Venício Lima: Que “opinião pública” é essa?

Tempo de leitura: 4 min

Celso de Mello e Joaquim Barbosa conversam durante julgamento no STF (foto Fellipe Sampaio/SCO/STF)

AÇÃO PENAL Nº 470

Que “opinião pública” é essa?

Por Venício A. de Lima em 07/08/2012 na edição 706

no Observatório da Imprensa

“Brasília virou as costas para o julgamento do maior escândalo da história recente do país. Em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), silêncio e um vazio perturbador. O maior ato do dia, que contou com apoio do PSDB, do DEM e do PPS – principais partidos de oposição – reuniu apenas 15 manifestantes.”

Assim começa matéria sob o título “Faltou quorum na praça” que o Correio Braziliense publicou no dia seguinte ao início do julgamento da Ação Penal nº 470 pelo Supremo Tribunal Federal (ver aqui).

No Valor Econômico, a matéria “Nas ruas, mensalão é ignorado pela população, que preferiu Olimpíada”, descreve:

“Na fachada das lojas populares de eletrodomésticos do centro de São Paulo, grandes televisores, cuja compra pode ser parcelada em até 24 vezes, dividiam-se na programação do dia. A animação Monstros S.A. e a transmissão dos jogos olímpicos em Londres ocupavam com grande vantagem as telas, com exceções dedicadas a programas de culinária e uma apresentação da banda americana Bon Jovi. Nenhuma mostrava o primeiro dia do histórico julgamento da Ação Penal nº 470, vulgo mensalão” (ver aqui).

As observações acima constituem exceções. De maneira geral, a grande mídia ignorou o desinteresse da população em relação ao julgamento. Até mesmo os responsáveis pela segurança pública na Praça dos Três Poderes em Brasília teriam sido surpreendidos.

Confirmando os fatos descritos, pesquisas de opinião indicam que apenas uma em cada dez pessoas tem conhecimento do julgamento. Perguntados sobre “quem é o principal envolvido no mensalão?”, o nome mais citado é Carlinhos Cachoeira (cf. CartaCapital nº 709, pág. 21).

Apesar de tudo isso, jornalistas e colunistas insistem em equacionar o massacre dos indiciados que tem sido veiculado diariamente na grande mídia como sendo “a voz das ruas” e “pressão da opinião pública” sobre os ministros do STF para que se condene “os réus do maior escândalo da história recente do país”.

Como escreveu o sociólogo Marcos Coimbra, presidente do Instituto Vox Populi, “o que a grande imprensa brasileira menos quer é que o Supremo julgue. Ela já fez isso. E não admite a revisão de seu veredicto” (ver aqui).

Qual opinião pública?

Existem lições recentes de nossa história política que merecem ser relembradas. Retomo comentários que fiz sobre o livro do historiador e cientista político Aluysio Castelo de Carvalho – A Rede da Democracia – O Globo, O Jornal e Jornal do Brasil na queda do governo Goulart (1961-64)” – coedição da NitPress e Editora da UFF, 2010 (ver “Os jornais e a ‘opinião pública’“).

Carvalho parte de uma visão panorâmica do papel postulado para a “opinião pública” por alguns dos pensadores clássicos da tradição liberal – Hobbes, Locke, Montesquieu, Constant, dentre outros. No Brasil, Rui Barbosa e Oliveira Vianna atribuíram “às elites dirigentes responsáveis o papel de intérprete dos interesses da nação” e também colocaram “a imprensa em primeiro plano, enfatizando sua posição central como órgão da opinião pública” (pág. 29).

A principal hipótese de Carvalho é a de que, no início da década de 1960, os jornais cariocas estudados abandonaram a concepção institucional de representatividade da opinião pública – aquela que se materializa através dos partidos, de eleições regulares e de representantes políticos – e recorreram a outra concepção, a publicista, que “ressalta a existência da imprensa como condição para a publicização das diversas opiniões individuais que constituem o público”.

A adoção da concepção publicista faz com que não só a crítica aos partidos políticos e ao Congresso se justifique, como também sustenta a posição de que os jornais são os legítimos representantes da opinião publica.

A partir da análise de pronunciamentos feitos na Rede da Democracia e de editoriais dos jornais, Carvalho conclui:

“Ocorreu por parte (de O Globo, O Jornal e Jornal do Brasil) uma exaltação da própria imprensa como modelo de instituição representativa da opinião pública, porque se viram mais comprometidos com a preservação da ordem social liberal. Os jornais cariocas construíram uma imagem positiva da imprensa, em detrimento da divulgada sobre o Congresso. (…) Os jornais se consideravam o espaço público ideal para a argumentação, em contraposição à retórica dita populista e comunista que teria se expandido no governo Goulart e estaria comprometida com a desestruturação das instituições, sobretudo do Congresso. Os jornais se colocaram na posição de porta-vozes autorizados e representativos de todos os setores sociais comprometidos com uma opinião que preservasse os tradicionais valores da sociedade brasileira ancorados na defesa da liberdade e da propriedade privada” (pág. 156).

Entre os inúmeros pronunciamentos e editoriais analisados por Carvalho, merece destaque o publicado em O Jornal [2 de março de 1962] que toma como referência o que considera a relação existente entre sociedade e sistema político nos Estados Unidos. Diz o editorial:

“Ninguém ignora quanto o governo americano é sensível à opinião pública e se deixa conduzir por suas reações. Congresso e Poder Executivo não ousam nunca contrariá-la, temendo republicanos e democratas os seus pronunciamentos nas urnas. (…) Nos Estados Unidos os governos condicionam invariavelmente as suas decisões aos resultados da auscultação da vontade e do sentimento do povo, rigorosamente traduzidos pela imprensa” (pág. 159).

Grande mídia e “opinião pública” hoje

A “concepção publicista”, apresentada por Carvalho, foi um fenômeno restrito à articulação do golpe de 1964 pelos principais jornais cariocas ou corresponde a uma postura permanente da grande mídia brasileira?

Diante da cobertura que vem sendo feita do julgamento da Ação Penal n. 470 pelo STF e da postura de jornalistas e colunistas, deixo a resposta com o eventual leitor(a).

***

[Venício A. de Lima é jornalista, professor aposentado da UnB e autor de, entre outros livros, de Política de Comunicações: um balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012]

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Fabio Passos

O PIG ainda sonha com o tempo em que controlava a maior parte da população brasileira. rsrs

Qual a parcela da população ainda permanece adestrada pelo PIG?
6%, 7%?

Rodrigo Leme

O autor trata cobertyura de imprensa como se essa devesse ser pautada pela popularidade. Ou seja, se o povo é despolitizado, não vamos falar de política. Francamente…

O sonho do PT é o discurso sem contraponto. Enquanto não se calarem todos os discordantes, não sossegam.

    Gerson Carneiro

    Azenha, eu acho que deveria vetar os comentários do Rodrigo Leme.
    Deixar só aqueles que ele concorda com a gente. Em que pese eu nunca ter visto um sequer que ele concorde conosco.

    Luiz Carlos Azenha

    Não, Gerson, mas vou fazer um pedido: Rodrigo, concorde conosco!

    Rodrigo Leme

    Não que sempre concordar com o que vem “de cima” sem pensar não deixe de ser um defeito tbm…

    Mas não fique preocupado Gerson, desqualificar o interlocutor para não debater não deixa de ser uma forma de tentar calar. Nisso você tá garantido.

Ricardo Lima Vieira

Parece-me óbvio que há um verdadeiro pânico na grande mídia, no sentido principalmente de tentar abafar o máximo possível a CPI “do Cachoeira”, pelo que esta tem de potencial explosivo a perigar as bandas da direitona – em seus múltiplos avatares, donde a insistência frenética no julgamento do “mensalão”: cortina de fumaça.

lulipe

Uma “opinião pública” que elege um Collor, um Maluf, um Jáder, um Renan, está mais preocupada com a posição de seu time no brasileiro ou como será o final da novela da Globo.Definitivamente, o Brasil não pode ser levado a sério.Onde está a UNE?A CUT?Todas vivendo das benesses do governo…

Gerson Carneiro

“Compre batom…. coompre batom… cooompre batom…”

http://www.youtube.com/watch?v=Zd4SI85_15A

Zzzzzz…

Esse é o PIG com a novela do “mensalão”.

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