Copa do Mundo não reduziu pobreza por onde passou

Tempo de leitura: 5 min

da Agência Pública, via portal EBC, sugerido por Emerson Luis

Preocupado com o rumo que os preparativos para Copa do Mundo no Brasil em 2014 têm tomado, o jornalista e documentarista Rudi Boon – autor do documentário “A FIFA manda” sobre a Copa de 2010 na África do Sul, que o Copa Pública mostrou,  nos mandou uma série de estudos e documentos sobre os impactos dos megaeventos nos países onde ocorreraram.

O primeiro, “Megaeventos como resposta para a Redução da Pobreza: A Copa de 2010 da FIFA e suas implicações no desenvolvimento da África do Sul” que apresentamos hoje, foi realizado por pesquisadores do instituto sul-africano Human Sciences Reserch (Conselho de Pesquisa em Ciências Humanas), na época em que o país se preparava para receber a Copa de 2010.

Baseando-se na documentação de outros pesquisadores a respeito do legado da Copa em alguns países, o artigo defende que é praticamente impossível que a pobreza seja reduzida com a chegada de um grande evento e que os benefícios propagandeados pelos governos como projetos de mobilidade urbana e aumento do número de empregos são pouco funcionais, efêmeros e concentrados em pequenas áreas, e que muitas vezes acabam gerando crises e prejuízos ainda maiores para os países anfitriões.

O exemplo mais chocante usado no texto, citando um estudo recente feito por Robert Baade & Victor Mathesondois, pesquisadores americanos, talvez seja o da copa de 1994 nos Estados Unidos, que teria gerado um prejuízo entre $5,5 e $ 9,3 bilhões de dólares para as cidades sede, ao invés do lucro estimado em 4 bilhões.

Expectativa

O texto começa explicando que o anúncio da Copa na África do Sul gerou muita expectativa, já que seria o primeiro grande evento em todo o continente. Na época, o presidente Thabo Mbeki, anunciou que aquele não seria apenas um evento sul-africano mas de toda a África.Além disso, o país passava por um momento de reconstrução e a Copa seria o “empurrãozinho” que faltava para o investimento no crescimento das cidades.

Já nesta introdução, os autores alertam que em muitos países que receberam o megaevento, o que se viu como consequência da passagem da FIFA foram graves crises para as economias nacionais, geradas pelo grande volume de investimentos estatais – exatamente como está sendo feito no Brasil, como o ministro do TCU admite em entrevista. A preocupação dos pesquisadores, no caso da África do Sul, era com um crescimento muito rápido porém desordenado e desigual. Havia na época expectativa de crescimento de 65% em cinco anos, porém apenas nas cidades com maior concentração  de PIB e ainda assim de forma díspare, com muitos investimentos em áreas nobres e poucos investimentos nas áreas pobres. Isto também já pode ser visto no Brasil, como mostram os dossiês “Mega-eventos e violações de Direitos Humanos no Brasil” e “Megaeventos e violações dos direitos humanos no Rio de Janeiro”

Desta forma, afirmam os pesquisadores, este crescimento é colocado como um “desafio”, pouco importanto se o país ou as cidades sede têm de fato a possibilidade de investir tanto em um megaevento.

As promessas feitas para a África do Sul também eram muito parecidas com as feitas por aqui, segundo o documento: “Em primeiro lugar, o megaevento é colocado como um catalisador para melhorar a condição de vida das pessoas historicamente desfavorecidas. Sugere um novo sistema de transporte público e uma agenda significativa de desenvolvimento, com promessas de geração de emprego”.

O que se viu, segundo esta entrevista com Eddie Cottle, autor do livro “Copa do Mundo da África do Sul: um legado para quem?” foi bem diferente disso: “O número de postos de trabalho foi estimado em 695.000 para os períodos pré e durante a Copa do Mundo.

E o que aconteceu na realidade? No segundo trimestre de 2010, as taxas de empregabilidade diminuíram em 4,7%, ou seja, perdemos 627.000 postos de trabalho. No setor da construção civil, onde se tinha a sensação de que os ‘bons tempos’ seriam sentidos por todos, o emprego diminuiu 7,1% (ou 54.000 postos de trabalho) neste período. Na verdade, o ano de 2010 testemunhou com menos 111.000 postos de emprego na construção”

Outras Copas

O texto coloca que um dos pontos mais críticos em sediar um megaevento é a dívida que se cria ao deslocar recursos públicos que iriam para necessidades básicas das cidades – como saneamento, transporte público, educação, etc. – para estádios e obras específicas de mobilidade.

Como exemplo, usa a Copa de 1994 nos Estados Unidos: “Estudos mostram que ao invés do lucro de 4 bilhões esperados com o megaevento, as cidades sofreram perdas que variaram entre $ 5,5 e $ 9,3 bilhões”. E continua: “Em Barcelona, o que se viu depois das Olimpíadas de 1992, foi um aumento significativo do custo de vida [de 20%, segundo pesquisa da Universidade Autônoma de Barcelona]. A cidade também sofreu com o desemprego, porque foram criados muitos postos temporários, com baixos salários. Com o fim do evento, havia uma massa de desempregados.

Nas Olimpíadas de Montreal (1976) além do desemprego, a cidade sofreu com o corte de investimentos em áreas essenciais. Com isso sofrem os pobres, que são os que menos aproveitam os megaeventos”. Em Atlanta, após as Olimpíadas de 1996, o que ficou, segundo o artigo, foi um projeto de mobilidade urbana que não ajudou os cidadãos.

Despejos

“Estima-se que as Olimpíadas de 1988 em Seul resultou no despejo de 700.000 pessoas. Para os Jogos Olímpicos de Pequim, 300.000 foram expulsos de suas casas”, diz o artigo. Em 2010, a ONU também fez um levantamento a respeito destes despejos, como a relatora especial da ONU para a moradia adequada, Raquel Rolnik, escreveu em seu blog em 2010: “Em Seul, em 1988, a Olimpíada afetou 15% da população, que teve de buscar novos locais para morar – 48 mil edifícios foram destruídos. Em Barcelona, em 1992, 200 famílias foram expulsas para a construção de novas estradas. Em Pequim, a ONU admite que 1,5 milhão de pessoas foram removidas de suas casas. A expulsão chegou a ocorrer em plena madrugada. Moradores que se opunham foram presos”.

Dinheiro público, beneficio privado

No Japão, estádios e espaços construídos com dinheiro público para a Copa do Mundo de 1992 foram parar nas mãos da indústria do entretenimento, que hoje os usa para espetáculos e jogos privados com ingressos caros, segundo o documento.

Caso semelhante aconteceu no Rio de Janeiro: criada para sediar jogos do Pan-americano de 2007, a Arena Olímpica, que depois foi renomeada de HSBC Arena, hoje é administrado pelo HSBC e sedia eventos e espetáculos de empresas privadas.

Migração e desemprego

Para os pesquisadores, com pouco ou nenhum recurso sendo destinado às cidades que não sediarão os jogos, muitos migram destes lugares, atrás da oferta de empregos temporários gerados pelos megaeventos. Quando o trabalho temporário acaba, estas pessoas tendem a não voltar para suas cidades de origem, engrossando a massa de desempregados nas cidades.

Este processo é agravado pelo aumento do custo de vida e pelos baixíssimos salários, que muitas vezes não permitem que estas pessoas voltem as cidades de origem.

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Comentários

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augusto2

Se o titulo rezasse coisa assim: Copa do Mundo produziu menos beneficios que o esperado nos locais onde passou”.
AI eu topava, assentia e concordava.
Porem como está…
Isso é a mesma coisa que dizer: “O zagueirão cortou com um forte chutao pra frente que foi ate a outra linha de fundo mas nao marcou o gol”.
Chutao pra frente de um zagueiro NAO é pra marcar gol.
E copa do mundo nao é pra…
(isso mesmo, voce, cara medianamente inteligente, ja advinhou o restante)

Marcelo de Matos

A Copa do Mundo serve para deixar claro que corrupção não é atributo exclusivo da classe política. Fifa e CBF, entidades privadas, que o digam.

Willian

A Copa no Brasil pode não diminuir a pobreza mas, certamente, vai aumentar a riqueza de alguns.

    Marcelo de Matos

    Você resumiu bem. O ex-presidente do meu Palestra, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo já disse que eventos como Copa do Mundo e Olimpíadas têm efeito econômico neutro – há lucros e perdas que se compensam.

Mardones

É um fato que a realização desses grandes eventos têm servido apenas para fazer girar a roda do capital pelo mundão.

O governo tem dedicado muito esforço para passar a ideia de que a realização da Copa e das Olimpíadas vai trazer ENORMES benefícios à população. Isso é fato!

Falam da revolução na mobilidade urbana, nas telecomunicações e tentam convencer que haverá um legado para o povo depois dos jogos, pois as instalações vão servir para isso e aquilo.

Mas o artigo mostra e o Pânico do Rio 2007 (como eu chamo o Pan do Rio 2007) foi a maior demonstração da roubalhera indiscriminada em termos de superfaturamento de obras. Até o TCU confirmou que fizemos um Pan pelo custo de cinco.

Além do HSBC que ficou com a arena, quem mais lucrou com o Pânico do Rio? As construtoras, imobiliárias, incorporados que ganharam as instalações dos atletas e venderam a preços exorbitantes para a classe média-alta.

Tentar defender a realização desses eventos é fazer chover no molhado. Mas sempre tem aqueles que vão dizer que precisámos mostrar ao mundo nossa competência e esquecer o complexo de vira-latas. Conversa para boi dormir.

Os lulistas que o digam, pois isso mexeu com o ego deles. Vamos fazer uma Copa e uma Olimpíada, pois mesmo sem estes eventos, o Brasil seguiria com seus problemas, dizem os defensores.

Eu nunca gostei da ideia. Não complexo de vira-latas e acho que, se há alguém a quem devemos provar alguma coisa, esse alguém é o povo que demanda saneamento básico (com recursos federais e que muitos municípios não elaboram projetos!), transporte público de massa e etc.

E para fazer isso, não precisamos realizar Copa e nem Olimpíadas. Muito menos nos preocuparmos com o pensam de nós espanahóis, canadenses, chineses, angolanos e marcianos.

    augusto2

    Bom, eu diria que indiretamente precisamos sim.
    O Lulão achou que pra completar o corte do velho complexo… precisavamos.
    Era bem util. eu tendo fortemente a concordar com ele.
    E nada mix de coisas não excludentes.
    tudo do pao,e algo bonito da area dos circences.

Wagner

Julio Silveira

Mas enriqueceu muita gente cujos grupos trabalham a sombra do poder.

Luana

Vale a pena a leitura da entrevista do Carlos Vainer, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ, publicada em novembro passado no “Le Monde Diplomatique”. Segundo Vainer, “estamos sofrendo uma manipulação brutal”. Recomendo!

http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=1036&PHPSESSID=02c6db035a5a12a931cf7131ef4e5d3f

Willian

Se a Copa do Mundo for um sucesso, será um sucesso do PT (Lula em particular). Caso contrário, rateie-se o insucesso entre FIFA, CBF, Globo, governadores e prefeitos (preferencialmente os de oposição). Ah, sem esquecer de FHC, que ficou oito anos no poder e não blá blá blá…

Luís

Nossa!!!! Descobriram a América!!

Gerson Carneiro

Copa do Mundo não é realizada para reduzir pobreza por onde passa. Fosse assim a Espanha não estaria passando o aperreio que está.

E acha que o Brasil não é capaz de realizar uma Copa do Mundo é assumir o espírito de vira lata.

    Daniel

    Se a função da copa não é reduzir a pobreza, porque o Grande Defensor dos Pobres fez questão de realizá-la no Brasil?

    Willian

    Marketing pessoal do Lula. Quantas vezes você ouviu dizer que Lula trouxe a Copa e as Olimpíadas para o Brasil? Nunca antes na história deste país dois eventos de tamanha magnitude se realizaram por aqui.

    “É o Brasil chegando no primeiro mundo, voltando a dar orgulho aos brasileiros.”rs

    Para o pessoal de Cuiabá, Manaus e Brasília, estados sem futebol, parabéns pelos Elefantes Brancos que estão sendo construídos. Como é o saneamento básico por aí?

Nelson

Lucros, lucros,lucros!

Não, cara pálida, não mesmo. Esses grandes eventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, não são promovidos visando à criação de empregos e benefícios à população dos países e cidades sediadores. Isto pode até ocorrer, mas de forma incidental.

O objetivo é abrir espaços para a acumulação de mais lucros por grandes empresas privadas. Especialmente nestes tempos de acirramento crescente da crise do sistema capitalista, quando se escasseiam as fontes para a obtenção de mais ganhos.

Gerson Carneiro

Copa do Mundo não reduz pobreza nem nos lugares aonde são fabricadas as bolas da Nike. E o jornalista que for lá querer saber qualé a de mermo ainda leva uma pêa, rs.

Daniel

Mas isso é óbvio. Só o Lula e seus seguidores fanáticos não sabiam.

    Gerson Carneiro

    Curioso é que, segundo sua opinião, os demo-tucanos sabiam, mas nenhum abriu mão de ser sede da Copa. São Paulo por exemplo, brigou para sediar a abertura da Copa.

    Não vi, por exemplo, Ácaro Dias subir à tribuna para recusar Curitiba como uma das cidades sedes da Copa.

    José Roberto

    Gerson, meu filho, não se faça de tonto.
    Foi o apoio incondicional do Governo Federal que garantiu a Copa e as Olimpíadas no Brasil.
    Se Lula não tivesse entrado de cabeça e dado o aval do Governo Federal para essas duas roubadas, o Brasil não teria sido “agraciado” pela Fifa e COI.
    Agora só resta os trouxas aqui, nós dois incluídos, pagarmos a conta dessa brincadeira.
    Sds

    Gerson Carneiro

    José Roberto, meu pai, não se faça de tonto.

    Copa do Mundo não é realizada para reduzir pobreza por onde passa. Fosse assim a Espanha não estaria passando o aperreio que está.

    E acha que o Brasil não é capaz de realizar uma Copa do Mundo é assumir o espírito de vira lata.

    Óbvio que foi o Lula que trouxe a Copa. Óbvio que foi o Lula que trouxe as Olimpíadas. E seria igualmente criticado se não tivesse trazido. Seria no mínimo tachado de incompetente, incapaz de trazer investimentos para o Brasil.

    Zezinho

    Para o Gerson o PSDB é a culpa de todos os males do Brasil. O sagrado PT nunca faz nada equivocado.

    Daniel

    Não seja bobo, os demo-tucanos são tão picaretas quando os peemo-petistas, se estivessem no poder fariam a mesma coisa. A diferença é que os peemo-petistas dizem ser solidários com os pobres e descamisados.

Fernando

Os outros países não eram governados pelo PT.

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