Emiliano José: Hobsbawm e sociedades boas

Tempo de leitura: 3 min

por Emiliano José, no jornal A Tarde

Os países devem abandonar a ortodoxia do crescimento econômico a todo custo e dar mais atenção à igualdade social. A tese foi defendida por Eric Hobsbawm há coisa de três anos, em Bosco Marengo, na Alexandria, em conferência realizada por ele no primeiro dia do World Political Forum, tentando responder à pergunta sobre qual o futuro depois do comunismo, e por depois do comunismo entenda-se o fim da experiência soviética e dos demais países do Leste socialista. O século breve, como ele denominou o século XX, foi marcado, como disse na conferência, por um conflito religioso entre ideologias laicas.

Aquele século foi dominado pela contraposição de dois modelos econômicos – o “socialismo”, e as aspas são dele, identificado com economias de planejamento central tipo soviético, e o “capitalismo”, também devidamente aspeado por ele, que englobava todo o resto. Essa contraposição nunca foi realista, na opinião dele. Todas as economias modernas devem combinar público e privado de vários modos e em vários graus, e de fato fazem isso. Faz tremer os que copiam fórmulas, à direita e à esquerda. O exclusivismo de um e de outro faliu. As economias de modelo soviético lá pelos anos 80 do século passado. As do fundamentalismo de mercado anglo-americano com a crise que eclodiu em 2008.

O fim do socialismo foi catastrófico. As repercussões seguem até hoje, ao menos nos países vinculados de alguma forma à ex-URSS. A China preferiu outro caminho capitalista, diferente do neoliberalismo, e abriu caminho, então, para seu impressionante salto econômico para frente, com muita pouca preocupação e consideração pelas implicações sociais e humanas. Mesmo que não se domine todas as conseqüências da crise atual, deflagrada em 2008, não havia dúvida, para ele, de que estava em curso uma alternância de grandes proporções das velhas economias do Atlântico Norte para o Sul do planeta e principalmente para a Ásia Oriental.

Não estava preocupado em delinear a economia do amanhã, para ele o aspecto menos relevante. A diferença essencial entre os sistemas econômicos, dirá, não reside na sua estrutura, mas nas suas prioridades sociais e morais. E toca em dois pontos para sustentar o que diz. Primeiro, acredita que o fim do socialismo, com a derrocada dos países socialistas do Leste e da ex-URSS, implicou o desaparecimento repentino de valores, hábitos e práticas sociais que marcaram a vida de gerações inteiras. Muitas décadas se passarão até que as sociedades pós-socialistas encontrem alguma estabilidade no seu modo de viver.

O segundo ponto é que tanto a política ocidental do neoliberalismo quanto as políticas pós-socialistas que inspirou subordinaram o bem-estar e a justiça social à tirania do PIB. O objetivo da economia não é o ganho. É o bem-estar de toda a população. O crescimento econômico não é um fim. É um meio para dar vida a sociedades boas, humanas e justas. Por isso, ao pensar assim, em outro momento, considerando o processo de distribuição de renda no Brasil, disse que “Lula foi o verdadeiro introdutor da democracia no Brasil”. Porque vinculou sempre crescimento econômico com melhoria efetiva das condições de vida do povo.

“Não importa como chamamos regimes que buscam essa finalidade – bem estar de toda a população. Importa unicamente como e com quais prioridades saberemos combinar as potencialidades do setor público e do setor privado nas nossas economias mistas. Essa é a prioridade política mais importante do século XXI”.

Hobsbawm atravessou quase todo o século XX. Nasceu no ano da Revolução Bolchevique. Reproduzi essa reflexão para lembrar o quanto o seu pensamento continua atual, o quanto era capaz de refletir sobre os desafios do nosso tempo. O quanto tinha de não-dogmático. Quanta capacidade tinha de seguir adiante, sem perder suas referências centrais, herdadas de sua militância comunista. De alguma forma, sem mistificação, podemos dizer que um homem assim não morre. Perdura pelos séculos, pelo extraordinário legado de pensamento que nos deixa. O legado de historiador que conseguiu sempre ligar passado, presente e futuro. Exemplo de vida.

Emiliano José é jornalista, escritor e deputado federal (PT-BA).

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Comentários

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Willian

Se há países que servem de modelo de bem estar social são os países escandinavos.

    ZePovinho

    Você acaba de reconhecer que a tributação massiva em cima dos mais ricos é o que funciona,William.Nos países escandinavos ela chega até a 75% da renda dos mais abastados:

    http://www.noruega.org.br/News_and_events/Acontecimentos/Levando-a-experiencia-dos-paises-nordicos-a-Davos-/

    Levando a experiência dos países nórdicos a Davos

    Última actualização: 01/02/2011 //

    Na semana passada, o Primeiro Ministro norueguês Jens Stoltenberg participou da reunião anual do World Economic Forum, em Davos. Um tema central foi a “experiência dos países nórdicos”.

    “Esta é uma apreciação do modelo social desenvolvido nos países nórdicos. Melhor do que muitos outros países, conseguimos combinar uma distribuição justa de recursos com uma economia eficiente. Estes foram pensados por muito tempo como fatores conflitantes, mas o desenvolvimento econômico da Noruega tem provado que isso não é verdade “, diz o Primeiro Ministro Stoltenberg.

    Uma vantagem competitiva
    Um aspecto importante do nosso modelo é o nível elevado de emprego, nomeadamente feminino. Temos desenvolvido sistemas de segurança social extensivos para as crianças e os idosos, o que tornou possível a entrada das mulheres na vida profissional com muito mais facilidade. Maior força de trabalho foi criada e, em contrapartida, o potencial de crescimento e bem-estar aumentou.

    Além disso, as sociedades nórdicas representam um grau muito mais elevado de igualdade que a maioria dos outros países. Os países nórdicos têm demonstrado uma maior vontade de ajustamento e de reformas do que outros países europeus.
    Para o sucesso do modelo, a cooperação de tripartite é vital. O diálogo entre trabalhadores, empregadores e Estado contribui para um clima social saudável, com segurança e flexibilidade. Assim,. os conflitos trabalhistas são menos freqüentes do que em muitos outros países.

    O paradoxo nórdico
    Os países nórdicos são marcados por um nível de tributação relativamente elevado, sindicatos fortes, amplos sistemas de bem-estar social e grandes setores públicos. Ao mesmo tempo, esses países são caracterizados pela eficiência econômica e por elevados níveis de emprego.

    Este aparente paradoxo desperta interesse em todo o mundo. Questiona-se como a segurança social e econômica podem ser combinadas com uma vida de negócios inovadores e de uma economia flexível.

    “É perfeitamente possível existir uma sociedade em que uma distribuição justa é combinado com a dinâmica de negócios da vida”, diz o Primeiro Ministro Stoltenberg. “Ainda assim, temos nossos problemas para resolver, e devemos continuar a combate-los, a fim de responder aos novos desafios”, acrescenta Stoltenberg.

    Inquieta economia mundial
    A combinação de segurança e flexibilidade dá nos países nórdicos uma pontuação alta na comparação global do bem-estar social e qualidade de vida. Exemplo disso é que a Noruega foi um dos países menos afetados pela crise financeira.

    ” Em uma época de uma economia mundial inquieta ainda esperamos ser fonte de inspiração, trazendo a nossa experiência a Davos “, diz Stoltenberg.

    2.500 líderes mundiais se reúnem em Davos entre 26 e30 janeiro de 2011.

    Para mais informações : World Economic Forum

    OBS:E não me venham com a lengalenga dos Instituo Von Mises, sobre os países nórdicos.O modelo funciona na prática.O que não funciona é a PUC-Rio ser tão liberal e não abrir mão da isenção fiscal sobre a folha de pagamentos e sobre o imposto de renda por ser ligada à Igreja.
    Meu trabalho é propriedade privada,TAMBÉM,e não sou agraciado com essa mamata.

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