrar muito profundamente no delta, não apenas mata o capim da superfície, mas também as raízes. São aquelas raízes que mantém costurada a vegetação do delta, impedindo que a terra verde despenque no rio Mississipi e no Golfo do México. Por isso, não são só os pesqueiros de vilas como Plaquemines Parish que estão ameaçados, mas quase toda a barreira física, que perde resistência no caso de tempestades ferozes, como o furacão Katrina. Tudo, ali, estará perdido.

Quanto tempo demorará para que o ecossistema devastado a tal ponto seja “restaurado e reconstituído”, como o secretário do Interior de Obama prometeu? Não se sabe sequer se será algum dia restaurado, não em tempo previsível, uma, duas, várias gerações.

Os pesqueiros do Alasca ainda não se recuperaram completamente do vazamento, em 1989, do petroleiro Exxon Valdez; algumas espécies ainda não reapareceram. Cientistas do governo estimam que quantidade equivalente a um petroleiro Valdez de petróleo vaza, a cada quatro dias, nas águas do Golfo do México. O prognóstico é ainda pior, se se considera o vazamento de 1991, na Guerra do Golfo, quando se estima que 11 milhões de barris de petróleo foram lançados no Golfo Persa – até agora, o maior vazamento jamais ocorrido. A comparação não é perfeita, porque se limpou área tão pequena, mas estudo feito 12 anos depois do desastre do Golfo Persa mostrou que cerca de 90% da vegetação litorânea e de mangue ainda exibia sinais de envenenamento.

O que se sabe é que, longe de algum dia poder ser reconstituída, a costa do Golfo, isso sim, será reduzida. Suas ricas águas e céus carregados de aves serão, no futuro, menos vivas do que foram e ainda são. O espaço físico que muitas comunidades ocupam no mapa também encolherá, por causa da erosão. E a legendária cultura daquele litoral encolherá com o território.

As famílias de pescadores que vivem ali, não vivem só de pescar. São elos de uma intrincada rede que inclui tradições familiares, cozinha, música, arte, idiomas minoritários ameaçados – e tudo isso, como as raízes do capim do delta, mantém coesa a terra naquela área. Sem a pesca, aquelas culturas perdem contato com o sistema radicular, que desce até o fundo do chão sobre o qual construíram a vida. (A BP, aliás, sabe bem dos limites da recuperação. O “Plano Regional de Reação ao Vazamento de Petróleo no Golfo do México” que a empresa elaborou inclui instruções claras para que os funcionários não prometam “plena recuperação e volta à normalidade em itens que tenham a ver com questões de propriedade, ecologia etc.” Motivo pelo qual, é claro, os funcionários usam termos vagos como “fazer a coisa certa”.)

Se o Katrina arrancou a cortina que escondia o racismo, o desastre da BP está expondo algo muito mais ocultado: o quanto temos, mesmo as grandes empresas e os mais destacados especialistas, pouco controle sobre as muito intrincadamente conectadas forças naturais ante as quais nos comportamos tão levianamente. A BP não sabe o suficiente, para cavar uma chaga na Terra, como cavou. Obama não tem poder para ordenar que os pelicanos não se extingam (por mais traseiros que se ponha a chutar).

Não importa quanto dinheiro se gaste – nem os $20 bilhões que a BP oferece, nem se fossem $100 bilhões. Não há dinheiro suficiente para reconstituir uma cultura que tenha perdido as raízes. E enquanto os políticos e representantes de corporações insistem em não ver essa verdade mais evidente, as pessoas, cujos ar, água e vida foram contaminados perdem rapidamente as últimas ilusões.

“Tudo está morrendo”, diz uma mulher, quando a reunião na escola aproximava-se do final. “E vocês vêm dizer aqui, agora, que nosso golfo é resistente e se recuperará? É porque vocês não têm nem ideia do que acontecerá ao nosso golfo. Sentam-se aí, com ar sério e falam como se soubessem. Mas vocês não sabem.”

A crise do litoral do Golfo é crise de várias coisas – da corrupção, da desregulação, da privatização, da dependência doentia de combustíveis fósseis. Mas, por trás de tudo isso, é crise clara da arrogância de nossa cultura, que supõe ter perfeita compreensão e comando sobre a natureza de modo a poder tudo manipular radicalmente e re-manipular e fazer re-engenharias sem risco, dos sistemas naturais que nos mantêm vivos.

Como o desastre da BP mostrou, a natureza jamais é tão previsível quanto supõem e fazem crer os mais sofisticados modelos matemáticos e geológicos. Em recente depoimento ao Congresso, Hayward disse que “os melhores cérebros e a mais avançada expertise estão sendo convocados” para enfrentar a crise, e que “com exceção talvez do programa espacial dos anos 60, difícil imaginar equipe maior e mais tecnicamente qualificada, reunida num local só, em tempo de paz.” Mesmo assim, ante o que o geólogo Jill Schneiderman descreveu como “um poço de Pandora”, estão todos como aquele especialista, ante aquela multidão de cidadãos: sentados, sérios e falando como se soubessem; mas não sabem.

A missão declarada da British Petroleum

No arco da história humana, a noção de que a natureza é máquina que aí está para ser objeto de reengenharia ao bel prazer do engenheiro é conceito relativamente recente. Em livro seminal de 1980, The Death of Nature, Carolyn Merchant, historiadora das ciências do meio ambiente, lembra os leitores que, até os anos  1600s, a terra era viva, quase sempre sob a forma de uma mãe. Os europeus – como todos os povos nativos em todo o planeta – acreditavam que o planeta fosse ser vivo, cheio de potências de vida e de terríveis tempestades. Por isso havia tabus que impediam ações que deformassem e violassem “a mãe”, dentre os quais a mineração.

A metáfora mudou, quando se desvelaram alguns (mas nem de longe todos) dos mistérios da natureza durante a Revolução Científica dos anos 1600s. Com a natureza passando a ser descrita como máquina, sem mistérios ou divindades, suas partes constituintes passaram a poder ser partidas, extraídas e remontadas em plena impunidade. A natureza às vezes ainda é pintada como mulher, mas mulher facilmente dominável e subordinável. Em 1623, Sir Francis Bacon deu forma final ao novo ethos, ao escrever, em De Dignitate et Augmentis Scientiarum, que a natureza existe para ser “contida, modelada e renovada pela mão e pela arte do homem.”

São palavras que bem poderiam aparecer na declaração da missão corporativa da British Petroleum. Plenamente instalada no que a empresa chamou de “fronteira da energia”, dedicou-se a produzir micróbios sintéticos que produzem metano e anunciou “uma nova era de investigações”: a geo-engenharia. Anunciou também, no relatório de prospecção do Golfo do México, que cavaria “o mais profundo poço jamais perfurado pela indústria de gás e petróleo” – tão profundo, no fundo do oceano quanto, no céu, voam os grandes jatos.

A prontidão para o caso de que algo não desse certo nesses planos ocupou espaço mínimo da imaginação corporativa. Como logo se descobriu, depois da explosão na plataforma Horizonte de Águas Profundas, a empresa não tinha qualquer plano para enfrentar aquele tipo de emergência. Ao explicar porque não tinham nenhuma cúpula de contenção em área próxima, de reserva, o porta-voz da BP, Steve Rinehart, disse que “acho que ninguém jamais previu o caso que enfrentamos aqui.”

Aparentemente, todos ‘sabiam’ que a válvula de contenção de emergência jamais falharia. Assim sendo, por que se preparar?

Esse recusar-se a prever o fracasso vem, muito evidentemente, de cima para baixo. Há um ano, Hayward disse a um grupo de alunos da Stanford University que tem sobre a mesa uma placa em que se lê: “Se você soubesse que não falharia, o que tentaria?” Esse não é slogan inspiracional benigno. De fato, é perfeita tradução de como a BP e empresas concorrentes agem no mundo real. Em recente audiência no Capitólio o congressista Ed Markey de Massachusetts interrogou representantes das principais corporações de gás e petróleo sobre como alocam seus recursos. Ao longo de três anos, gastaram “$39 bilhões para explorar novas fontes de gás e petróleo. No mesmo período, o investimento médio em pesquisa e desenvolvimento de prevenção de acidentes, melhoria da segurança e ações de resposta emergencial em vazamentos mal chegou a míseros $20 milhões anuais.”

Essas prioridades explicam muito de por que o “Plano de Exploração Inicial” que a BP apresentou ao governo para o mal fadado poço Horizonte de Águas Profundas é peça que mais parece tragédia grega sobre a hubris. A expressão “baixo risco” aparece cinco vezes. Ainda que haja vazamento, a BP prevê (sob condições de confidencialidade) que, graças a “equipamento e tecnologia já testados” só haverá efeitos adversos mínimos.

Pintando a natureza como parceiro júnior, previsível e manso (ou, talvez, como empresa terceirizada), o plano levianamente explica que, em caso de vazamento, “as correntes e a degradação micronial removerão o petróleo da coluna de água ou diluirão os constituintes até os níveis anteriores.” Efeitos sobre a vida marinha, por sua vez, “serão sub-letais”, graças “à capacidade de peixes adultos e crustáceos para evitar áreas de vazamentos e para metabolizar hidrocarbonetos.” (Na narrativa da BP, em vez de ser ameaça mortal, um vazamento é como um banquete de coisas-que-você-pode-comer para a vida marinha.)

O melhor de tudo é que, caso ocorra vazamento de grandes proporções, há “pequeno risco de contato ou impacto sobre a linha costeira” porque a empresa tem projeto para resposta rápida (!), e considerada “a [grande] distância [do poço] à costa” – cerca de cem quilômetros. Essa é a parte mais espantosa. Num golfo em que são freqüentes as tempestades violentas, ventos muito fortes, para nem falar dos furacões, a BP respeita tão pouco a capacidade de condução das marés, que não previu a hipótese de o petróleo vazado viajar cem quilômetros. (Em meados de junho, um caco da válvula que explodiu no poço Horizonte de Águas Profundas apareceu numa praia da Florida, a quase 300 quilômetros do local da explosão.)

Nada disso teria passado sem críticas, se a BP não apresentasse suas previsões a uma classe política que deseja crer que a natureza já está dominada. Alguns, como a republicana Lisa Murkowski, deseja ainda mais que os outros. Senadora pelo Alaska, falava como se a perfuração de poços em mar profundo já atingisse os píncaros da artificialidade controlada. “É melhor que a Disneyland, em matéria de pegar as tecnologias e ir em busca de um recurso que está aí há milhares de anos e fazê-lo de modo ambientalmente confiável” – disse ela, há sete meses, à Comissão de Energia do Senado.

Perfurar sem pensar é, é claro, política do Partido Republicano desde maio de 2008. Com os preços do gás disparando a alturas jamais vistas, o líder conservador Newt Gingrich criou o slogan “Drill Here, Drill Now, Pay Less” [Perfure aqui, perfure já e pague menos], com ênfase no “já”. A campanha caríssima, furiosamente difundida, clamou contra qualquer cautela, qualquer pesquisa, qualquer ação ponderada.

Na narrativa de Gingrich, perfurar em casa, onde o petróleo e o gás ‘tem de estar’ – escondido nas Montanhas Rochosas, no Parque Nacional de Vida Selvagem no Ártico ou em águas oceânicas profundas – seria meio garantido para fazer cair os preços nas bombas, criar empregos e chutar traseiros árabes de uma vez por todas. Ante esse triplo sucesso, a atenção ao meio ambiente seria coisa para maricones. Como disse o senador Mitch McConnell: “No Alabama e no Mississippi e na Louisiana e no Texas, todos acham lindas as torres de perfuração.” Quando surgiu o infame slogan “Drill, Baby, Drill” [Perfure, baby, perfure] na Convenção Nacional do Partido Republicano, a base do partido vivia em tal estado de frenesi por combustíveis fósseis ‘made in USA’, que todos aceitariam enterrar-se no subsolo da convenção, se alguém aparecesse com perfuradora suficientemente grande.

Obama cedeu, como faz invariavelmente. Com azar cósmico, apenas três semanas antes de o poço Horizonte explodir o presidente anunciou que liberaria para pesquisa e exploração de petróleo no mar áreas do país até então protegidas. Não havia perigo, explicou, como pensava antes. “Atualmente praticamente já não há vazamentos. As tecnologias avançaram muito.” Nem isso bastou para Sarah Palin, que vasculhou os planos do governo Obama, para exigir mais estudos, antes de perfurar algumas áreas. “Santo deus, pessoal, essas áreas já estão secas de tanto serem estudadas!” – disse ela na Conferência das Lideranças Sulistas do Partido Republicano em New Orleans, apenas onze dias antes da explosão. “Perfurem, baby, perfurem! Chega de estude, baby, estude!” Foi tonitroantemente aplaudida.

Em seu depoimento ao Congresso, Hayward disse que “nós e toda a indústria aprenderemos desse terrível evento.” E bem se deveria imaginar que uma catástrofe dessa magnitude instilasse alguma humildade nos executivos da BP e no pessoal do “Perfure já”. Mas ainda não se veem nem sinais disso. A resposta ao desastre – das corporações e do governo – veio carregada do mesmo tipo de arrogância e risonhas ‘previsões’ que, em primeiro lugar, geraram a tragédia.

O oceano é grande; ele agüenta, foi o que se ouviu de Hayward nos primeiros dias, enquanto o porta-voz insistia em que micróbios insaciáveis devorariam todo o petróleo que aparecesse na água, porque “a natureza tem seus meios para contribuir”. Mas a natureza não estava para piadas. A explosão fez voar cabeças e chapéus de altos executivos, além de cúpulas de contenção e frases-lixo. Os ventos e correntes oceânicos reduziram a farrapos as soluções peso-leve que a BP encontrou para absorver o petróleo. “Nós dissemos a eles”, conta Byron Encalade, presidente da Associação Louisiana de Pescadores de Ostras. “O petróleo vai passar, ou por cima ou por baixo dessas barreiras”. Foi o que aconteceu. O biólogo marinho Rick Steiner, que acompanha de perto a limpeza, estima que “70, 80% das barreiras servem para absolutamente nada.”

E há também a questão dos controvertidos dispersantes químicos: mais de 1,3 milhões de galões já desperdiçados, todos com a marca-atitude “O que poderá dar errado?” da BP. Como disseram furiosos moradores de Plaquemines Parish na reunião, houve poucos testes, e praticamente nenhuma pesquisa sobre os efeitos dessa quantidade sem precedentes de petróleo e dispersante, sobre a vida marinha. E não há como extrair a mistura tóxica de petróleo e dispersantes que se deposita no fundo do mar. Ah, sim, há os micróbios de reprodução rápida que, sim, devoram o petróleo submarino – mas o processo também consome oxigênio da água e é, portanto, nova ameaça à vida animal.

A BP atreveu-se, até, a supor que impediria que imagens ‘perigosas’ de praias cobertas de petróleo e de pássaros agonizantes escapassem da zona do desastre. Quando eu estava no mar com uma equipe de televisão, por exemplo, fomos abordados por outro barco, cujo capitão perguntou “Todos aí são empregados da BP?” Quando respondi que não, a resposta – em mar alto – foi “Então, não podem ficar aí.” Claro que essas táticas linha-dura, como as demais, falharam. Fato é que há petróleo demais, aparecendo em lugares demais. “Ninguém pode ensinar o vento a andar para um lado ou outro, nem se manda nas águas de Deus”, disse-me Debra Ramirez. É lição que aprendeu de viver em Mossville, Louisiana, cercada por 14 fábricas que expelem poluentes petroquímicos, vendo as doenças passarem de casa a casa, de vizinho a vizinho .

A limitação humana tem sido presença constante nessa catástrofe. Passados já dois meses, ninguém sabe quanto petróleo está vazando ou quando parará. A empresa diz que os poços de desvio estarão completados no final de agosto – frase que Obama repetiu em fala de 15/6, do Salão Oval. Para muitos cientistas, é blefe. É procedimento arriscado e pode falhar. Há risco real de que o petróleo continue a vazar por muitos anos.

O fluxo de negadores da realidade, por sua vez, tampouco dá sinais de amainar. Políticos da Louisiana fazem furiosa oposição à suspensão temporária de perfurações em águas profundas, acusando Obama de estar matando a única grande indústria que restou, depois da crise da indústria da pesca e do turismo. Palin prega, pelo Facebook, que “nenhum trabalho humano jamais será sem riscos”. No Texas, o republicano John Culberson descreveu o desastre como “uma anomalia estatística”. Mas a reação mais claramente sociopatológica veio do veterano jornalista-comentarista de Washington Llewellyn King: em vez de temer os riscos da grande engenharia, deveríamos festejar, por sermos capazes de construir máquinas tão fantásticas, que arrancaram a tampa do fundo do mundo.”

Deter a hemorragia

Felizmente, outros estão aprendendo outras lições do desastre. (…)

John Wathen, militante conservacionista da Aliança Guardiães da Água [ing. Waterkeeper Alliance], foi dos poucos observadores independentes que viajou para o local do vazamento nos primeiros dias.

Depois de filmar as imensas manchas vermelhas que a Guarda Costeira polidamente chama de “luzes do arco-íris”, disse o que muitos sentiam: “É como se o golfo estivesse sangrando.” A imagem vai e volta. Monique Harden, advogada que trabalha com Direito Ambiental em New Orleans, não fala em “vazamento”, mas em “hemorragia de petróleo”. Outros falam da necessidade de “deter a hemorragia”.

Pessoalmente, me impressionou, voando em avião da Guarda Costeira sobre a parte do oceano onde a plataforma afundou, que o petróleo na superfície faz as ondas parecerem pintadas, como se exibissem figuras desenhadas em cavernas; vi uma ave emplumada, lutando para respirar, olhos arregalados para o céu, uma ave pré-histórica. Mensagens das profundezas.

Vivemos a passagem mais espantosa da saga da Costa do Golfo: como se acontecesse para nos fazer lembrar que a Terra nunca foi máquina. 400 anos depois de declarada morta, e cercada de tanta morte, a Terra está voltando à vida.

Acompanhar o progresso do petróleo pelo ecossistema é uma espécie de aula-catástrofe de ecologia profunda. Todos os dias há novas lições de o que parece ser problema terrível numa parte do mundo revela-se, noutra parte, como surpresa e descoberta. Nem sempre. Um dia ouvimos que o petróleo pode chegar a Cuba – depois, à Europa. Dia seguinte, ouvimos que pescadores da Ilha Prince Edward, do outro lado do mundo, no Canadá, estão preocupados porque os peixes que pescam nascem a milhares de quilômetros de lá, exatamente naquelas águas hoje manchadas de petróleo. E descobre-se que, para muitas aves, os alagados da Costa do Golfo são como pista de pouso e decolagem de alto tráfego – há locais demarcados para todos: por ali passam 110 espécies de aves migratórias e 75% de todas as aves migratórias de todos os EUA.

Uma coisa é algum impenetrável teórico da teoria do caos ensinar que uma ave bate asas no Brasil e provoca um tornado no Texas. Outra coisa é ver o próprio caos acontecendo ante seus olhos. Nas palavras de Carolyn Merchant, a lição é a seguinte: “O problema que a BP trágica e atrasadamente descobriu é que a natureza é força ativa que não pode ser confinada.” São raros os acidentes previsíveis em sistemas ecológicos, mas “acidentes não previsíveis, caóticos, são frequentes.” Caso alguém ainda não tenha entendido: um raio atingiu recentemente um dos barcos da BP, como um ponto de exclamação, obrigando a empresa a suspender temporariamente os trabalhos de contenção. E, isso, sem falar do que pode acontecer, se a sopa tóxica da BP for agitada por um furacão.

Há, é preciso não esquecer, algo de perverso nessa via especial de aprendizado. Há quem diga que os EUA descobrem onde há outros países no mundo, bombardeando os que não conhecem. Agora parece que todos estamos aprendendo onde estão as veias do sistema circulatório da natureza, envenenando-as.

No final dos anos 90 um grupo isolado de indígenas colombianos ganhou as manchetes do mundo, por causa de um conflito avatariano. De seu lar remoto nas florestas de nuvens eternas no alto da cordilheira dos Andes, os U’wa comunicaram ao mundo que, caso a empresa Occidental Petroleum insistisse na tentativa de perfurar para extrair petróleo de suas terras, a tribo cometeria suicídio coletivo ritual, saltando de um penhasco. Os anciãos da tribo explicaram que o petróleo é ruiria, “o sangue da Mãe Terra”. Os U’wa crêem que toda a vida, inclusive a deles, flui dessa ruiria. Arrancar da terra o petróleo é destruir tudo. (A Occidental Petroleum acabou por abandonar a região. Disseram que não havia petróleo suficiente. Que a prospecção inicial estava errada.)

Praticamente todas as culturas indígenas têm mitos em que narram a vida de deuses e espíritos do mundo natural – que vivem em rochas, montanhas, glaciares, florestas – exatamente como os europeus, antes da Revolução Científica. Katja Neves, antropóloga da Concordia University, entende que a prática serve a objetivos práticos. Declarar a Terra “sagrada” é um dos meios que há de expressar humildade ante forças que não se compreende completamente. Ante algo sagrado, recomenda-se proceder com cautela. Mesmo, com reverência e medo.

Se aprendermos essa lição, por tarde que seja, pode haver implicações profundas. O apoio governamental à perfuração oceânica diminuiu 22% em relação ao pico, na época do frenesi do “Perfure já!”. Mas a questão não está encerrada: é questão de tempo, e o governo Obama anunciará que, graças a fantásticas novas tecnologias, e sob regulação rígida, a perfuração oceânica é perfeitamente segura, mesmo no Ártico, onde qualquer procedimento de limpeza sob o gelo seria infinitamente mais complexo do que se está vendo no Golfo. Mas talvez, então, não nos deixaremos convencer tão facilmente, não seremos tão rápidos ao jogar com a vida de uns poucos últimos paraísos protegidos. (…)

Talvez, da próxima vez, escolhamos não admitir experimentos com a física e química da Terra, talvez escolhamos reduzir nosso consumo, escolhamos mudar para fontes renováveis de energia, as quais têm a virtude de, quando desabam, não causar catástrofes. Como ensina o comediante Bill Maher: “Sabem o que acontece quando um moinho de vento cai no mar? Uma marolinha.”

O resultado mais positivo que se pode esperar desse desastre será não só a aceleração das pesquisas de fontes de energia renovável, como a energia eólia, mas, sobretudo, que adotemos, plenamente, o princípio de precaução na ciência. Ao contrário do lema de Hayward, do credo de esperar nunca falhar, o princípio da precaução na ciência ensina que “quando, numa atividade, há risco de dano ao meio ambiente ou à saúde humana”, é preciso proceder com cuidado, como se o fracasso fosse sempre possível e altamente provável.

Talvez devamos comprar outra placa para a mesa de Hayward, no quartel general da British Petroleum, que ele lerá enquanto assina cheques de indenizações: “Você age como se soubesse, mas você não sabe.”


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Comentários

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Simão

Agora em vez de assacarem culpas, deviam unir-se para colmatar a brecha. E depois disso averiguar a causa. Há explosões nucleares subterrâneas que provocam sismos e sismos que abalam as embocaduras dos tubos de sucção do petróleo offshore. Os "holes" de geometria espatifada e cheias de brechas, podem derramar líquido e gás que provocam explosão na plataforma.

Uma chaga no mundo « Substantivo Plural

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Naomi Klein: Uma chaga no mundo « Dukrai's Blog

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Saudade do meu Quilombo :: Crônica :: June :: 2010

[…] Viomundo, texto forte sobre o desastre no Golfo do […]

blogdacoroa

Por que o Brasil crescerá cada vez mais e melhor
http://blogdacoroa.wordpress.com/2010/06/28/por-q

Aldo Luiz

Para os que ainda não estão acreditando…
"Além disso, Madsen reporta que que o COREXIT 9500, o dispersante de óleo utilizado pela BP, de acordo com suas fontes na FEMA, está se misturando com a água evaporada do Golfo. Esta mistura mortal é então absorvida pelas nuvens de chuva e produz precipitação tóxica que ameaça continuar a matar animais marinhos e terrestres, plantas e os seres humanos dentro de um raio de 321 quilômetros do local do desastre do Deepwater Horizon no Golfo.

De acordo com Madsen, A "zona morta" criada por uma combinação de metano e chuva de COREXIT tóxico, acabará por resultar na evacuação e abandono a longo prazo das cidades e vilas dentro em um raio de 321 quiilômetros do vazamento de petróleo.

"Os planos estão sendo preparados para a evacuação obrigatória de Nova Orleans, Baton Rouge, Mandeville, Hammond, Houma, Belle Chase, Chalmette, Slidell, Biloxi, Gulfport, Pensacola, Hattiesburg, Mobile, Bay Minette, Fort Walton Beach, Panama City , Crestview, e Pascagoula", escreve Madsen."

Vejam detalhes sobre isto em http://www.anovaordemmundial.com/2010/06/metano-l

Talvez estejam em informações como esta a razão para mais de 800 campos de concentração construídos e prontos para uso com os respectivos trens preparados para transportar pessoas como gadoem todo o território do U S A. Pesquisem, não duvidem, tirem suas próprias conclusões.

    dukrai

    sei, e Cuba vai ser rebocada para o meio do Atlântico

beattrice

Felizmente temos uma empresa responsável como a PETROBRÁS, exemplo de conduta corporativa ética e que se aprimora para reduzir o impacto no meio ambiente.

Hans Bintje

Azenha:

Eu renovo o pedido: converse com a minha esposa, Carolyn, sobre as idéias dela sobre o meio ambiente (envie um e-mail para a gente).

A destruição, como a gente pode ler no site do Luis Nassif, está brava: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-traged

Trecho do artigo sobre o Nordeste do Brasil:

"Meu tio Antônio indicou este ótimo blog de meteorologia que contém importante análise sobre a tragédia REPETIDA no Nordeste. Cadê o planejamento, cadê os geógrafos, engenheiros, cadê estudos, cadê implementações que protejam o meio-ambiente e também o homem?"

Comentário, na mesma página, sobre o Sul do Brasil:

"Aqui no Vale do Rio Itajaí (Itajaí, Blumenau e mais uma série de cidades) também temos várias barragens e quando chove muito a preocupação com a estabilidade das mesmas fica grande. Mas quando o sol brilha ninguém se manifesta.

Na cidade onde trabalho, bela e próspera cidade colonizada por alemães da Pomerânia, o crescimento vai se dando ocupando e aterrando as margens do rio que atravessa de forma tortuosa a cidade. Mais alguns anos (ou menos alguns anos), anotem ai, a coisa vai feder."

    Carlos

    Pomerode?

Aldo Luiz

A British Petroleum da inabalável coroa inglesa no cume da pirâmide escravista com seus oleosos tentáculos peçonhentos sobre o planeta, continua encoberta pela midiocracia global de sua propriedade. Avançam sua agenda de depopulação genocída sem que os povos distraídos e midiotizados se dêem conta da iminência da sua projetada extinção. Seus insolentes mentores, asseclas e colaboradores descaradamente discursam sua ideologia e propósitos.
Está chovendo petróleo em Luisiana… Este vídeo foi postado no YouTube em 22 de junho de 2010.
A cidade do Rio Ridge é o rio de Nova Orleans e perto do aeroporto da cidade.
Chove quase todos os dias em Nova Orleans durante os meses de verão.
O que a administração Bush-Cheney não conseguiram fazer com as falhas dos diques e o relevo, eles conseguiram permitindo BP para iniciar um projeto de perfuração insana imprudente. Este não era um poço normal. Está sob 15.000 metros de água e tem fama de estar perto de 90 mil para dentro da terra.
Na Rússia, onde esses super poços profundos foram pioneiros, eles só são perfurados em terra e longe de habitações humanas. Um proeminente especialista em segurança da indústria do petróleo, por escrito, advertiu contra a perfuração do poço.
Esta autorização foi possível graças a uma jogada interna de Dick Cheney junto ao federal Minerals Management Service e da administração Obama que tem uma relação muito agradável e confortável com a indústria do petróleo.
Não é um "ato de Deus", e não um acidente, não uma culpa do azar. Esta catástrofe, que provará ser maior do que Chernobyl, é o resultado natural de corrupção completamente fora de controle. Uma coisa vocês podem ter certeza: As vítimas, e serão milhões delas, não receberão nenhuma ajuda e nenhuma compensação por suas perdas.
A morte silenciosa, lenta e inacreditável vem através de "acidentes" terroristas como estes da BP contaminando os mares que são o nosso maior produtor de oxigênio, sem o qual a vida se extingue. Chove petróleo e derivados, emanam gases tão ou mais venenosos .

" No início desta semana a Reuters reportousurpreendentemente elevados". Kessler recentemente retornou de uma expedição de pesquisa de 10 dias próximo ao vazamento de petróleo da BP. A equipe de Kessler mediu as águas superficiais e profundas num raio de 5 milhas (8 quilômetros) do poço de petróleo destruído da BP. "Há uma incrível quantidade de metano por lá," Kessler disse a repórteres. Ele disse que o nível pode ser algo em torno de um milhão de vezes o nível normal. No final de maio a BP admitiu que o metano representa cerca de 40 por cento da massa do petróleo que está vazando. Além do metano, grandes montagens tóxicas de sulfeto de hidrogênio, benzeno e cloreto de metileno, entre outros, estão vazando para o Golfo de acordo com a EPA.
Lindsay Williams, um ex-capelão de oleoduto do Alasca, com fortes conexões com a alta da indústria do petróleo, disse no Alex Jones Show em 10 de junho que gases mortais estão realmente escapando do poço.."

Vacinações em massa desnecessárias para epidemias inventadas com vírus inexistentes, chemtrails em todos os céus de todos os continentes, H.A.A.R.P. construídos em todos os continentes, remédios produzidos pela farmáfia braço também insuspeito do petróleo "todo poderoso", comidas processadas, entulhadas de agrotóxicos, hormônios, mercúrio, fluor, metais pesados e transgênicos, aspartame, glutamato monosódico para alterações insuspeitas da saúde na produção do insuspeito desbalanceamento do equilibrio vital, adoecimento sistemático e morte.

A humanidade está numa prisão. Governos submissos a OMC/OMS, ambas de propriedade da conspiradora nova ordem mundial escravista, lhes são servis e já nos ameaçam retirar da tomada o fio da Internet . Este é o dantesco quadro terrorista que não querem que denunciemos. http://infinitoaldoluiz.blogspot.com/2010/06/que-
P.S.: E o Green Peace lhes pertence para nosso engôdo.[youtube un8co1d4zb4&feature=player_embedded http://www.youtube.com/watch?v=un8co1d4zb4&feature=player_embedded youtube]

Leider_Lincoln

Nós temos 3 trilhões de dólares em petróleo no fundo de nosso mar. Mas temos muito o que perder, na forma de vida, nos nossos litorais. Está certo que a BP desprezou todo o cuidado que as empresas são obrigadas a ter no Brasil e na Noruega, por exemplo, mas mesmo assim há riscos que, embora estatisticamente sejam pequenos, se materializados podem trazer consequências terríveis.
Eu nem digo que me sinto seguro por Goiás não ter mar por que em minha cidade há gigantescas reservas de Tório e terras raras. Meu pai e 3 gerações anteriores de minha família moraram onde hoje há um buraco de 100 metros de profundidade. Sei, pelos olhos do eu pai, quando eventualmente volta lá, a dor destes pescadores e desta gente da paróquia [acho que conviria uma N.T. sobre o que é uma paróquia na Louisiana] de Plaquemines. Que a natureza esteja conosco, por que as mineradoras e as petroleiras, posso falar com conhecimento de causa, está contra.

Rosko

Não consigo entender como conseguem enviar uma nave tripulada até a lua e não tem capacidade para estancar um vazamento de petróleo. Os responsáveis devem ter outras intenções para que isso não aconteça, a um elevado custo de vida de milhares de seres marinhos.

Espero que a PetroBras utilize isso como um mau exemplo e que revisem seus planos de emergência caso venha acontecer um vazamento desse porte em nossas águas.

Imaginem as praias do sul, sudeste, nordeste poluídas com óleo e centenas de milhões de seres marinhos mortos.

    Andressa

    Na verdade os americanos nunca foram à Lua!!!! Isso foi a farsa do século.

    rafael

    A tragédia ta ai, agora também não precisamos pirar em teorias conspiratórias pueris.

Jairo_Beraldo

A Petrobrás presta serviços em plataformas no Golfo do México. Fico imaginando, se fosse uma destas que tivesse causado esta tragédia. Ai,ai,ai….

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