Mário Rocha: Inimigos da maconha no Brasil agora tentam monopolizar canabinóides para lucrar

Uma dúvida no suposto avanço da canábis brasileira

Por Mário Rocha

Desde pequenos presenciamos na televisão as operações policiais em busca de drogas nas favelas e áreas vulneráveis do nosso país.

Isso sempre foi corroborado e inflamado pela mídia e pelos setores que detém o poder por aqui.

Há alguns anos, estes grupos poderosos deram um tremendo de um cavalo-de-pau e, da noite pro dia, começaram a defender a legalização parcial da canábis apenas em seu âmbito medicinal.

Esta mudança abrupta causou estranheza em muitas pessoas na época mas, como era em benefício dos pacientes mais vulneráveis que poderiam ser beneficiados pelos efeitos da droga, não seria humano se opor. E ainda não é!

E então o discurso medicinal foi sendo discutido e confrontado com as narrativas falsas e patéticas de uma extrema direita que vive em séculos passados, parecidas com as do atual governo, anacrônicas e comportamentais.

Eram contra qualquer avanço.

Portanto, a princípio a mudança era boa, pois derrotou forças políticas
representadas por pessoas como o deputado federal Osmar Terra(MDB-RS), a psicóloga — que baseia-se em religião — Marisa Lobo e o já desacreditado e dono de “clínicas de reabilitação” Ronaldo Laranjeira.

Acontece que o novo discurso foi para as mãos das empresas farmacêuticas e, então, ficou evidente quem estava por trás de tudo.

Alguns diziam que mesmo assim era um avanço, porém, implicitamente, esta mudança já dava sinais políticos de ser um plano monstruoso, que pode estar se estabelecendo por muito tempo.

Nos últimos meses, algumas mudanças aconteceram e, no caso da Anvisa, foi uma mudança também abrupta.

As coisas foram facilitadas, com a criação de um novo modelo intermediário entre as pesquisas tradicionais e as mais brandas dos fitoterápicos.

Isto talvez até seja bom para o setor, mas por enquanto ainda não beneficiou os vulneráveis que, ou já recebem por doação, de alguma bendita associação, ou compram de alguma empresa importadora, com preços altíssimos.

Os novos produtos não são acessíveis à maioria esmagadora da população.

Apenas uma empresa possui direito de venda e um frasco pequeno custa em torno de R$2.500,00.

Esta empresa conseguiu uma patente política, tecnicamente ilegal, que garante o monopólio de venda de um dos componentes da canábis, o CBD, por vinte anos.

Esta empresa já havia tentado esta manobra há pouco tempo, sem sucesso,
com um pedido de patente totalmente fora de cogitação, sem atividade inventiva e atropelando o uso já em estado de arte ou domínio público, já estabelecido na etnofarmacologia, na tentativa de ser dona de todo o mercado.

Agora conseguiu.

Inclusive, a empresa mantém relações muito próximas com o mesmo deputado federal que teve seu negacionismo inicialmente derrotado, o Osmar Terra (MDB-RS).

Já que não conseguiram proibir, agora tentam se apropiar.

E ainda estão tentando monopolizar outros dezoito canabinóides.

Acham que a empresa é dona da planta canábis.

Então, na prática, estamos vendo este mercado, até então em mãos
clandestinas bem e mal intencionadas, ser simplesmente transferido para as mãos de poucos grupos privados, beneficiando pouquíssimas pessoas, e a população tendo que pagar valores exorbitantes.

Além disso, passa a conviver com o risco de faltar fornecimento através das associações, pois quem duvida que estas forças não seriam capazes de reprimir as associações em busca de um caminho aberto para mais lucros?

Quem garante que haverá um mínimo de interesse em se continuar com as mudanças, já que os lucros estão garantidos, como sempre foi, nas mãos de
poucos?

Depois que um monopólio está erguido, fica muito mais difícil diversificar.

Há ainda o objetivo de usar a patente para monopólio no SUS, facilitando a ausência de licitação.

O atual governo, que se diz liberal, está inviabilizando qualquer concorrência.

Nos últimos dias, deixando claro que não há qualquer controle técnico sobre o assunto, mas apenas político, uma pesquisadora teve suas pesquisas com a canábis como porta de saída para o crack simplesmente canceladas, após um longo período de sabotagens, burocracia e toda a sorte de dificuldades.

Inclusive, era um projeto feito por emenda parlamentar, através da
deputada Erika Kokay(PT-DF), o que traz mais garantias de sustentação ao projeto.

Uma emenda dessas, por caminho parlamentar, normalmente não sofre maiores dificuldades.

A boiada sem lastro técnico joga livre.

As pesquisas sérias são sabotadas.

Não satisfeitos em reduzir drasticamente os investimentos em Ciência, agora atuam também para sabotar projetos que são direito do Legislativo.

Na política, as mudanças nem sempre trazem só avanços e, pelo histórico dos grupos com os quais estamos lidando, parece claro que corremos um grande risco de as mudanças pararem por aqui e este mercado ficar monopolizado por décadas, enquanto no Exterior a coisa avança de forma interessante.

Corremos, no momento, o risco de nem vermos uma mudança
minimamente próxima da que queremos por aqui.

Quando a mudança política parece interessante e conta com o apoio de forças que sempre estiveram do lado oposto, é necessário prestar atenção.

É preciso garantir que este mercado não fique restrito a certos grupos, para que não só a população em geral, como as pessoas que sempre se beneficiaram através de associações, não sejam prejudicadas com novos custos para adquirir seus remédios.

A entrada de pequenas e grandes farmacêuticas também pode ser bem-vinda como forma de evitar o monopólio que brotou.

Não são apenas as grandes que possuem autonomia para testes clínicos de qualidade.

As associações também possuem. Os plantadores individuais são detentores de sofisticadíssimo conhecimento.

Em matéria de plantio, geralmente são superiores a qualquer agrônomo tradicional, que não conhece a planta.

Muitos já dizem, no mundo inteiro, que só a canábis, no contexto em que
vivemos, seria capaz de resolver nossos atuais problemas com diversificação mercadológica e abundância.

Infelizmente, está claro que os concorrentes deste mercado, na maioria das vezes autodenominados liberais, não vão deixar que isso aconteça, vão resistir ao máximo e, caso sejam derrotados, ainda vão tentar se apropriar daquilo que sempre combateram.