Claudia Rodrigues: Machismo, violência sexual e racismo, crimes entrelaçados contra a mulher

Tempo de leitura: 5 min

Mulher, racismo e violência: crimes que se sobrepõem

Por Claudia Rodrigues*, especial para o Viomundo

Este 25 de novembro é o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, data na qual tem início em mais de 150 países a campanha anual “16 Dias de Ativismo Pelo Fim da Violência Contra a Mulher”, com término em 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.

No Brasil, esse calendário é sempre antecipado em cinco dias em razão do Dia da Consciência Negra, 20 de novembro.

Devido a essa peculiaridade, aqui no país a campanha passou a se chamar “21 Dias de Ativismo”.

Neste ano, a campanha capitaneada pela ONU Mulheres traz o tema “Onde você está que não me vê?”.

Nós, mulheres brasileiras, principalmente a parcela negra, temos neste mês, portanto, três momentos que marcam a nossa luta.

Não sem motivo, a temática dessas datas tem um triste entrelaçamento, tanto porque os índices de violência contra as mulheres são altíssimos, quanto porque, ao se fazer o recorte de cor, as mulheres negras são as mais atingidas, duplamente afetadas, pelo machismo e o racismo.

Não custa lembrar que a maioria da população brasileira é negra e feminina.

Pesquisas revelam que existe em vários países, Brasil incluído, uma pandemia de violência contra mulheres e meninas, e que esta afeta uma em cada três pessoas da população feminina em algum momento da sua vida.

Metade das mulheres mortas em todo o mundo foram assassinadas por parceiros ou familiares.

Em comparação, apenas um em cada 20 homens foram mortos nas mesmas circunstâncias.

No Brasil, quinto país com maior taxa de homicídios de mulheres, especialistas entendem que feminicídio é epidemia, e resulta em 2 mil órfãos desse crime por ano.

Conforme dados de 2018, uma mulher foi assassinada a cada duas horas no país, e as negras são quase 70% das vítimas. Registre-se também que 82% das pessoas transexuais assassinadas são negras.

Os meios de comunicação noticiam rotineiramente aumento do número de agressões, maus tratos, exploração e morte de mulheres, em sua maioria negras e moradoras de bairros periféricos.

A misoginia e o machismo se tornam evidentes nas estatísticas que mostram que a maior parte dos feminicídios acontece dentro de casa, é cometida por maridos e companheiros, atinge aquelas com menor escolaridade e é maior entre as mulheres negras.

Um feminicídio a cada nove dias em São Paulo, antes da pandemia do coronavírus.

E durante a quarentena houve aumento de 44,9% nos casos de violência contra mulheres na capital. O número de assassinadas dentro de sua própria casa aumentou 46,2% – e a realidade pode ser ainda pior, já que houve dificuldade de notificação devido à redução do atendimento em algumas delegacias e também porque, confinadas em casa, as vítimas ficaram limitadas em suas chances de pedir socorro.

O Estado de São Paulo tem apenas 134 Delegacias de Defesa da Mulher, sendo que somente dez funcionavam 24 horas antes do isolamento acarretado pela covid-19.

E o governador Dória, lamentavelmente, vetou uma lei que obrigava todas elas a funcionarem em período integral, inclusive aos finais de semana e feriados.

Na ausência de delegacias especializadas em quantidade suficiente, o governo do Estado deveria capacitar agentes das delegacias comuns para oferecer atendimento apropriado às vítimas de violência doméstica.

Balanço anual do Disque 100 indica que o país registrou 17.288 casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes em 2019, mais de 14 mil eram meninas.

A violência sexual ocorre na casa da própria vítima ou do suspeito em 73% dos registros, e é cometida por pai ou padrasto em 40% das denúncias.

Para milhares de mulheres e meninas a ameaça é maior onde deveriam estar mais seguras: em suas próprias residências. Por medo ou desinformação, raramente a vítima pede socorro.

O Brasil lidera o número geral de assassinatos no mundo: quase 60 mil homicídios por ano.

Desse total, 75,7% das pessoas mortas são negras, e os homens negros são as principais vítimas de morte violenta, sendo os jovens de 15 a 29 anos a maioria, ou 53,3% dos registros, conforme o Atlas da Violência 2020.

Do total de jovens assassinados aqui, 77% são negros, comprovando que o racismo estrutura a desigualdade. A cada 23 minutos, morre um jovem negro, segundo levantamento da Anistia Internacional. Não é exagero falar em genocídio da juventude negra.

Uma das principais causas apontadas por especialistas é a famigerada “guerra às drogas” praticada pelas forças de segurança pública, que veem os jovens pretos e pobres das favelas como perigo.

Também neste caso, ainda que indiretamente, as mulheres são vitimadas por essa violência do racismo, por serem as mães, avós, tias e irmãs das vítimas assassinadas ou feridas.

Paradoxalmente, muitas delas são mães ou parentes de policiais jovens e negros – a maioria entre os agentes de segurança que morrem nas operações de rua.

Sabemos o quanto a violência do machismo nas suas versões física, psicológica, sexual, moral, patrimonial e institucional abala a dignidade da mulher.

Quando associada ao racismo, em si uma outra violência secular, compromete o desenvolvimento humano, emocional, social, político e econômico de toda a sociedade.

Vejamos outros dados que expõem cruamente o racismo.

Embora sejam 54% da população total do Brasil, as negras e os negros são apenas 24% na Câmara dos Deputados, conforme a eleição de 2018.

A taxa de analfabetismo da população negra é de 9,1%, enquanto a da branca é de 3,9%.

Recente pesquisa de uma consultoria em marketing digital mostra que 24% das empresas entrevistadas não têm mulheres negras no quadro de funcionários.

No segundo trimestre de 2020, a diferença na taxa de desemprego entre pretos e brancos no país foi a maior desde 2012. Os negros são os mais atingidos, assim como os jovens de 18 a 24 anos (quase 30% deles não têm emprego) e as mulheres.

Aproveitando que estamos às vésperas do segundo turno da eleição para prefeito, e tendo em mente que é nas cidades que precisam ser efetivadas as políticas de combate aos crimes de violência em todas as suas formas, penso em algumas medidas que o próximo chefe de governo municipal poderia adotar, para além do arcabouço legal e dos programas já existentes no país e na cidade.

O município de São Paulo precisa pôr em prática em sua plenitude duas leis municipais de amparo às mulheres vitimadas por violência.

Uma é a que assegura 5% das vagas de emprego nas empresas terceirizadas da prefeitura para mulheres vítimas de violência doméstica.

Outra é a que garante auxílio aluguel para as vítimas que detêm medida protetiva decretada pela Justiça.

Duas formas de prover o mínimo de autonomia econômica para que elas consigam se desvencilhar dos seus algozes.

Constituir núcleo especial de acompanhamento das mulheres com medida protetiva, para prevenir feminicídios; ampliar grupos de recuperação de homens agressores; criar o Observatório Municipal da Mulher; expandir o acesso das mulheres em situação de violência a programas de habitação; incrementar o combate à homofobia; promover a diversidade e a cidadania LGBTQIA+; e coibir a exploração sexual de mulheres, jovens e crianças são outras medidas inadiáveis – válidas para praticamente todos os municípios.

Por que não criar uma Defensoria Municipal da Cidadania para suporte legal às vítimas de racismo, que possa acompanhar e investigar os autos de resistência emitidos no município?

Deve-se penalizar empresas cuja prática induza a atos e crimes de racismo – como o recente assassinato do homem negro João Alberto no Carrefour de Porto Alegre, que não foi um caso isolado.

As cidades deveriam elaborar ou aperfeiçoar legislação que permita cassar o alvará de estabelecimentos que cometam esse tipo de crime. As Câmaras de Vereadores e o poder Executivo municipal precisam assumir seu papel nessa luta. No mínimo conclamar a população a um debate sério a respeito.

Machismo e racismo matam. Não podemos mais conviver com esses crimes!

Cidades democráticas precisam ser necessariamente antirracistas e antimachistas.

Claudia Rodrigues, 48 anos, é presidente da União Brasileira de Mulheres (UBM) na cidade de São Paulo e integrante do Conselho Municipal de Políticas para Mulheres


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Comentários

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Maria Mariana

Na minha opinião para quem mata outro ser humano deveria existir prisão perpétua no Brasil. Seja o morto mulher ou homem.
Apesar do nosso judiciário classista, elitista e que é demasiado duro contra os negros. Eu acho que ainda a melhor solução para homicídios seria a prisão perpétua. Se o juiz errar tem como reverter nesse caso.
Outra solução seria educar os homens desde meninos na escola.
Educar homem barbado que senta o braço em mulher e, pior, mata, não vai dar certo. Será a mesma coisa de tentar converter ou educar estuprador.
Só que na escola demora o resultado. A educação vai demorar uns 20 ou 30 anos para dar resultado.
Mudança na CF 88 depende de vontade política. Sem representação abundante das minorias no congresso é difícil mudar. Mas pode ser muito mais rápida a mudança.
Tem que ver TB a experiência nessa área em outros países do ocidente.

Zé Maria

Mulher e Negra: Condições de Risco com Agravante.

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