Eduardo Subirats: Depois do colapso europeu, sonho, fantasia e curvas

Tempo de leitura: 3 min

Brasília, uma fantasia carnavalesca de Niemeyer

Uma linguagem revolucionária, em nome da revalorização do corpo humano, seu erotismo, sua imaginação

14 de dezembro de 2007 | 21h 36

Eduardo Subirats, reproduzido no caderno especial do Estadão (com acréscimo de ilustrações e vídeo)

Oswald de Andrade foi o intelectual que mais precocemente percebeu a crise dos valores civilizatórios que atravessa a sociedade industrial no momento em que se cristalizavam os grandes sistemas totalitários modernos. Em 1945, cunhou a que provavelmente constituiu a primeira definição de pós-modernidade.

Porém, Andrade criticou significativamente este “pós-modernismo” a partir de uma perspectiva latino-americana, ou seja, desde o ponto de vista de sociedades que não haviam experimentado internamente as transformações totalitárias inerentes ao desenvolvimento industrial pós-moderno, porém, ao mesmo tempo, conheciam de primeira mão suas conseqüências, debaixo das múltiplas variações da violência colonial e neocolonial.

Esta condição “pós-moderna” era o horizonte histórico de que partia a interpretação temporal de Mário de Andrade. A pintura de Portinari, a música de Mignone, e a arquitetura de Warchavchik e Niemeyer eram suas principais referenciais. Todos eles haviam compreendido que o sonho artístico criado na Europa nos anos 20 havia entrado em colapso, e que, por conseguinte, deveriam aproveitar-se do que dele era benignamente aproveitável, e deixar de lado todo o resto.

Naqueles mesmos anos, e pouco depois de realizar o conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte, Oscar Niemeyer formulava basicamente o mesmo projeto de transformação civilizatória através de uma arquitetura que se apresentava expressamente como superação do funcionalismo e do racionalismo europeus, de seu dogmatismo cartesiano e seu monótono ascetismo, ou seja, o que em última instância denominou a mediocridade terminal do Movimento Moderno.

E criou uma linguagem arquitetônica revolucionária, em nome de uma revalorização do corpo humano, seu erotismo e sua imaginação: “uma arquitetura feita todo de sonho e fantasia, de curvas e grandes espaços livres de elementos supérfluos …” Uma nova idade acabava de começar.

A expressão mais eloqüente deste espírito novo é, sem sombra de dúvida, Brasília. Seu “Plano Piloto” não só compreendia sua avenida monumental marcada pelo interminável desfile uniformizado e monótono de ministérios prismáticos, construídos à la Corbusier.

Nem terminava nos ícones arcaicos do poder e da morte, em sua pirâmide e sua cúpula, sua antena-obelisco ou seu mausoléu, inspirados nos modelos classicistas das capitais imperiais da Europa e dos Estados Unidos.

Brasília é mais que isso. É uma expressão do funcionalismo nascido dos ateliês expressionistas alemães e da Bauhaus, e do cartesianismo lecorbuseriano, adaptados à amplitude geográfica e aos imperativos administrativos da expansão colonial do industrialismo moderno.

Todavia, é também algo mais. É a combinação deste funcionalismo colonial com os ritmos sensuais e místicos da bossa nova, das expressões religiosas e artísticas africanas da Bahia e do Rio, da pureza formal que distinguem os espaços arquitetônicos e o design das culturas amazônicas pré-coloniais, e da plasticidade do samba. Lúcio Costa insistia, nos últimos anos de sua vida, que Brasília era uma “cidade romântica”. É uma fantasia carnavalesca, uma quimera de vidro e concreto, uma cidade de sonhos. Onde um dia a política se encontrou com a poesia, debaixo do clamor popular de uma festa nacional democrática.

Eduardo Subirats é professor da New York University, é autor, entre outros, de ‘A Penúltima Visão do Paraíso’ (Studio Nobel)

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Panino Manino

“de curvas e grandes espaços livres de elementos supérfluos”.

Difícil, o que mais tem “ali” é elemento supérfluo sem funcionalidade prática. Arquitetura bonita, interessante sim, mas não facilita a vida de ninguém ein.

evangelos

Mais um que mistura alhos com bugalhos. Talvez, quem sabe, problemas de tradução. O projeto do Plano-piloto foi criado por Lúcio Costa, ou seja, Brasilia não foi “desenhada” por Oscar Niemeyer.
Lamentável, esta confusão faz injustiça à um dos maiores gênios da arquitetura, tanto quanto Oscar.

Mário SF Alves

Colapso europeu… tudo a ver com:

“MÍDIA OMITE A ORIGEM DA CRISE E ATACA O BRASIL
De repente, o Brasil virou o barnabé da hora aos olhos da crítica econômica conservadora. A Economist, uma espécie de espírito santo do credo neoliberal, pede a demissão de Mantega e desqualifica os esforços contracíclicos do governo Dilma diante da pasmaceira internacional. Assemelhados nativos tampouco afeitos ao pudor retiram a soberba do bau e voltam a pontificar como se a reforma gregoriana tivesse eliminado o mês de setembro de 2008 do calendário jornalístico e com ele as ruínas da supremacia das finanças desreguladas. Governadores tucanos impávidos diante do incêndio global boicotam a redução no custo da tarifa elétrica proposto por Dilma, como se não houvesse amanhã. O Tesouro vai cobrir a estripulia tucana. Mas jornalistas alinhados acodem em massa na sua especialidade.O jogral que nunca desafina saboreia o PIB baixo e alardeia a primeira consolidação política do levante: a ineficácia do que chamam de ‘intervencionismo estatal excessivo de Dilma’. O que, afinal, deseja a turma braba que jogou a humanidade no maior colapso do sistema capitalista desde 1929 –e só poupou o Brasil porque não pode derrubar Lula em 2005, perdeu em 2006 e foi às cordas de novo em 2010? Simples: enquanto as togas cuidam do PT e de 2014 , trata-se agora de interditar o debate da crise e sabotar a busca de um novo modelo de desenvolvimento a contrapelo dos ‘mercados autorreguláveis’. É a volta do garrote a cobiçar o pescoço soberano do país. Compreender o papel que joga o monopólio midiático nesse estrangulamento é crucial para reagir com eficácia ao cerco. Em que medida é possível fazê-lo sem um contraponto de vozes plurais a afrontar o monólogo conservador na formação do discernimento social? Mais que isso. Em que medida é possível restringir e vencer o embate no plano exclusivamente econômico sem alterar o desequilíbrio clamoroso na difusão das idéias? É disso que trata o Especial de Carta Maior (leia nesta pág.), que emoldura o debate da Ley de Meios argentina com a amplitude e a premência que o tema encerra em nossos dias.”

http://www.cartamaior.com.br/templates/index.cfm
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Esse é o nosso maior problema. E vamos resolvê-lo; se preciso com todas as linhas, sonhos, fantasias, retas e curvas. Basta de embromação.

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