Hêider Pinto: Para agradar entidades médicas, tiro do ministro interino pode sair pela culatra

Tempo de leitura: 4 min

Ministro Ricardo Barros concede sua primeira coletiva

Confuso, dissimulado ou mal intencionado?

por Hêider Pinto, especial para o Viomundo

Mais uma vez o ministro da saúde provisório, aquele que defende menos SUS e mais planos de saúde, faz afirmações que causam grande polêmica por apontar para o inverso daquilo que havia dito e se comprometido anteriormente.

Não é novidade o ministro dizer uma coisa e desdizer horas depois. Mas, neste caso, as mudanças que ele disse querer fazer no Programa Mais Médicos resultarão em menos médicos brasileiros, o contrário do que vinha defendendo.

Fazendo ou não o que disse, já há uma vítima nessa combinação de inépcia com “falastronice”: a credibilidade e o bom funcionamento do Mais Médicos.

Em entrevista à Folha de São Paulo do dia 31/07, o ministro provisório anunciou que acabará com um benefício aos médicos brasileiros, que é um dos grandes responsáveis pelos recordes de inscrições no Programa em 2015 e 2016.

Todas as vagas nos últimos dois anos foram ocupadas por médicos brasileiros.

Os principais motivos são justamente o ganho de credibilidade do Programa (mais de 90% dos médicos que participavam recomendavam aos amigos) e a concessão de um adicional de 10% na nota que o médico alcança no concurso da residência médica (modalidade mais adequada de formação de médicos especialistas).

Esta bonificação é concedida a um médico que fica ao menos 1 ano no Mais Médicos e é aprovado na pós-graduação que ele obrigatoriamente tem que fazer durante o Programa. Assim, se no concurso de residência ele alcança a nota 7 (em 10), sua nota final é acrescida em 10%, chegando a 7,7.

Detalhando mais. O médico brasileiro ao se inscrever no Mais Médicos tem de decidir entre duas opções. Na primeira, opta por ficar no mínimo 1 ano, por receber os 10% de bonificação e abre mão de receber ajuda de custo dos gestores municipais que pode chegar a 2,5 mil reais. Na segunda opção, opta por ficar 3 anos no Programa, abre mão dos 10%, mas solicita receber a ajuda de custo. Em ambos os casos podem prorrogar sua permanência no Programa por até 6 anos.

De cada três médicos brasileiros que entram no Mais Médicos, dois fazem a opção de receber a bonificação de 10%.

Nos dois últimos anos,  dos médicos que optaram pelos 10%, aproximadamente um terço decidiu continuar no Programa mesmo depois de completar um ano.

Entendido isso, analisemos então as consequências da nova proposta do ministro provisório.

Quando ele promete acabar com os 10% de bonificação, tenta agradar mais uma vez grupos conservadores da medicina. Eles entendem que atuar três anos na atenção básica do SUS, cuidando da população que mais precisa e realizando uma pós-graduação em saúde da família, não é mérito.

Talvez, mérito só seja fazer cursinho preparatório para a prova da residência e seguir sem saber cuidar adequadamente do seu João e da Dona Maria reais, bem diferentes daqueles da questão de marcar “x” da prova.

Só que, ao retirar a bonificação de 10%, desestimularia dois em cada três médicos brasileiros que teriam interesse no Mais Médicos.

Assim, diferente dos dois últimos anos, as novas vagas não seriam mais preenchidas por brasileiros. Para não deixar a população desassistida, seria necessário, como manda a lei, chamar brasileiros formados no exterior, depois estrangeiros e, por fim, médicos cubanos da cooperação com a OPAS.

A consequência seria aumentar os estrangeiros e reduzir os brasileiros, exatamente o contrário que ele disse há poucos dias que faria.

A alegação dele para defender uma medida que desmonta o que estava funcionando bem é que o ideal seria o médico ficar mais tempo numa mesma comunidade cuidando da população. O que está correto. “Enfim, uma bola dentro”, diriam muitos!

Mas é importante ir um pouco além da superfície. Antes do Mais Médicos, pesquisas mostravam que o médico estava há menos de um ano em aproximadamente 50% das equipes. E só em 25% delas estava há mais de dois anos.

O tempo de permanência era muito ruim antes do Mais Médicos, que provocou melhora significativa. O tempo médio dos médicos brasileiros supera um ano e o dos demais médicos já se aproxima de ttrês anos.

Então, temos três possibilidades para interpretar a proposta do ministro.

A primeira é que ele, de fato, quer que se aumente os brasileiros, mas descobriu agora que quer mais ainda que se aumente o tempo de permanência dos médicos numa mesma comunidade. Assim, será obrigado a aumentar mais ainda os médicos estrangeiros, contradizendo seu discurso anterior.

A outra possibilidade é que ele quer aumentar o tempo de permanência dos médicos e não deixará cair a proporção de brasileiros chamando estrangeiros para as vagas não ocupadas.

Então, nessas áreas, que têm um médico brasileiro que fica em média um ano, agora não teria nenhum médico por meses. Seria um caso de se buscar uma situação “ótima” e acabar trocando uma situação “boa”, porque melhor que a anterior, por uma péssima, que é voltar a não ter médico. Um erro elementar e injustificável.

Por fim, poderia ser mais um jeito de tentar atacar a atratividade do Programa, enfraquecê-lo e preparar seu desmonte aos poucos, sem assumir isso publicamente. O não seria estranho tendo em vista sua declaração de que não deve ser papel do governo federal garantir médicos na atenção básica dos municípios.

Algumas lideranças médicas, poucas, ainda conseguiram elogiar a medida. Apontou que um bom estímulo para o profissional atuar mais de um ano no interior seria a carreira nacional para médicos. Só se esqueceu de que o ministro há poucos dias disse com todas as letras que é contra a carreira com participação do Ministério da Súde porque atenção básica é responsabilidade dos municípios e não do governo federal.

Que o ministro tem feito declarações que mostram que entende pouco de política de saúde e tem voltado atrás em suas posições corriqueiramente, nós sabemos.

Se vai voltar atrás novamente, não sabemos. Tampouco conhecemos sua intenção real. Mas que, independente disso, a credibilidade e atratividade do Mais Médicos já está abalada, isso não tenhamos dúvida.

Muito médicos brasileiros, já no próximo chamamento, não deverão se inscrever com receio de não terem garantido os benefícios que tinham até o momento.

Na próxima chamada do Mais Médicos, atentem para o número de brasileiros inscritos. Certamente verão o impacto dessa gestão temerária na saúde.

Hêider Pinto é médico sanitarista. Coordenou o Programa Mais Médicos no governo da presidenta Dilma Rousseff


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Comentários

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FrancoAtirador

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Nazi-Fascista Fazendo Engenharia Médica para Planos de Saúde
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    MARCOS FERREIRA

    Franco Atirador, são seguros de saúde e não planos de saúde.

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