Juiz Damasceno: Executores e toda a cadeia de comando têm que ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional

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Polícia fluminense matou mais 27

Por João Batista Damasceno*, em seu blog*

A incursão da Core no Jacarezinho propiciou 28 mortes no último dia 6.

Trata-se da mais letal operação policial da história do Rio de Janeiro.

Há dúvida se houve efetivo confronto e exercício de legítima defesa. Os precedentes da polícia em diversas outras ocorrências é o fundamento da dúvida.

Desta vez não foi o Bope, nem o BPChq cujo comandante reivindicou, em 2019, a autoria de 15 mortes no Morro do Fallet indevidamente atribuídas a outra unidade policial.

Mas, a polícia não deve ser sozinha responsabilizada por suas violências.

Os que pensam para ela e lhes formulam as justificações são igualmente responsáveis.

A polícia violenta, mas incorruptível, retratada no filme ‘Tropa de Elite 1’, decorre de uma concepção da “boa polícia” da qual falam o sociólogo Luiz Eduardo Soares da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e o antropólogo Roberto Kant de Lima da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde criou curso de Segurança Pública.

Em suas formulações, a “boa polícia” há de ser incorruptível, mas pode ser violenta.

Em suas opiniões, corrupção é uma opção; é um desvio pessoal. Mas, a violência é um desígnio inevitável da atuação policial.

A operação no Jacarezinho foi em si uma afronta à civilidade e aos poderes constituídos, notadamente ao STF.

Os tempos são sombrios. Falta controle externo da atividade policial.

Da nota publicada pelo Ministério Público constou que

“O MPRJ informa que a operação realizada nesta data na comunidade do Jacarezinho foi comunicada à Instituição logo após o seu início, sendo recebida às 9hs. A motivação apontada para a realização da operação se reporta ao cumprimento de mandados judiciais – processo 0158323-03.2020.8.19.0001 – de prisão preventiva e de buscas e apreensão no interior da comunidade, sabidamente dominada por facção criminosa”.

Mas, o mandado para prisão preventiva determinado em 28/04 pela 19ª Vara Criminal não compreendia autorização para matar quem ainda não fora julgado.

Não se pode negar o direito à legítima defesa. É a defesa da própria vida em detrimento da vida ou incolumidade física de um agressor injusto.

Mas, não se pode validar a escalada da violência.

O Estado brasileiro já sofreu condenações da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por suas violações em chacinas.

As condenações na CIDH não têm surtido efeito. Ela julga Estados. Igualmente não têm sido eficazes os mecanismos nacionais de controle da violência do Estado.

A Constituição da República atribuiu ao Ministério Público o controle externo da atividade policial.

Está no Art. 129, VII. Mas, é letra morta.

Resta apelar para o Tribunal Penal Internacional. O TPI julga indivíduos por crimes de genocídio, de guerra, contra a humanidade e crimes de agressão.

Se é guerra, que sejam os autores e partícipes submetidos à Convenção de Genebra.

Se não, e não é, sejam julgados por eventuais crimes contra a humanidade, assim considerados os massacres, a desumanização, os extermínios e as execuções.

Em tal caso, tanto podem responder os que executam quanto toda a cadeia de comando e de abstenção de controle que de qualquer forma concorram para os crimes.

Este artigo é cópia quase integral de outro publicado nesta coluna em 16 de fevereiro de 2019, em que terminava propondo responsabilização de quem incentiva execuções.

Esse artigo me valeu um telefonema ameaçador do então governador, ex-juiz, que em seguida me bloqueou nas redes sociais.

Vou manter este artigo arquivado.

As chacinas não vão parar. Ao contrário. Serão intensificadas. Os tempos são sombrios e é incontrolável a escalada da truculência estatal e paraestatal.

Mas, para cada nova chacina, ele será republicado com referência ao número de mortos, o local das mortes, a força executora e o apelo para que a cadeia de comando seja conjuntamente julgada pelo Tribunal Penal Internacional/TPI.

*João Batista Damasceno é juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e sócio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

** Artigo publicado originariamente no jornal O DIA, em 08/05/2021.


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Comentários

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João Ferreira Bastos

O soldado André Frias, morto com um tiro de fuzil no rosto, participou no dia 1º de junho de 2017 da apreensão de 60 fuzis que seriam entregues a milícia carioca.
Os milicianos fardados que participaram no Jacarezinho, perpetraram uma Vendetta, contra o soldado.

Darcy Brasil R da Silva

Conheço a inteligência de Damasceno, amigo perene de minha família, com quem convivi no alojamento dos estudantes da UFRJ, quando ele cursava Direito, curso que concluíu brilhantemente, e eu estudava Informática (atualmente Ciências da Computação) que não consegui concluir sequer mediocrimente, pois abandonei por causa do trabalho no Banco do Brasil. Seu artigo é, mais uma vez, inspirador. Não tenho nada a ele acrescentar. Mas isso me fez lembrar que, já em 2019, em um comentário creio que no “Vermelho”, propôs que arrolássemos com calma, sem pressa, em nome de uma Frente Democrática a mais ampla possível, provas concretas -embasadas em documentos incontestáveis e em argumentação jurídica consistente – contra o governo de Bolsonaro e seus agentes, que, então, um ano antes da pandemia, já anunciava sua disposição para a utilização da força armada para imposição de seu projeto de poder fascista, antinacional, antidemocrático e antipopular. De lá para cá, as provas se avolumaram e, de certa forma, se converteram em objeto de debate e de denúncias internacionais. Entretanto, ao contrário da forma que eu defendia para ingressar, no tribunal de direitos humanos da ONU, com uma denúncia contra o governo Bolsonaro e contra o Estado brasileiro, ou seja, de forma ampla, suprapartidária, apoiada em atos de massa, dentro e fora do Brasil, foram feitas diversas denúncias desse tipo, apressadas, desarticuladas, motivadas por desejo de propriedade da autoria desse instrumento jurídico internacional em função de perspectivas eleitoreiras nacionais. Com isso, enfraquecemos uma luta, em minha opinião, com grande perspectiva de vitória, pela condenação do governo Bolsonaro pelo crime de lesa humanidade. Bolsonaro pode e deve ser condenado pelo tribunal de Haia. Mas essa luta, como qualquer outra que travamos contra o fascismo, dentro e fora do Brasil, terá que ser conquistada pela força e clamor das ruas, articulando-se, com calma, sem pressa, dentro e fora do Brasi, de forma ampla, sem coloração partidária eleitoreira, com todas as forças que defendem o Estado de Direito Democrático. Mais do que afastado do governo, Bolsonaro precisa ser condenado como genocida que é, tanto no âmbito nacional quanto no internacional.

Cláudio

Seria, em (sín)tese, interessante ver como esses valentões covardes se comportariam DO OUTRO LADO da(s) arma(s)…

Zé Maria

A Operação (Chacina) foi planejada
pelo Miliciano-Mor Federal para
afrontar a Suprema Corte (STF).
A Pressuposição dos Militares
que ocupam o (des)governo
é de que os Moradores Pobres
– e negros – das Favelas Cariocas
são “Bandidos” e que portanto
merecem a “Pena de Morte”
sem Direito de Defesa, isto é:
Execução Sumária.

Thomas Dias

É mais fácil os marcianos colonizarem a terra.
No máximo é expulso da polícia, mas preso esquece.

Cláudio

Excelente artigo, mostrando que há vida inteligente, e humana, no planeta Justiça brasileira. Pena não poder cumprimentar com um forte aperto de mão (a)o digníssimo autor de tão bom texto. Todos os louvores possíveis, pois ele merece.

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