Aline Blaya: Em 2022, de vermelho, diremos basta com a bênção da ventania de Iansã!

Tempo de leitura: 4 min

2022: o ano do BASTA!

Por Aline Blaya Martins*, especial para o Viomundo

Natal já passou (ainda bem) e o tal do Ano Novo também.

Eu, como sempre passo essas duas semanas em um misto de resignação e frustração que, por fim, terminam sendo transformadas em algo melhor.

Mas confesso que ainda tenho este como o período anual da hipocrisia e da capitulação à sociedade de controle e de consumo.

Sei que deveria ser bom, mas quase nunca é. O que deveria ser a celebração da solidariedade e da esperança vira celebração do consumo, ou da frustração (no caso da grande maioria que não tem condições de consumir nada além das próprias lombrigas) e da cobrança ou do abandono.

Cobram com qual lado da família vamos estar, onde, com que roupa, comendo que comida, dando que presentes…

Tudo sem qualquer sentido, ainda mais se considerarmos que em um feriado se comemora o nascimento do primeiro comunista que pisou na Terra e que andou entre nós.

Sim, aquele que andava entre leprosos e prostitutas, que dividia o pão, o vinho e que lutava contras as injustiças. O sujeito que deu a própria vida pela causa, por nós. Veja bem, por nós, não por ele, nem pelos filhos, nem pelos pais… Por nós, pelo coletivo.

Uma semana depois, inicia-se mais um ano e com ele celebramos o Dia Mundial da Paz, também considerado o Dia da Fraternidade Universal, outro feriado internacional, adotado por quase todas as nações do planeta.

Diante disso, podemos pensar no tamanho do desafio que deveria estar posto para a reflexão da humanidade no tempo histórico e diante do contexto social que vivemos. Ficamos semanas pensando em onde estaremos, com quem, que roupa usaremos e seguimos… Como se nada houvesse.

Seguimos desejando que o amigo imaginário que vem do Polo Norte (óbvio que tinha que vir deste lado do globo), ou a lentilha, ou a roupa branca, ou a proscrita e nesta época valorizada, Yemanjá, nos livrem do mal, amém. Feliz 2022, fora Bolsonaro e dá-lhe Lula!

Contudo, passadas algumas décadas de frustração, já se sabe que nem as flores para Yemanjá e nem os pulos com determinado pé foram capazes de impedir a morte de milhares de pessoas pela COVID-19 poucos meses depois das festas de 2020, nem de impedir que cidades inteiras na Bahia estivessem debaixo d´agua em 2021, nem de termos, em um dia 1º de janeiro, há três anos, embarcado em uma nau furada e que hoje segue afundando literalmente e à deriva.

Esperançar é necessário, é preciso. Celebrar a vida de JC, a paz e a fraternidade é imprescindível e se pudermos estar com os que amamos será sempre uma dádiva.

Mas, quando nos daremos conta que nada disso é sobre mim, ou sobre os meus, ou sobre fulano ou sicrana?

Quando nos daremos conta de que o processo histórico que nos conformou foi pautado na exploração, na expropriação, na desigualdade, na violência, na fome coletiva e na alienação?

Um dia culpamos o futebol como o ópio do povo, sabíamos nada. Os ópios estão espalhados sobre as mais diversas formas e o capitalismo literalmente nos vende até Jesus… Quer dizer, vende para quem puder comprar.

Quando faremos a reflexão sobre porque quem produz o alimento talvez nestes dias não tenha tido uma ceia?

Ou sobre como naturalizamos olhar a revista do consultório do dentista e sonhar com celulares, carros e viagens que o apresentador da maior emissora de televisão tem, sem sequer nos questionarmos sobre o quanto é insano o trabalhador que produziu tudo aquilo jamais possa sonhar em consumir essas mercadorias para dar a um filho em uma noite de Natal?

E sabe qual é o problema? Que muito possivelmente você esteja lendo este texto e pensando… Nossa, que chata, que presunçosa. Lutamos tanto nesse ano que acabou, fizemos tanto no combate à fome, na militância, no #forabolsonaro.

Fizemos?!

Importante lembrar que há quem queira fazer jardim e horta na favela, há quem queira “ajudar” os pobres e há quem não queira que alguém precise morar em uma favela, ou quem lute para que ninguém seja pobre e que precise ser “ajudado”, humilhado e rotulado como incapaz de prover por condições materiais mínimas à dignidade humana.

Mas, isso não é sobre mim ou sobre você, e nem sobre o assistencialismo que tem sido imprescindível já que ninguém luta de barriga vazia.

Isso é sobre nós, sobre coletividade, sobre a classe trabalhadora que tudo produz e a quem quase nada pertence, que no fim, em grande parte, precisa se contentar com colorir as paredes de uma moradia onde o esgoto corre a céu aberto ou em celebrar a ajuda que garantiu ter um prato de comida na ceia de Natal e umas bolachas recheadas ultraprocessadas de sobremesa.

Para 2022 eu não pedi milagres, não usei roupa branca, e pouco importa se eu comi ou não lentilha. E o que eu desejei e fiz simplesmente não interessa.

Neste ano irei esperançar e ser esperançada pelas quebradas e que o fundo do poço que se aproxima cada vez mais tenha um chão duro o suficiente para que nós tomemos impulso para emergir, para dizer basta.

Para dizer que é tudo sobre nós e que o que precisamos não é de “ajuda”, mas é de poder popular, responsabilidade, compromisso coletivo e oportunidade para que cada um possa ser agente da sua própria história e da nossa história.

Comunidade, comuns em uma unidade. Só assim poderemos construir um novo homem capaz de se comprometer mais com o nós do que com o eu e capaz de compreender e fazer valer à máxima “Proletários de todos os países e povos oprimidos do mundo inteiro, uni-vos”.

Mas, não nos unamos para garantir a todos o peru de Natal, ou uma roupa branca para a virada de ano ou uma latrina adaptada em um casebre com ar inóspito localizado em uma viela onde uma ambulância jamais conseguirá chegar.

Unamo-nos para construir algo que ainda não tivemos oportunidade de viver e que juntos precisamos construir.

Celebremos, mas não celebremos apenas o peru doado ou o emprego em serviços gerais que permitiu à dona Maria comprar uma camiseta nova para cada um dos meninos passarem as festas.

Celebremos a força do povo. Somos muito mais combativos do que imaginamos e no dia em que nos dermos conta teremos muito mais a comemorar e pouca diferença fará com quem estamos, ou onde, ou com que roupa.

Será nós por nós gritando #javaitardebolsonaro e escolhendo quem vai conduzir as massas, quem vai nos fortalecer, por dentro, e fora, do Estado burguês.

Vamos nessa porque 2022 promete e diremos BASTA, de vermelho, com a bênção da ventania de minha mãe Iansã. Celebremos a luta.

Aline Blaya Martins: Mulher, mãe, militante social do Coletivo Célia Sánchez, professora, coordenadora do Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva da UFRGS.


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Comentários

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Zé Maria

A Caridade dos Ricos – que a Mídia do Mercado, dos Banqueiros e Latifundiários,
chama de ‘Solidariedade’, para confundir os Pobres – se sintetiza mesmo
na Construção de “uma latrina adaptada em um casebre com ar inóspito
localizado em uma viela onde uma ambulância jamais conseguirá chegar”.
Jamais cogitam em recolher impostos para a execução de um Projeto Habitacional,
como o “Minha Casa, Minha Vida”, a entregar Moradias Populares, com Infraestrutura
Urbana, aos Milhões de.Trabalhadores Sem-Teto Brasileiros.

Henrique Martins

https://tijolaco.net/casos-de-covid-explodem-e-passam-de-1-milhao-dia-nos-eua/

Pois então. Isso só confirma o que eu disse aqui neste blog: a maioria esmagadora das mortes por Covid vão ser de negacionistas e, portanto, pessoas não vacinadas. Acontece que, quando o bicho pegar aqui no Brasil a população vai culpar alguém.. De novo eu pergunto: adivinha quem?

Henrique Martins

https://noticias.uol.com.br/colunas/felipe-moura-brasil/2022/01/04/o-desabafo-da-filha-do-medico-de-bolsonaro.htm

Diante desse desabafo só quero perguntar à filha do médico de Bolsonaro o que ele ganha em tratar Bolsonaro sem cobrar nada? O trabalho escravo é proibido no Brasil. Bolsonaro por acaso precisa de caridade? A presidência da república não tem recursos para tratar do presidente não? Que eu saiba os funcionários públicos federais possuem planos de saúde… Por que o próprio presidente não teria direito a ter sua saúde tratada pelos cofres públicos e existem recursos até para financiar as motociatas dele?
Agora, não vou me surpreender se seu pai estiver tratando Bolsonaro sem cobrar nada porque é bolsonarista de carteirinha e, portanto, nesse tratamento médico está embutido um interesse político sim minha senhora.
A propósito, o pai senhora é negacionista e anti-vacina?

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