Letícia Sanches: A escola dos nossos filhos se desmantelou na quarentena

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Letícia Sanches: Na rede do governo do Estado de São Paulo, chega ao absurdo de falar sobre empreendedorismo a criança de 11 anos de idade e "ensiná-la" a abrir uma franquia; Foto: Wilson Dias/Agência Brasil e reprodução

A escola dos nossos filhos se desmantelou na quarentena

por Letícia Sanches*, especial para o Viomundo

É triste ver a infância de um filho, seu convívio social, suas amizades, serem abruptamente interrompidos e perceber que, para além da perda do modo de vida que ele conhece, sua perspectiva de vida se esvai a olhos vistos.

Minha filha acorda às 7h, para assistir aulas que claramente não as deixam animada.

Ela sempre foi excelente aluna, gosta do convívio com os professores, que é um vínculo importante na aprendizagem.

Agora esse vínculo se perdeu, pois na quarentena as aulas do governo estadual de São Paulo não são dadas pelos seus professores.

São aulas gravadas em um estúdio e ministradas por um professor que não conhece a realidade de seus alunos, falando sobre uma realidade que seus alunos tampouco conhecem.

O ensino a distância (EaD) é oferecido através de um aplicativo para celular, com três aulas por dia.

Em uma delas, um homem branco fala sobre empreendedorismo para minha filha de 11 anos. Mais precisamente, sobre como abrir uma franquia.

Sem falar sobre aqueles alunos que sequer estão conseguindo acessar o aplicativo, por falta de acesso à internet, falta de um aparelho celular que funciona, falta de um televisor ou até mesmo falta de informação sobre esses canais por onde o governo paulista está fazendo EaD.

Quem acredita que todos possuem esses aparelhos não conhece a realidade da maior parte da população periférica. E pior, sem vínculo professor-aluno, a escola foi desmantelada.

Muitas crianças gostam de frequentar a escola. E muitas delas seriam, até então, as primeiras de suas famílias a sonhar com a Universidade.

Agora se veem trancadas em casa, sem saber ao certo quando (e se) vão voltar a frequentar essa escola que amam, assistindo de perto o processo de aprofundamento da pobreza e da miséria das suas famílias.

Muitas delas moram com vários familiares na mesma casa, com pais desempregados à espera de um auxílio emergencial que nunca chega.

Empreendedorismo é uma palavra muito utilizada, como um pote de ouro no final do arco-íris.

Ao menos é assim para a ideologia dominante propagada pelo Estado através de suas instituições.

É surreal que no meio de uma pandemia o governo paulista esteja falando sobre como abrir uma franquia para crianças do 6º ano do ensino fundamental.

Tanto quanto é absurdo que o governo federal esteja falando para adolescentes no ensino médio que basta um pouco de força de vontade para ter uma boa nota no ENEM 2020.

Os governos querem manter uma normalidade, mas essa é uma ilusão vendida a nós para que voltemos ao trabalho, expostos a uma doença que tem matado, ao menos, 700 pessoas por dia (segundo os dados oficiais do Ministério da Saúde). Sem contar a imensa subnotificação.

É uma tristeza ver que a escola pública dos nossos filhos, que já tinha precariedades, agora está desmantelada.

Manter o calendário escolar, manter o calendário do ENEM, significa aumentar ainda mais o abismo social que separa a imensa maioria das crianças e jovens brasileiros do acesso à educação de qualidade.

Que Educação eles encontrarão no futuro? Os investimentos para esta área são cada vez mais escassos.

]Na pandemia, o projeto de desmonte da educação pública e gratuita se acelerou muito.

Depois de atravessar esse momento terrível, precisaremos lutar muito para reconstruir uma escola pública, gratuita, laica, crítica e, principalmente, afetiva e acolhedora para nossos filhos.

*Letícia Sanches é coordenadora da Rede Emancipa em São Paulo.


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Zé Maria

Governos Neoliberais, Tucânicos ou Bolsonáricos,
sempre governam para apenas 1/3 (um terço)
da população, se tanto.

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