Cunca Bocayuva: As aulas magnas de brasilidade do técnico Roger Machado e do filme Bacurau

Tempo de leitura: 3 min

por Pedro Cláudio Cunca Bocayuva, especial para o Viomundo

Quem ainda não assistiu duas semanas atrás à entrevista de Roger Machado, técnico do Bahia, recomendo.

Ele dá uma aula sobre Brasil, racismo, nossas instituições, relações de segregação e indicadores de desigualdades.

Roger é professor de dignidade cívica e de patriotismo, quando mostra a sua posição sobre a segregação, articulando os registro histórico e sociológico e a experiência vivida.

Roger destaca as situações que enfrenta no dia a dia, suas implicações paradoxais e ambivalências do tipo moral e ético.

Por ser técnico de um time da Série A do Brasileirão, ele mostra como a sua presença em lugares excludentes, que se traduzem pelas ausência das maiorias negras, alimenta o discurso cínico dos negacionistas.

De maneira muito clara e segura, ele fala com propriedade do quadro atual e a relação com as políticas e os direitos sociais cada vez mais destruídos.

Lamentavelmente, o projeto do atual governo tem meta clara: privatizar a educação, destruindo o ensino público, transformando as escolas em casernas e prisões ou expulsando contingentes, para tornar a dominação funcional.

Nessa direção, se lançam com força contra a ciência e a tecnologia, assim como contra as universidades federais.

Reduzem currículos, empurram temas e disciplinas, diminuem e discriminam as relações de ensino e aprendizagem com perfil crescentemente fascista, patriarcal, racista, sexista e classista.

O povo por servidão e medo, entendido como “carne barata”, tem sido o objeto da destruição do espírito crítico.

A extrema-direita avança sobre a cultura, o estado laico e com uma violência inusitada contra o artigo 6º da nossa Constituição, rasgando os direitos de cidadania.

O artigo 6º trata dos direitos sociais: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados.

O país revive cenas de extrema pobreza, guerra suja, feminicídio, ataques a indígenas e LGBTIs, ações de militarização, cerco, ocupação e criminalização sobre territórios e grupos das favelas e periferias.

O uso do discurso capitalista e da lógica da guerra contra todos nos lança na pulsão da crueldade, no gozo punitivo, numa enorme catástrofe social e ambiental.

A razão cínica ainda espera o poder de convocar setores amedrontados e ameaçados para perpetrar um banho de sangue e legitimar as mortes como as de Marielle e Anderson.

Mortes que sintetizam este quadro de inversão de valores e de destruição de qualquer tipo de consenso ou de pacto de integração social.

O inverso ou o avesso da hegemonia só nos faz ficar entre a terra arrasada e a regressão colonial.

O filme Bacurau, de Kleber Mendonça e Juliano Dornelles, pontua nossa saga, inverte a lógica da guerra do fim do mundo, das chacinas, dos Carandirus e das tropas de elite.

Oferece duas saídas republicanas e uma resistência bélica ao sabor de uma narrativa com forte tom épico e realismo mágico.

Não se tiram vidas impunemente e sem resistência, não se expulsa gente sem retorno do reprimido e do resíduo, não se líquida a memória pelo bloqueio e destruição da cultura.

Os arquivos do bem e do mal estão visíveis. Nesta combinação de museologia, sabedoria, educação e técnica se tecem resistências.

O caminho melhor seria a paz, como sugere a limpeza do grupo local após a refrega. Limpar o chão e manter nas paredes as marcas de sangue.

A clareza de que a paz exige cultura, memória e justiça. O que exige o registro, o deixar suas marcas de luta na memória através da museologia.

Lições simples que nos dão o professor Roger Machado e o filme Bacurau.

Armas e sangue na parede para lembrar o preço da liberdade de ser um ponto nas cartografias, nas rotas orientadas pelo GPS.

O chão limpo, as crianças na escola, a saúde para tod@s.

A conexão virtual com o mundo e a mudança das relações entre o poder local e o mercado de carne, sexo e destruição.

O mesmo jogo que ensina a matar acaba se tornando a expressão de um desafio: como avançar no respeito aos direitos e à dignidade humana? Como avançar na conformação da vida social sem o público, o comum e a igual liberdade?

A aula magna para o próximo semestre já está na rede.

Agora é aceitar o convite para refletir sobre o que fazer para superar o racismo institucional, a segregação e a violência.

*Pedro Cláudio Cunca Bocayuva é professor do  Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NEPP-DH/UFRJ).


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Comentários

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Walter Rodrigues Pereira

Por isso é que eu grito: BORA BAHÊÊÊÊA MINHA POHHHA!

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