José Chrispiniano: TRF-4 usou jurista nazista para livrar Moro de um crime e ninguém se indignou

Tempo de leitura: 6 min
Joseph Goebbels, Carl Schmitt, Sergio Moro e o Rômulo Pizzolatti. Fotos: Reprodução, José Cruz/ABr e divulgação TRF-4

Quando o TRF-4 usou um jurista nazista para livrar a cara de Moro por um crime

Em artigo, jornalista José Chrispiniano denuncia que TRf-4 lançou mão de um jurista do nazismo para não punir Moro pelo crime da divulgação do áudio de Lula com Dilma

por José Chrispiniano, em PT no Senado

Não foi um vídeo de Roberto Alvim de 6 minutos sobre política cultural com plágio de fala de Joseph Goebbels no dia 16 de janeiro de 2020.

Foi um relatório de 5 páginas do desembargador federal Rômulo Pizzolatti em setembro de 2016, referendado por uma votação de 13 desembargadores contra 1 no Tribunal Regional da 4º Região, que abarca os 3 estados do Sul do Brasil, que sacou do porão da história a doutrina jurídica de Carl Schmitt, o jurista do nazismo, para não punir Sérgio Moro de um crime explícito e assumido cometido pelo então juiz às vistas do país inteiro.

O caso, do ponto de vista objetivo, era pornográfico, explícito: Sérgio Moro, no dia 16 de março, cometeu um crime ao divulgar ilegalmente interceptação telefônica de uma conversa da então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sem autorização judicial.

A gravação não tinha autorização judicial porque ele mesmo a havia suspendido duas horas antes do telefonema interceptado e divulgado.

Advogados representaram no tribunal apontando que Moro havia cometido um crime previsto na legislação.

O crime de interceptação telefônica ilegal e sua divulgação, delitos previsto em lei, cometido por um juiz que deveria ser o protetor da ordem legal, contra a autoridade máxima eleita, a presidente da República, documentado e admitido pelo próprio Moro.

O TRF-4 então passa a ter um problema não óbvio: como fazer o que queriam, livrar a cara do juiz celebridade, e não simplesmente executar a lei e punir Moro? Como justificar isso juridicamente, em um texto?

Roberto Alvim plagiou Goebbels mas não avisou isso no vídeo, claro.

Pizzolatti embasou seu relatório dizendo que a norma jurídica incide sobre o plano da “normalidade”, mas que não se aplicaria em “situações excepcionais”.

Para isso, usou uma citação do jurista e ex-ministro do Supremo Eros Grau, do seu livro “Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito”. Foi essa a citação no relatório, para a qual vou chamar atenção depois para uma palavra:

“De início, impõe-se advertir que essas regras jurídicas só podem ser corretamente interpretadas à luz dos fatos a que se ligam e de todo modo verificado que incidiram dentro do âmbito de normalidade por elas abrangido.

É que a norma jurídica incide no plano da normalidade, não se aplicando a situações excepcionais, como bem explica o jurista Eros Roberto Grau: A ‘exceção’ é o caso que não cabe no âmbito da ‘normalidade’ abrangida pela norma geral. A norma geral deixaria de ser geral se a contemplasse.

Da ‘exceção’ não se encontra alusão no discurso da ordem jurídica vigente. Define-se como tal justamente por não ter sido descrita nos textos escritos que compõem essa ordem. É como se nesses textos de direito positivo não existissem palavras que tornassem viável sua descrição. Por isso dizemos que a ‘exceção’ está no direito, ainda que que não se encontre nos textos normativos do direito positivo.

Diante de situações como tais o juiz aplica a norma à exceção ‘desaplicando-a’, isto é, retirando-a da ‘exceção [Agamben 2002:25]. A ‘exceção’ é o fato que, em virtude de sua anormalidade, resulta não incidido por determinada norma. Norma que, em situação normal, o alcançaria (GRAU, E. R. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6ª ed. refundida do Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 124-25)”.

O texto citado pelo desembargador como citação também tem uma citação.

A palavra chave é “Agamben”, do filósofo italiano Giorgio Agamben. Eros Grau no seu trecho está analisando não uma norma jurídica, mas o livro (excelente, por sinal) “Estado de Exceção” (Boitempo) de Giorgio Agamben.

Esse livro analisa, criticamente, a natureza do Estado de Exceção (instrumento contraditório com a lei e a democracia, mas presente em praticamente todas as constituições) e os conceitos do jurista que deu base teórica e “ legal” ao nazismo, Carl Schmitt.

O trecho citado por Eros Grau não é uma jurisprudência legal baseada nas leis brasileiras: é um comentário sobre uma análise do direito nazista.

Essa citação é apresentada assim, como fato, no relatório que recebeu voto favorável de 13 desembargadores da região Sul do Brasil “É que a norma jurídica incide no plano da normalidade, não se aplicando a situações excepcionais, como bem explica o jurista Eros Roberto Grau”.

Quem decreta a situação de excepcionalidade? Na prática, foi como se o TRF-4 já desse como válido um “excludente de ilicitude” para Moro, que talvez agiu sobre “forte emoção”.

A formatação de texto clichê de decisão jurídica do relator torna banal a gravidade dele, que seria entendida de forma clara se dita de outra forma: foda-se a lei!

O resumo do caso: só havia um jeito do TRF-4, provocado pela sociedade, não reagir aplicando a lei e punindo Sérgio Moro por cometer um crime: suspendendo a lei.

E só havia um jeito de um tribunal de leis buscar alguma fundamentação conceitual para justificar isso: buscar conceitos em Carl Schmitt, no direito nazista.

Na prática, Moro no episódio do grampo, e o TRF4, ao isentá-lo de punição pelo crime cometido, “suspenderam a lei”, o tal do “rule of law” que alguns gostam tanto de pronunciar em discursos como se tivessem uma batata na boca. Instituíram o vale tudo.

Escreveram isso, não no aplicativo Telegram, onde tal questão foi chamada pelo procurador Deltan Dallagonol em mensagem privada de “filigrama jurídica”, mas em uma decisão judicial:

“Ora, é sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada ‘Operação Lava-Jato’, sob a direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns” – Rômulo Pizzolatti setembro de 2017

Mas se um tribunal de aplicação de leis decide que não precisa mais seguir leis, seu poder baseia-se no quê?

No poder de dizer quando as leis valem e quando elas não valem? Se a Lava Jato não segue a lei, ela segue o que?

Um advogado atua nele como? Como ler suas decisões?

Rápida digressão: o desembargador escreve que a Lava Jato estava “sob a direção” de Moro. Estranho, não? Fim da digressão.

Voltando ao livro de Agamben, cujo autor provavelmente jamais imaginaria que seria usado para reanimar – e ser aplicado em um caso específico – o horror que ele estudou: “0 estado de exceção apresenta-se, nessa perspectiva, como um patamar de indeterminação entre democracia e absolutismo.”

Bem-vindos ao Brasil talvez acima de tudo.

Em alemão, Brasil acima de tudo é Brasilien Über Alles. Foi o slogan de campanha e é o mote do presidente eleito em 2018, Jair Bolsonaro.

Não se chega a ministro da Cultura que segue a política para área de Goebbels do dia para a noite nem por acaso, nem sem aviso.

Em alemão, Alemanha acima de tudo é “Deutschland Über Alles”, e gritar isso em logradouro público naquele país é crime.

Na primeira audiência do caso do Tríplex do Guarujá, julgado por Moro contra Lula, ouviu-se o ex-senador tornado delator Delcídio do Amaral.

Posteriormente, em um processo contra Lula do qual ele foi inocentado na justiça de Brasília, Delcídio foi considerado mentiroso pelo juiz.

Mas no dia 21 de novembro de 2016 ele prestou depoimento como testemunha para Sérgio Moro, e seu depoimento está na sentença final dele.

Durante a audiência o então juiz se irritou com a defesa: “A defesa pelo jeito vai ficar levantando questões de ordem a cada dois minutos nesta inquirição. É inapropriado, doutor. Estão tumultuando a audiência”.

Um dos advogados de Lula, José Roberto Battochio, retrucou que o juiz não é dono do processo e disse: “Se vossa excelência quiser eliminar a defesa… E eu imaginei que isso já tivesse sido sepultado em 1945 pelos aliados e vejo que ressurge aqui, nesta região agrícola do nosso país. Se vossa excelência quiser suprimir a defesa, então eu acho que não há necessidade nenhuma de nós continuarmos essa audiência”.

A audiência e o processo continuaram. Muita gente no Paraná não gostou de ser chamado de habitante de “região agrícola”, outros se orgulharam disso. A referência aos derrotados pelos aliados causou menos reação. Às vezes uma declaração em um determinado tempo parece um arroubo exagerado de retórica. Mas o tempo passa.

A condenação de Lula por Moro e pelo TRF-4 o impediu de disputar as eleições de 2018, nas quais liderava por ampla margem as pesquisas. Sem Lula, venceu Jair Bolsonaro, Über Alles.

Quem defende a condenação garante que ela seguiu a lei e a normalidade do processo legal.

Mas, curiosamente, há uma decisão do TRF-4 que diz que Moro e a Lava Jato não precisariam seguir o “regramento genérico” para “casos comuns”.

Quem diz que o caso é excepcional não sou eu, é o TRF-4. Por 13 votos contra um.

No governo onde Alvim era ministro da Cultura e Bolsonaro presidente, o Ministro da Justiça é Sérgio Moro. Ele foi juiz, dirigiu e julgou (bateu escanteio e cabeceou) uma operação de combate à corrupção.

Cometeu um crime aos olhos de todo o país. E nunca foi punido em uma decisão baseada em conceitos do jurista do nazismo Carl Schmitt. Ninguém se indignou.

LINKS

Decisão do TRF-4: https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=noticia_visualizar&id_noticia=12276&fbclid=IwAR3ATSXqfeoErf0KkzvHYYqJi8ayWBUWDKoB47mwbkMGMvIi3FSmMEz773w

Íntegra do relatório de Pizzolatti: https://www.conjur.com.br/dl/lava-jato-nao-seguir-regras-casos.pdf?fbclid=IwAR3DA4b3Up3f5JBujeEU8qpD7lzl9pkjXEdaB1eeu_-gi3xiW_7OdgH0WFk

Livro de Eros Grau: https://www.amazon.com.br/Ensaio-Discurso-Interpreta%C3%A7%C3%A3o-Aplica%C3%A7%C3%A3o-Direito/dp/857420935X?fbclid=IwAR3WksQ0BRPqnTkTLEEosXySr35x55BHeiFJz_EX71JK5PTsSYH6DQjBMkI

Livro de Agamben: https://www.boitempoeditorial.com.br/produto/estado-de-excecao-105?fbclid=IwAR3CVIIzAl3opVln-IX5IXX8FQGl7U0UJVLe_PhRnApmw2kCQ5o257FuWyc

Fala de Battochio em audiência com Moro:https://www.gazetadopovo.com.br/vida-publica/advogado-de-lula-insinua-que-moro-e-nazista-e-que-curitiba-e-provinciana-5xwy950n7s9buk1mwpyon9v4d/?fbclid=IwAR0BWKnH9KO-8KX1P-2GDzxvIcobxUxpJbeTMaEwhKmECiOuhXhQSKthmA4


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Zé Maria

Na condição de Relator das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, o Ministro
Luiz Fux, Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu
suspender cautelarmente, por prazo indeterminado, “ad referendum
do Plenário”, os Dispositivos da Lei 13.964/2019 (‘projeto anticrime’) que
estabeleceram a implantação do “juiz das garantias” pelo Poder Judiciário.
A Decisão** Monocrática de Fux revogou decisão anterior emanada
do Presidente do STF, Antonio Dias Toffoli.

Conforme reportagem da Revista Consultor Jurídico (ConJur)**, Operadores
do Direito e Especialistas em Processo Penal consultados contestaram a suspensão.

O Criminalista Thiago Turbay, por exemplo, afirmou que a fundamentação
de Fux foi incoerente, “retrógrada e insustentável”:

“De início, justifica sua decisão pelo cumprimento da Constituição,
cujo zelo se deve à interpretação apolítica.
No curso e na conclusão, todavia, lança argumentos exclusivamente políticos,
enraizando a cultura marginal da Constituição brasileira, aquela a qual é servível
apenas quando se ‘deseja’.
A decisão é retrógrada e insustentável.
O juiz de garantias é a ilustração do sistema acusatório, previsto e arquitetado
pela Constituição.
Para aparar a ‘copa da árvore’, decidiu por cortar as raízes e o caule.”

O Professor de Direito da UnB, Benedito Cerezzo Pereira Filho, por sua vez
foi direto ao comentar as razões do ministro para suspender o juiz das garantias.

“A pensar assim, dever-se-ia suspender todo o sistema”, simplificou.

No universo político a reação a decisão marcou claramente a divisão ideológica.

O ministro do Governo Jair Bolsonaro, Sergio Moro, comemorou a decisão.
“Sempre disse que era, com todo respeito, contra a introdução do juiz de
garantias no projeto anticrime.” [“In Fux we trust”].

Já o Presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, foi contundente ao criticar a decisão de Fux:
“Eu acho que a decisão do ministro Fux foi desnecessária e desrespeitosa
com Parlamento e governo brasileiro”, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo
(https://t.co/h5h8zHFQ7o).

*(http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI6298.pdf)
**(https://www.conjur.com.br/2020-jan-22/decisao-fux-desrespeitosa-parlamento-brasileiro-maia)

Mais Detalhes em:
https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=435253&ori=1

abelardo

Burlar a lei é crime e com maior agravante quando praticado por juízes que fizeram o juramento sagrado de obedecerem as leis, a constituição e defenderem o estado de direito e a democracia. Porém, quando um destes pratica um crime, ele se torna um criminoso. Mas, quando vários destes (13 no total), em reunião de tribunal, sob as vestes da toga, submetidos a lealdade ao juramento agem criminosamente para corromperem a lei contra apenas um, que a defende, na verdade estão, juntos e em formação, compondo uma quadrilha de criminosos, que tenta por meio da prática de um crime absolver um outro criminoso de um crime, por ele cometido.

Zé Maria

Os Juízes do Brasil, quando querem extrapolar os limites da Constituição Federal
e da Legislação Penal Brasileira, buscam na Literatura (Doutrina) de Juristas Alemães
fundamentações estapafúrdias do Direito Distorcido.
Vejam como exemplo o julgamento da Ação Penal 470, cujas condenações,
sem provas, fundaram-se na ‘Teoria do Domínio do Fato’ do Alemão Claus Roxin,
e a deturparam pra alcançar a condenação de José Dirceu e outros acusados.

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