Carlos Hetzel: Apagão do primeiro satélite 100% brasileiro dá prejuízo diário de R$ 350 mil

Tempo de leitura: 7 min
(Brasília - DF, 04/05/2017) Transmissão do Lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas – SGDC. Foto: Beto Barata/PR

Michel Temer na transmissão do lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas – SGDC.
Foto: Beto Barata/PR, via Fotos Públicas

O APAGÃO DO SATÉLITE BRASILEIRO

por Carlos Des Essarts Hetzel*

Nas últimas semanas, o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação – SGDC I – foi estrela na mídia nacional e internacional.

Duas notícias ganharam os holofotes.

A primeira, a denúncia de que tinha sido passado para as mãos da empresa americana Viasat, o que representaria “porta aberta” para a espionagem das nossas comunicações, além de quebra da soberania nacional.

A segunda, o lançamento pelo governo federal do programa “Internet para Todos”. Mais precisamente para atender às necessidades de escolas públicas e postos de saúde das regiões Norte e Nordeste do País.

Para melhor entendê-las, é necessário pontuar alguns dados sobre o verdadeiro nó cego que existe no setor, resultado de intricadas manobras feitas nos últimos anos pelos gestores da Telebrás.

Vamos por partes, começando pelo SGDC I.

Sobre SGDC I, o portal Telebras salienta :

O primeiro satélite 100% brasileiro

O SGDC é um satélite extremamente avançado e imprescindível que utilizará a alta capacidade da banda Ka para ampliar a oferta de banda larga aos locais mais distantes do Brasil com internet de qualidade. Vai assegurar a defesa e soberania nacionais e expansão da capacidade operacional das Forças Armadas…

Em meus artigos — entre os quais “Escândalo, entrega do satélite cria apartheid digital” e “SGDC, falta de planejamento causa prejuízos de milhões ao erário” – sempre denunciei a intenção do governo Temer de privatizar a faixa destinada às comunicações domésticas do SGDC.

No final de 2017, a Telebrás tentou, mas não houve NENHUM interessado.

Em consequência,  ficou com a brocha na mão. Afinal, passados 2 anos, as Estações Terrenas – VSAT´s -ainda não foram adquiridas, logo, o sistema está incompleto, sem condições de uso pela sociedade.

As Estações Terrenas são necessárias para “fechar o circuito” do sistema de comunicações via satélite. Sem elas, o satélite é um lixo espacial, um espelho que não reflete.

A continuar o estado atual, o resultado será um valor negativo para a sociedade brasileira. As variáveis abaixo servem como fatores de uma operação matemática:

1. Início das atividades do satélite em 04/05/2017

2. O tempo de vida útil do satélite é de 15 anos devido à limitação do combustível

3. Está em operação há 10 meses.

4. Custo do satélite em órbita é de R$ 2,7 bilhões.

O SGDC I talvez seja o satélite mais caro do mundo. Custou aos sofres públicos a “bagatela” R$ 2,7 bilhões.

Como a banda de comunicação civil ainda não está em uso, estamos amargando um assustador prejuízo financeiro e social, pois este valioso espelho espacial está gastando sua vida útil a cada minuto, sem cumprir os seus objetivos.

Considerando que o custo da banda de comunicação civil representa 70% dos R$ 2,7 bilhões investidos e o satélite tem 15 anos de vida útil, façamos as contas:

R$ 2,7 bilhões x 70% = R$ 1,89 bilhão/custo da banda de comunicação civil

R$ 1,89 bilhão ÷ 15 anos = R$ 126 milhões/ano

R$ 126 milhões ÷ 12 meses= R$ 10,5 milhões/ mês

R$ 10,5 milhões ÷ 30 dias = R$ 350 mil /dia

Portanto, nestes 10 meses sem uso/faturamento, fomos agraciados com R$ 105 milhões de “prejuízo”.

Importante: esse cálculo é bem simplista, sem considerar taxa Selic, lucro cessante, valor do câmbio (já que todo investimento foi em dólar), custo administrativo, operacional, impostos, etc etc.

Resultado: Com esses dados,  a cobrança de instituições da sociedade civil e o risco real de esse caríssimo e estratégico patrimônio nacional ficar sem utilização, a Telebrás teve de correr atrás do prejuízo e comprar os equipamentos terrestres a toque de caixa.

Assim, com a faca no pescoço,  fechou um contrato comercial com a empresa americana Viasat, para o fornecimento das estações VSAT, ou seja, os equipamentos que faltam para se utilizar a banda civil de comunicação.

Trata-se de “fornecimento de equipamentos terrestres”, sem que haja qualquer entrega de comando sobre os canais de comunicação.

O decreto 7.769 está em vigor e prevê esta modelagem de implantação:

DECRETO Nº 7.769, DE 28 DE JUNHO DE 2012

Dispõe sobre a gestão do planejamento, da construção e do lançamento do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas – SGDC.

Art. 8o, A TELEBRÁS poderá contratar com terceiros o fornecimento de bens, serviços e obras de engenharia necessários à construção, integração e lançamento do SGDC e ao transporte de sinais de telecomunicações, bem como do segmento terrestre correspondente.

Essa operação comercial, especificamente, não privatiza o satélite nacional.

Como eu disse no começo, a privatização dele foi tentada pela Telebrás no final de 2017, mas empresas privadas do setor não se interessaram.

Na minha avaliação, foi o levou a saída do seu presidente, em março deste ano, após apenas 6 meses e meio no comando daquela que já foi a mais poderosa holding da América Latina, devidamente destruída pela privataria do governo do tucano FHC.

O grande problema é que o contrato com a Viasat tem defeitos e não atendeu às premissas básicas mínimas de uma licitação “de” e “para” o mercado.

Uma situação difícil de ser resolvida, pois a falta de utilização desses equipamentos demonstram falta de planejamento e má gestão desde o início da aquisição deles.

Como já foi divulgado pela mídia, as empresas concorrentes da Viasat se sentiram prejudicadas e entraram com recurso judicial.

Através de liminar, elas já conseguiram impedir a continuidade do contrato entre a Viasat e a Telebrás.

Com isso, o enredo desta triste novela vai se arrastar por mais tempo, aumentando o prejuízo para a sociedade brasileira, principalmente para as 30 milhões de famílias “apagadas”, os excluídos digitais das regiões Norte/ Nordeste.

Como a viúva é que vai pagar, não vejo esforços para uma solução imediata para este nó cego, já que os gestores do setor estão envolvidos em negociações para substituir o presidente demissionário da Telebrás.

Agora, que fique bem claro: neste momento, está em jogo somente a banda de comunicação civil — banda Ka.

A de uso militar, a banda X, operada e mantida pelas Forças Armadas, embora não atenda a todas suas necessidades de conectividade, aparentemente, está muito bem obrigado. Não há nenhum problema com ela, ao contrário do que andou sendo divulgado.

Portanto, é fundamental que o novo gestor da Telebrás solucione os impasses envolvendo a questão dos equipamentos terrestres da banda k.

As ações nesse sentido devem ser lastreadas na lei e nas políticas públicas definidas como premissas para a operação do SGDC I, evitando assim, eternos conflitos e paralizações, seja com o TCU ou com os agentes privados do setor.

O objetivo central deve ser o uso adequado e efetivo do satélite SGDC.

É o que a sociedade precisa e cobra.

Foi para isso que a sociedade pagou e continua pagando.

Para acrescentar mais pimenta neste angu, em 28 de março a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) abriu novo chamamento público para privatizar parte do SGDC I.

A Inmarsat, empresa britânica de telecomunicações via satélite, já mostrou interesse na exploração da banda Ka.

Se isso se concretizar, a Inmarsat controlará as comunicações civis do satélite, um erro gravíssimo e irremediável, feito por quem não pensa o Brasil como brasileiro de verdade.

Isso, sim, representará a privatização das comunicações civis brasileiras via satélite.

Temos capacidade técnica e de gestão para encontrar uma solução rápida e eficiente sem lançar mão de uma política entreguista.

Aliás, os ácaros do meu guarda roupa teimam em afirmar que o imbróglio com a compra dos equipamentos terrestres foi proposital, para justificar a entrega do satélite SGCD para o capital transnacional.

Dinâmica parecida foi executada com sucesso na entrega/venda/privatização da Embratel e dos nossos satélites geoestacionários.

Quanto ao lançamento do programa “Internet para Todos”, divulgado com grande estardalhaço pela grande mídia, o objetivo seria disponibilizar internet em “banda larga” para todos os postos de saúde e escolas das regiões não atendidas pela iniciativa privada.

Sem querer ser dono da verdade, aviso que não será possível implantar esse programa, utilizando somente o satélite SGDC-I.

A instalação de equipamentos — as ETN´s, que são as estações terrenas Vsat´s – pode até acontecer, mas o resultado será pobre.

Matematicamente é impossível atender à demanda reprimida, considerando somente as regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste, as mais apagadas digitalmente do País.

Dados simplificados:

*Todo o canal de comunicação civil — a banda Ka — tem 64,2 Gbps disponível para transporte de dados, sendo 45 Gbps para enlace direto (download) e 19,2 Gbps para enlace de retorno (upload).

*Desses 64,2 Gbits, dois terços, ou seja, 42,8 Gbits, terão uso exclusivo para o Programa Nacional de Banda Larga — PNBL. O restante atenderá a demandas estratégicas da Presidência da República (ministérios, bancos estatais, Policia Rodoviária Federal, ECT, Infraero, etc).

*Como o objetivo do programa é atender pelo menos 2.710 municípios (450 da região Norte, 1.794, da Nordeste e 466, da do Centro-Oeste) e em cada um serão abertos outros pontos de atendimento, o quadro é preocupante.

Se dividirmos 42,8 Gb (sendo bastante gentil em considerar a média de banda entre up/dowload) por 2.710 municípios, teremos um total de 15,8 Mbps por município (o governo considera aptos para formalizar a adesão ao programa 2.766 municípios).

Em cada município, serão abertos outros pontos para atender a escolas, hospitais e postos de saúde.

A título de exemplo, tomemos o município de Bananeiras, na Paraíba, que tem 21 mil habitantes e os seguintes estabelecimentos:

De Ensino Fundamental: 43 (4.056 alunos)

De Ensino Médio: 4 (1.448 alunos)

De Saúde (SUS): 15

Total de pontos a serem atendidos = 62

Considerando que cada ponto referente a uma escola possua, no mínimo, 10 terminais de computador, haverá 470 terminais para 5.504 alunos.

Contabilizando somente três terminais para cada posto de saúde, teremos uma média de, no mínimo, 515 usuários trafegando pela rede internet via satélite, com picos de tráfego entre 9h e 17h.

Dividindo 15,8 Mb — a taxa disponível por município — entre os 515 usuários dos 62 pontos de atendimento, teremos uma banda/velocidade para cada usuário de 30,6 Kbps, para Up / Download (transmissão e recepção), valor menor que na época da internet discada.

Seria como a idade da pedra lascada digital em pleno ano 2018.

É uma taxa de transmissão que não existe mais no mundo digital.

É como um cano de 1 polegada levasse água para 5 mil residências, ao mesmo tempo.

Muitos ficarão sem acesso, para que outros possam ter o mínimo de comunicação.

Para disponibilizar a velocidade mínima de 56 Kbps — valor do início da internet no Brasil–só seria possível instalar 282 terminais de computador para as 47 escolas e 15 postos de saúde. Isso daria 4 computadores para cada unidade, com velocidade máxima de 56 Kbps para up/download.

Para você ter uma ideia do quanto isso é pouco, a Federal Communications Commission (FCC), autarquia norte-americana responsável por regular o setor de telecomunicações, considera banda larga de acessos fixos o mínimo de 25 Mbps de Download (recepção/descida) e 3 Mbps de Upload (Transmissão/subida). No último levantamento, 59% dos acessos nos EUA estavam nesta faixa.

Veja bem. Estamos utilizando como exemplo um município de pequeno porte, com apenas 21.500 habitantes. Eles não foram computados neste cálculo, pois conforme declarado no dia 12/03, deveriam também ser agraciados com internet banda larga.

“Eu acho que nós estamos colocando o Brasil no mundo moderno, trazendo a modernidade para o país. (…) Desde 2005 já se falava desse tema de levar a banda larga para todos os municípios e escolas públicas. Hoje, nós podemos comemorar algo que diz respeito aos países mais avançados do mundo, nós estamos levando banda larga para todos os municípios brasileiros”, declarou Temer.

Ou seja, não existe a mínima possibilidade de concretizar a meta divulgada, por absoluta falta de capacidade do satélite.

A conta do programa “Internet para Todos” não fecha, por mais boa vontade que se tenha.

Por isso, alerto: é temerário (Temer-ário) o lançamento deste programa, sem que seja considerado o leque de opções existentes na infraestrutura de telecomunicações brasileira, seja estatal e/ou privada, bem como de outras infovias que se encontram em processo de implantação.

*Carlos Des Essarts Hetzel é tecnológo e especialista em integração de sistemas de telecomunicações. É também bacharel em Direito e especialista em Direito Constitucional Especial

Leia também:

Planos privados de saúde querem garfar mais o  SUS; usuários pagarão 2 vezes


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

RONALD

Não entendo a utilidade de satélite brasileiro?! Somos espionados de cima a baixo, melhor usar “satélite” de terceiros mesmo, é muuuuuuito mais barato !!!!

FrancoAtirador

Curiosidade

Nenhum dos Comandantes das Forças Armadas
vai se manifestar no Twitter ou no Facebook?

Julio Silveira

Desde que o Brasil foi apagado com o golpe misto, rsrsrs, não duvido nada que não tenha sido um golpe, feito de sabotagem compartilhada, que fez apagar esse satelite. Dessa forma ele dá muito prejuizo ao Brasil, mas lucro a muita gente, de golpista entreguistas a vendedores de facilidades, dessa forma alguns empoderados lucram com a desgraça do país do qual se acostumaram a não ter nenhuma afeição civico patriotica, quando não possam, egoisticamente, lucrar.

Deixe seu comentário

Leia também