Álvaro dos Santos: Os limites dos alertas pluviométricos

Tempo de leitura: 3 min

por Álvaro Rodrigues dos Santos

O meio técnico brasileiro — geólogos, engenheiros geotécnicos, geógrafos, urbanistas, hidrólogos, profissionais de defesa civil, etc. — que lida diretamente com os problemas associados a áreas de risco, enchentes e deslizamentos, saudou efusivamente a aprovação da Lei nº 12.608, de 10 de abril de 2012, recém assinada pela Presidência da República, que instituiu a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC, o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil – SINPDEC e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil – CONPDEC.

Essa moderna legislação é fruto direto das intensas discussões promovidas pelas associações técnicas brasileiras em reação ao recrudescimento das tragédias ocorridas em diversos estados brasileiros nos últimos anos. Contou, felizmente, para sua elaboração e conclusão, com a competência e a dedicação de profissionais pertencentes a vários órgãos do governo federal.

Um belo tento lavrado e que coloca o país em um patamar internacional de qualidade no tratamento legal dessa terrível temática. Que essa moderna legislação faça-se agora cumprir nas práticas governamentais em seus vários níveis, federal, estadual e municipal.

A propósito, ressalte-se que essa ambicionada legislação apóia-se conceitualmente e estrategicamente em uma abordagem de cunho preventivo, onde se coloca como objetivo maior a eliminação radical das áreas de risco.

Por sinal, a necessidade de se centrar o foco estratégico de um programa de gestão de áreas de risco na abordagem preventiva ficou mais uma vez evidente quando dos mais recentes acontecimentos de Teresópolis RJ, ocasião em que, por decorrência de deslizamentos e enchentes causados por chuvas intensas, mais 5 pessoas perderam a vida e mais de 1.000 moradores ficaram desabrigados.

Ao dedicar atenção prioritária e expectativa exagerada nos sistemas de alertas pluviométricos a administração pública brasileira corre o risco de cometer gravíssimo erro na definição de seus focos estratégicos para a gestão dos trágicos problemas associados a deslizamentos e enchentes urbanas no país. A insistência nesse erro resultará na continuidade da exposição de milhares de brasileiros aos recorrentes e letais acidentes que a cada ano registram-se em escala crescente em centenas de municípios do país.

Diferentemente dos terremotos, vulcanismos e tufões, nossos desastres são todos associados a erros cometidos pelo próprio homem na ocupação de áreas geologicamente inadequadas para tanto, ou áreas que, por suas características, exigiriam no mínimo técnicas construtivas para elas especificamente apropriadas. Ou seja, são desastres perfeitamente evitáveis, caso assim decida e determine a administração pública.

Ou seja, para o caso brasileiro é fundamental ter em conta que os sistemas de alerta pluviométrico para redução de riscos são indispensáveis, mas fazem parte de uma lógica de Defesa Civil e só se prestam em um quadro de ações emergenciais de curtíssimo prazo, a cobrir apenas o espaço de tempo necessário à adoção de medidas corretivas e preventivas definitivas.

Porém, ao fazer desses sistemas seu foco privilegiado de ação e busca de resultados e não investir esforço maior na abordagem corretiva e preventiva, o governo estaria na prática adotando uma cruel estratégia de convivência com o risco, de aceitação e administração do risco, uma temerária acomodação frente ao que seria essencial e possível, qual seja a eliminação do risco.

No âmbito desse correto entendimento, o foco corretivo de curto prazo deverá estar na remoção e reassentamento dos moradores das áreas de alto e muito alto risco geológico natural e na consolidação geotécnica das áreas de baixo e médio risco natural, e o foco preventivo no oferecimento de alternativas habitacionais à população de baixa renda e na rígida regulação técnica das expansões urbanas para que radicalmente não sejam permitidas (e muito menos incentivadas) novas ocupações de áreas geologicamente sensíveis e para tanto impróprias.

Definitivamente há que se perceber que em nosso país a questão áreas de risco está direta e prioritariamente vinculada às políticas públicas de planejamento urbano e habitação popular, e somente sob essa abordagem terá solução virtuosa e definitiva.

Álvaro Rodrigues dos Santos ([email protected]) é consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente. Foi diretor da Divisão de Geologia e de Planejamento e Gestão  do IPT. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão”,  “Diálogos Geológicos” e “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”

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fogo na mata

"Um belo tento lavrado e que coloca o país em um patamar internacional de qualidade no tratamento legal dessa terrível temática"

O "tento" seria bem mais "belo"se, ao inves de sistemas de alarmes o governo não tivesse trabalhado para "flexibilizar" o Codigo Florestal.
As raizes do problema são os desmatamentos ilegais, a destruição das matas ciliares.

Caracol

O autor está certo, investir em sistemas de alarme e ficar só nisso é papo furado, coisa pra inglês ver. É o mesmo que se limitar a prescrever antifebril pra doente e desdenhar da tuberculose que o está matando.
É necessário e urgente – considerando o exemplo da selvageria no crescimento e impermeabilização das metrópoles – dragar rios, remover construções das margens e acabar com essa cultura de lixo na rua, coisa de sociedade porca. Isso em lugares como Teresópolis. Em S. Paulo… não tem mais jeito, podem tirar o cavalinho da chuva (literalmente).

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