Movimentos sociais, urbanista, procuradora e PT criticam governadora por não tombar Hotel Reis Magos 

Tempo de leitura: 8 min
Repórter Rafael Duarte: "A imagem do governo Fátima saiu arranhada do episódio"
Desde 8 de janeiro de 2020, a orla da cidade de Natal (RN) está diferente.

O prédio que abrigava o histórico hotel Reis  Magos começou a ir abaixo. Junto, rifando ao mercado imobiliário toda a população vulnerável do entorno.

A demolição completa deve durar de 20  a 60 dias.

Movimentos sociais e ativistas pela preservação do patrimônio público do Rio Grande do Norte eram contra.

Pediram insistentemente  à governadora Fátima Bezerra (PT) o tombamento do prédio.

A Justiça tinha dado 15 dias para o Estado se pronunciar a respeito.

Três dias antes do final do prazo chegou um laudo, atestando  que o prédio não corria o risco de desabar, justamente uma das justificativas de quem defendia a demolição.

O  governo poderia aí ter batido o martelo e tombado o prédio.

Estranhamente a Secretaria de Educação e Cultura — responsável pelo processo —  adotou outro caminho.

Pediu mais tempo alegando a inclusão do laudo no processo, o que era desnecessário.

A Justiça não aceitou a prorrogação e autorizou a demolição.

A prefeitura de Natal, por sua vez, expediu imediatamente o alvará e o hotel começou a ser derrubado.

“A imagem do governo Fátima saiu arranhada do episódio”, observa Rafael Duarte, em reportagem da agência Saiba Mais.

Em entrevista a Duarte, a professora, arquiteta e urbanista Ataíde Ruth, coordenadora do Fórum pelo Direito à Cidade, criticou o desfecho: “Se é um governo popular, faltou sensibilidade”.

Em  seu perfil de rede social, a cidadã potiguar Marjorie Madruga (ela é procuradora) publicou um texto demolidor, que começa assim:

Hoje, 8 de janeiro de 2020, já é uma data de impossível esquecimento na história do Estado do RN, da cidade do Natal .

Será lembrada, para sempre, como o DIA em que a esperança foi assassinada, a fé arruinada, o direito ao sonho roubado violentamente, o abandono premiado, a omissão pública beneficiada, a memória rasgada.

Nessa terça-feira, 14/01, em nota sobre o não tombamento do hotel Reis Magos , o Grupo de Trabalho “Direito à Cidade”, do Diretório Municipal do PT, afirma no item 6:

O Governo do Estado do RN deveria ter tombado o prédio. Tal decisão não traria ônus financeiros ao Estado e impediria a prefeitura de conceder o alvará de demolição à empresa.

Entretanto, com a demolição, a história de Natal perde, a comunidade local fragiliza-se e quem defende um projeto democrático e popular de cidade se enfraquece.

Mais uma vez empresários do mercado imobiliário levam a melhor.

A imagem do governo Fátima saiu arranhada do episódio que terminou com a demolição do hotel Reis Magos nesta quarta-feira (8).

Para ativistas que lutam pela preservação do patrimônio público do Rio Grande do Norte, faltou sensibilidade e uma posição firme.

Para a professora, arquiteta, urbanista e coordenadora do Fórum pelo Direito à Cidade Ruth Ataíde, o desfecho melancólico do hotel localizado na praia do Meio e parte da memória afetiva da cidade mostrou que o Executivo não esteve ao lado dos movimentos sociais nessa disputa contra a prefeitura e o segmento empresarial da cidade:

“Estou muito triste e de luto porque foi muito grande a insensibilidade do governo estadual, principalmente para os argumentos do movimento social. Essa demolição não afeta apenas os moradores da orla, mas toda a cidade, porque é a preservação da sua memória.

Fizemos uma reunião com o Governo semana passada, várias ações foram feitas. Alertamos para a má-fé que havia na petição judicial e que colocou o Governo no canto de parede. Mas esperávamos sensibilidade. Se é um Governo popular, esperávamos mais sensibilidade”, frisou.

O processo de demolição deve durar de 20 a 60 dias, o que inclui a derrubada da estrutura e a retirada dos escombros.

A prefeitura de Natal emitiu o alvará de demolição tão logo o desembargador Vivaldo Pinheiro autorizou o procedimento. A empresa Hoteis Pernambucos S/A, proprietária do terreno, ainda não definiu o que será construído no lugar.

Na manhã desta quarta-feira (8), a secretaria de Estado de Educação divulgou uma nota oficial afirmando que o Governo pediu um prazo maior para avaliar o tombamento em razão de um novo laudo técnico ter sido anexo ao processo.

No documento, o Governo responsabiliza a prefeitura de Natal pela demora em revisar o plano diretor de Natal, prevista para ter ocorrida em 2011.

“A Prefeitura Municipal do Natal, por anos consecutivos, se omitiu acerca da utilização de instrumentos legais previstos no Plano Diretor com relação à definição de tombamento ou não do hotel”, disse o secretário Getúlio Marques.

O laudo a que o gestor se refere foi assinado em 2 de janeiro de 2020 pelo Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias em Engenharia do Rio Grande do Norte (IBAPE) e garantia que não há risco de desabamento na estrutura do prédio do Hotel Reis Magos.

Plano Diretor é incógnita

Ruth Ataíde não tem dúvidas de que a demolição do hotel Reis Magos está diretamente ligada ao processo de revisão do Plano Diretor de Natal:

– Totalmente ligada. O padrão de ocupação daquele região que o determinado setor da sociedade quer mudar, não é apenas o padrão da orla, mas o padrão de renda, eles querem definir quem pode morar na orla. As coisas estão interligadas.

O hotel sendo protegido valorizaria o lugar como lugar histórico, de memória. É um lugar que significa muito para aquelas populações, para a praia do Meio. E hoje existe uma grande interrogação no ar sobre o plano diretor daqui para frente. Mas está tudo ligado”, explicou.

Durante todo o processo de debate sobre o tombamento do Reis Magos, a imprensa e o segmento empresarial conseguiram impor a narrativa de que as entidades que lutam em defesa da preservação do patrimônio histórico no Rio Grande do Norte queriam tombar um prédio caindo aos pedaços.

Na verdade, os processos destacavam que a preservação reivindicada era apenas da fachada e dos contornos do prédio:

– Está no processo, tombamento pedido é parcial da caixa mural e dos contornos. Qualquer projeto poderia ser feito ali. A imprensa deu pouco ou nenhum espaço para mostrar o quanto afeta a cidade alterar a ocupação da orla. Aquele tipo de ocupação em Areia Preta, por exemplo, não pode ser admitido por razões ambientais”, afirmou.

Fotos: Marjorie Madruga, em perfil de rede social

MARJORIE MADRUGA, EM PERFIL DE REDE SOCIAL

Hoje, 8 de janeiro de 2020, já é uma data de impossível esquecimento na história do Estado do RN, da cidade do Natal .

Será lembrada, para sempre, como o DIA em que a esperança foi assassinada, a fé arruinada, o direito ao sonho roubado violentamente, o abandono premiado, a omissão pública beneficiada, a memória rasgada.

O DIA em que os valores materiais venceram os valores humanos. Em que os ricos triunfaram sobre os pobres mais uma vez.

O DIA em que o direito fundamental à história virou escombros, a memória se tornou pó.

O DIA em que a ética evaporou-se e a justiça abriu mão de si mesma.

Neste dia a sensibilidade esfumaçou e até a estrela guia dos Reis Magos foi apagada do céu. O RN nunca esquecerá . A história jamais perdoará.

Neste 8 de janeiro, na tarde que caia
“A lua tal qual a dona do bordel
Pedia a cada estrela fria
Um brilho de aluguel
E nuvens lá no mata-borrão do céu
Chupavam manchas torturadas
Que sufoco!
Louco!…”

O espírito de Antígona, tão essencial ao governar, revelou-se inexistente na contemporaneidade, “após dançar na corda bamba de sombrinha”.

Ao olhar o antigo Hotel Reis Magos ser demolido, vi também restos de humanos, fragmentos de verdades, blocos inteiros de mentiras, gente feita de ferrugem.

Mas vi poesia no concreto – como um outro poema de concreto que também ruiu porque assim quis a máscara da modernidade.

Contemplei sorrisos privados fazendo festa com o interesse público, o coletivo virar escombros.

Como canta Cazuza, hoje ” Eu vi a cara da morte”.

Não só a morte do Reis Magos. Mas também a morte da Arquitetura Modernista Brasileira e de um patrimônio cultural pertencente à coletividade.

A morte de valores humanos, dos direitos fundamentais. A morte do social e do bem comum. A morte da nossa história, de um pedaço belo e rico da nossa verdadeira identidade.

O RN nunca esquecerá! A história jamais perdoará!

Marjorie Madruga ( cidadã potiguar )

Fotos: Marjorie Madruga em rede social

PT: NOTA SOBRE O NÃO TOMBAMENTO DO HOTEL REIS MAGOS E CONTRA A VERTICALIZAÇÃO DA ORLA DE NATAL

1. O Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras é, indiscutivelmente, o principal instrumento de luta e defesa das classes trabalhadoras no Brasil. Historicamente é um partido que tem lutado pela emancipação do povo, buscando acabar as desigualdades sociais e criar uma sociedade justa e igualitária.

2. Exatamente diante desse histórico de lutas, o Diretório Municipal do Partido criou o Grupo de Trabalho “Direito à Cidade”, fruto de pedido de militantes que acompanham o atual processo de revisão do Plano Diretor da Cidade do Natal.

O GT busca ser um canal de diálogo com a sociedade civil, com pessoas que se dedicam à pesquisa e com o Poder Público, visando a construção de uma cidade mais humana e fazendo frente ao capital especulativo-imobiliário.

3. O GT tem se reunido de forma constante, debatendo temas que dizem respeito ao desenvolvimento urbano de Natal e lutando contra propostas que estão sendo defendidas pelo atual gestor do município, o sr. Álvaro Dias, diante do contexto de revisão do Plano Diretor, como, por exemplo, a verticalização da orla – chamada de feia pelo prefeito –, a extinção das Áreas Especiais de Interesse Social e a fragilização das Zonas de Proteção Ambiental.

4. Nós, que integramos o GT, entendemos que a discussão acerca do tombamento do prédio onde funcionou o Hotel Internacional Reis Magos deveria ter sido tomada levando em consideração o contexto de revisão do Plano Diretor, sendo seu tombamento uma importante forma de fazer frente ao avanço da especulação imobiliária, que está de mãos dadas com a gestão municipal, e busca, a todo custo, a liberação para a verticalização da orla.

Não por menos, nos reunimos com a Secretaria de Educação e Cultura do Estado do RN para reforçar nossa posição favorável ao tombamento.

5. Álvaro Dias, em uma estratégia política articulada com o empresariado e o poder judiciário, jogou a responsabilidade pela decisão do tombamento para o Governo do Estado.

Enquanto isso, a prefeitura foi omissa ao não implementar os instrumentos de política urbana, não exigindo o pagamento das dívidas e não obrigando o grupo empresarial Hotéis Pernambucos S/A, proprietário do prédio, a dar-lhe uma destinação adequada, cumprindo sua função social.

6. O Governo do Estado do RN deveria ter tombado o prédio. Tal decisão não traria ônus financeiros ao Estado e impediria a prefeitura de conceder o alvará de demolição à empresa.

Entretanto, com a demolição, a história de Natal perde, a comunidade local fragiliza-se e quem defende um projeto democrático e popular de cidade se enfraquece.

7. Perdemos um exemplo raro da arquitetura modernista, uma concepção arquitetônica genuinamente brasileira, e que faz parte da memória histórica de nossa cidade. Tratava-se, indiscutivelmente de parte do patrimônio cultural de Natal, apesar do que diziam vozes discordantes de setores retrógrados que se autodeclaram guardiões da cultura potiguar.

8. A atual legislação urbanística estabelece que, em seu local, só podem ser construídos prédios de até dois pavimentos.

Isso evidencia que o real interesse pela demolição do Hotel Reis Magos é pressionar por mudanças no plano diretor que permitam a verticalização da orla, tendo como consequências problemas seríssimos, tais como, a diminuição da circulação do vento, o fim da possibilidade da população e dos turistas apreciarem a bela paisagem natural e, o que é o ponto de nossa maior preocupação, a expulsão das comunidades que tradicionalmente habitam a região, que não têm condições de arcar com os aumentos do custo de vida, com a mudança de padrão social na área.

9. Sendo assim, nesse contexto, em que a demolição é fato, cabe ao Partido dos Trabalhadores e Trabalhadoras convocar sua militância a assumir as pautas progressistas e populares pelo direito à cidade, defendendo a permanência das comunidades tradicionais em seus territórios de origem e combatendo a verticalização desejada pelos setores especulativos-imobiliários.

É preciso coesão de pensamentos e condutas por parte do partido neste importante momento para a política de Natal.

Dessa forma, nos colocamos à disposição para propor um debate mais qualificado e preparar nossas militâncias e dirigentes para as discussões que virão sobre o plano diretor de Natal e demais pautas das lutas urbanas.

Grupo de Trabalho de Direito à Cidade do Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras


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Comentários

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joão bravo

Gente me ajudem, acho que vou ficar louco, olhem minha situação, sou avô de mim mesmo.
Tive a desgraça de casar-me com uma viúva a qual tinha uma filha. Meu pai, para maior desgraça, era viúvo, enamorou-se e casou com a filha da minha mulher.
Resultou que minha mulher se tornou sogra de seu sogro, minha enteada ficou sendo minha mãe, meu pai era ao mesmo tempo o meu genro. E por algum tempo minha filha trouxe ao mundo um menino, que veio a ser meu irmão.
Minha mulher também deu a luz a um menino que, como irmão da minha mãe, era cunhado de meu pai e tio do seu filho, passando minha mulher a ser nora da sua própria filha.
Eu, fiquei sendo pai da minha mãe, tornando-me irmão do meu pai. Minha mulher ficou sendo minha avó, já que é mãe da minha mãe e assim, acabei por ser avô de mim mesmo.

Marcos

Ridículo. Cheguei em 88 para morar em Natal e o prédio do Reis Magos já era uma peça descabida na paisagem da Praia do Meio. Devia ter sido demolido naquela época. Já vai tarde. Que o que colocarem no local seja mais integrador.

Zé Maria

Tiraram a Fátima pra ‘Dilma da vez’ …

marcio gaúcho

Mas, o que o Estado do RGN faria mesmo com a sucata daquele prédio? Nos cofres estaduais falta dinheiro para tudo. Essa gente que está reclamando o não tombamento da velha estrutura, parece-me, não sente os problemas da escassez de serviços públicos. Por que, de forma privada, essas pessoas não fizeram uma vaquinha e compraram aquela decadente estrutura arquitetônica? Não cabe ao Estado fazer o papel de socorrista de saudosistas, muito menos de acumular imóveis para se capitalizar, imobilizando dinheiro, quando a estrutura geral financeira pede socorro. Deixem que derrubem tudo, até o último tijolo!

    Néia Uzon

    O senhor está confundindo um processo de tombamento com um processo de desapropriação! O tombamento não implica em ônus financeiro para o Estado, pois o imóvel permanece privado, apenas protegido da demolição. Se os europeus pensassem como o senhor e deixassem de preservar seu patrimônio arquitetônico “decadente”, permitindo que “derrubassem tudo até o último tijolo” a fim de não serem tachados de “saudosistas”, ninguém teria interesse em gastar seus excedentes financeiros em viagens para conhecer suas belíssimas cidades com seu patrimônio histórico tão bem preservado. É desolador ler um comentário como este!

    marcio gaúcho

    Tudo bem, Néia. Apenas confundi o termo. Tombamento impede os proprietários de modificar a arquitetura e os obriga a conservar o objeto. A desapropriação pelo estado, do objeto, tem que estar vinculada a um projeto e a obrigatoriedade de ser executado em 5 anos. Tem efeito de lei. Ou o patrimônio volta para seu legítimo dono. Qual era mesmo o projeto para justificar a desapropriação???

Zé Maria

Está aberta a Campanha Eleitoral à Prefeitura de Natal-RN.
A responsabilidade pela preservação urbanística e arquitetônica da Cidade é do Município.
O Estado foi intimado no Processo por imposição legal.
Deixaram a Batata Quente nas mãos da Governadora Petista, claro.

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