Heloisa Villela: Com mulher negra eleita em Massachussets, o chão se move na política dos EUA

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por Heloisa Villela, de Nova York, Especial para o Viomundo

Ela não é branca, não faz parte, nem de longe, da turma dos Kennedy, e não era a queridinha do Partido Democrata em Boston, Massachussets.

Talvez isso explique a vitória de Ayanna Pressley na disputa pela vaga de deputado federal pelo sétimo distrito de Boston.

Segundo as pesquisas, ela não tinha chances.

Mas essa história é velha…

As pesquisas!

O adversário de Pressley era Michael Capuano, dono da cadeira há vinte anos.

A máquina do Partido Democrata jogou todo o dinheiro e a energia em favor de Capuano.

Ele contou com o apoio até mesmo de John Lewis, deputado federal pela Georgia desde 1987, conhecido líder do movimento dos direitos civis que foi parar no hospital com um talho enorme na cabeça durante a famosa marcha de Selma, em 1965.

Lewis brigou pelos direitos dos negros americanos ombro a ombro com Martin Luther King.

Mas não é de estranhar que tenha apostado no candidato da máquina democrata contra a primeira negra a representar Boston em Washington.

Ele faz parte dessa máquina que enfiou Hilary Clinton goela abaixo dos eleitores democratas como candidata à Casa Branca.

Agora o partido está pagando caro com uma briga interna que se expressa nas urnas.

Uma leva de candidatos inspirados pelas propostas de Bernie Sanders, exaustos com as medidas meia boca e a farsa de que os democratas representam as minorias, decidiu buscar representação de fato.

Ayanna Pressley não é exatamente isso. Mas se beneficiou deste sentimento.

Ela e o adversário Capuano apoiaram Hillary para presidente — e não Bernie Sanders.

Mas Ayanna, agora, representou a mudança. Algo que os eleitores democratas estão buscando.

Não é uma revolução. Mas é uma virada que, ao contrário do que dizem os jornais, não é apenas uma resposta a Donald Trump.

Para isso bastava continuar votando nos democratas, fossem quem fossem.

É um não à máquina do partido que, em uma certa mea culpa, mudou a regra do jogo para as próximas primárias presidenciais.

Suprimiu os superdelegados — são os figurões do partido que têm cadeira cativa na hora de escolher o candidato a presidente. Eles não têm obrigação de seguir a vontade dos eleitores, expressa nas primárias estaduais.

Agora, eles só votarão se for necessária uma segunda rodada para decidir quem será o candidato.

Essa era uma exigência da turma de Bernie Sanders, finalmente contemplada.

Voltando à vitória de Ayanna Pressley, ela também representa uma mudança demográfica e política.

O movimento Black Lives Matter acendeu uma chama entre os negros norte-americanos.

A necessidade de representação real.

É preciso levar em conta essa participação crescente dos negros e dos latinos na política.

Ela já é uma realidade e tende a ser cada vez mais marcante.

O sétimo distrito de Boston é o único da cidade onde a minoria já é maioria.

É questão de tempo. Isso vai acontecer no país como um todo.

As minorias, somadas, serão a maioria no país por volta de 2045, aponta o Censo.

Essa mudança também já se faz sentir nas urnas.

Não foi à toa que Pressley fez campanha para acabar com o ICE (Immigration and Customs Enforcement), conhecido aqui como a polícia da imigração, criada em 2003, na ressaca dos ataques terroristas de 11 de setembro.

A nova deputada de Boston também deixou claro que a campanha dela não era apenas uma resposta às políticas de Donald Trump.

No discurso da vitória, afirmou: “Apesar de nosso presidente ser racista e misógino, as condições que fizeram do sétimo distrito (de Boston) um dos mais desiguais da América foram cimentadas através de políticas que vêm de muito antes dele baixar a escada rolante da Trump Tower”.

O racha interno dos democratas é indiscutível.

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Comentários

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Cláudio

… E é bom esse “racha interno dos democratas”? Não favorecerá aos republicanos? Não estou discutindo as condições dela, mulher e negra, mas ter apoiado/votado em Hillary contra Sanders não me parece nada abonador. Parabéns ao Viomundo e especialmente à reporter/jornalista Heloisa Villela, de Nova Iorque, pelo interessante texto.

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