Léo Lince: Emblemas da degradação

Tempo de leitura: 2 min

Emblemas da degradação

Escrito por Léo Lince, no Correio da Cidadania
28-Abr-2010

A notícia, quando saiu nos jornais em meados de março, provocou o impacto de uma pluma caindo sobre o carpete. Ninguém disse nada, nenhum dos analistas usuais de nossa vida política teceu qualquer comentário. Logo, página virada, a gravidade do fato noticiado ganhou a consistência fantasmagórica do inaveriguável. E agora lateja sob o manto do silêncio.

No fato em si não há nada demais: o deputado federal José Eduardo Cardoso, do PT paulistano, anunciou que não vai concorrer nas eleições deste ano. Desistiu, cansou, está desiludido. O motivo da desistência é o que confere gravidade ao gesto e onde reside o x do problema.

Não se trata de crise pessoal, doença ou infelicidades do gênero. Pelo contrário, o deputado goza de boa saúde e, segundo a crônica social, até namorada ele arranjou nos labirintos rarefeitos do Congresso Nacional. Também não perdeu apreço pelo trabalho parlamentar, que considera importantíssimo. Tampouco se declara decepcionado (talvez devesse) com seu partido e menos ainda com o governo Lula, onde, dizem as más línguas, postulou vaga no ministério.

A razão da desistência está centrada em uma única questão, definida com todas as letras na carta enviada aos seus colegas de partido. Lá diz que “no sistema eleitoral atual, o sucesso de uma campanha depende mais dos recursos financeiros do que das idéias definidas pelo candidato”. Mais: “são os recursos financeiros cada vez mais que definem o sucesso de uma campanha…”.

Diagnóstico terrível, além de verdadeiro. Basta ver a série eleitoral. Os chamados “candidatos de opinião”, que mobilizam militância voluntária e cidadã na defesa de idéias, causas e projetos, estão perdendo espaço para os que operam negócios na política. Cada eleição bate o recorde anterior: até a próxima ela será a mais cara da nossa história. O padrão dominante da política pede chefes de executivos que intermedeiam negócios e bancadas das grandes corporações nos parlamentos.

A notícia da desistência se torna mais grave ainda por ser petista o desiludido. Está no segundo mandato federal, foi vereador destacado na maior cidade da América Latina. Não faz muito, disputou com boa votação a presidência do seu partido, onde ocupa a Secretaria Geral, o segundo cargo em importância no Diretório Nacional. O PT, como se sabe, polarizou e ganhou em campanhas caríssimas as duas últimas eleições presidenciais, recebe a parte do leão do fundo partidário e, por razões óbvias, é o partido melhor aquinhoado pelo seleto grupo de financiadores privados de campanha.

O Secretário Geral de tal partido, localizado no vértice da ordem dominante, declara que só se candidataria se houvesse “uma radical reforma no sistema político”. Reforma, aliás, em favor da qual o seu partido não moveu uma palha sequer. E, mais grave, acrescenta que “o sistema político brasileiro traz no seu bojo o vírus da procriação da corrupção e das práticas não republicanas”. Desiste de ser candidato, mas segue sorridente no ajuntamento dos beneficiários da supremacia plena da pequena política.

O cidadão comum, pálido de espanto, se posta diante de tal quadro de difícil compreensão. Os sinais de alerta, pequenos avisos, lhe chegam como cartas embaralhadas. O caso em pauta é mais um disparo telegráfico, um condensado que espelha o processo mais amplo de degradação do esquema político dominante. O diagnóstico terrível, o gesto da desistência e o torpor do conformismo, embrulhados no manto de silêncio, são, sem dúvida, emblemas da degradação.

Léo Lince é sociólogo.


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Comentários

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Urbano

Jogou a toalha antes mesmo de iniciar uma luta em favor da idéia que diz defender. O Brasil necessita dos parlamentares para que criem boas leis em benefício de todos e que tratem de corrigir toda e qualquer distorção nas existentes.

Gerson Carneiro

"o sucesso de uma campanha depende mais dos recursos financeiros do que das idéias definidas pelo candidato" – José Eduardo Cardoso

Apenas esse negócio de "idéias definidas pelo candidato" também é prigoso. Basta observar o Serra: ele defende a idéia de que é pós-Lula, e não anti-Lula.

Para ganhar a eleição, dependendo de quem seja, defende a idéia que lhe for conveniente.

Mais importante que "idéias defendidas pelo candidato" é seu histórico. Sua luta e realizações.

E para os veteranos, observar se o que prometeu (inclusive o que foi registrado em cartório) foi cumprido.

Mário

É, no mínimo, o sintoma de um voluntarismo estéril. Ou ele não sabia que o sistema político era assim quando se lançou na vida pública? De qualquer forma, a compará-lo à maioria dos deputados federais, não se pode negar a perda de um político já preparado para o debate democrático.

O Brasileiro

O povo sabe votar!
Talvez aqueles que se acham "superiores" não aceitem as escolhas do povo… mas são suas escolhas, e têm que ser respeitadas.
Mas no "jogo" democrático, a experiência do eleitor vale muito… e com 25 anos de democracia, muita coisa já mudou nas eleições: Maluf já não ganha fácil, Serra e Alckmin são campões de voto… em São Paulo, mas não no resto do Brasil… Lula foi eleito e reeleito…
Gostemos ou não… é ingenuidade achar que o eleitor brasileiro é ingênuo… uma minoria pode até ser, mas a maioria certamente não é!

    Clóvis

    Testemos sua tese, eis o trecho de uma reportagem posterior à ultima eleição:
    "Deputado federal com o maior número de votos do país (739.837 votos válidos), Paulo Maluf (PP-SP) retorna à Câmara após 20 anos." Maluf ja nao ganha facil???? Ele ainda poe pelo menos mais 1 (talvez 2, nao consigo achar o coeficiente eleitoral para SP em 2006) com ele na camara por conta da votacao dele.
    A eleição de Lula tem menos a ver com a maturidade do eleitorado e mais a ver com o completo e absoluto fracasso do FHC e com a rejeição dos seus candidatos à sucessão. A reeleição de lula já tem menos imaturidade no voto.

    dukrai

    Paulo Maluf concorreu mais uma vez, em 2008, à prefeitura de São Paulo. Recebeu apenas 5.91% dos votos válidos, ficando na quarta posição.[21] Perdeu para Gilberto Kassab (DEM),Marta Suplicy (PT), e Geraldo Alckmin (PSDB).
    Esse bandido é procurado pela Interpol, junto com o filho dele, arruma outro "exemplo" para provar a sua antítese.

ANTONIO ATEU

A elite do poder financeiro
por John Bellamy Foster [*]
e Hannah Holleman [**]

Você está me dizendo que o êxito do programa (econômico) e a minha reeleição dependem do Federal Reserve e de um bando de malditos negociantes de títulos?
– Presidente Bill Clinton [1]

Somente por duas vezes no ultimo século – depois do Pânico Bancário de 1907 e em seguida à Quebra do Mercado de Ações de 1929 – a fúria dirigida às elites financeiras dos EUA atingiu os níveis de hoje, na esteira da Grande Crise Financeira de 2007-2009. Uma pesquisa da revista Time em outubro de 2009 revelou que 71% do público acredita que devem ser impostos limites às compensações dos executivos de Wall Street; 67% querem que o governo force os executivos a pagar cortes nas empresas de Wall Street que receberam ajuda financeira federal; e 58% concordam que a Wall Street exerce demasiada influência sobre a política de recuperação econômica do governo. [2]
http://resistir.info/mreview/financial_power_elit

Glecio_Tavares

Será que ele queria ser convidado a ser o candidato a presidencia do Lula?

Olho na oPósição

Azenha:
Já li, talvez no Conversa Afiada, que o deputado mantém relações mais que fraternais com Daniel Dantas. Porque será que agora critica o processo?

    Márcio

    Gosto de Paulo Henrique Amorim, mas nem sempre ele é justo. Já ouvi dizer que essa relação de Cardozo com Dantas é a mais pura balela.

    Jairo Beraldo

    Então porque ele deixou de concorrer a reeleição á camara federal?Aí tem coisa….

francisco.latorre

sei não..

nunca confiei muito nesse cardoso.

tem mais coisa nessa história. mal contada.

..

    Jairo Beraldo

    Tudo que contém Cardoso/Cardozo,na politica, cheira mal!

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