Ualid Rabah, e a Páscoa na Palestina: Do massacre em 9 de abril de 1948 ao coronavírus sob a ocupação de Israel

Tempo de leitura: 9 min
9 de abril de 1948: Deir Yassin, o grande massacre de palestinos

A Páscoa na Palestina: do extermínio em Deir Yassin ao Coronavírus sob a ocupação israelense

por Ualid Rabah, especial para o Viomundo

A Páscoa, uma das principais datas comemorativas cristãs, nos faz lembrar de uma série de elementos ainda importantes em nossos dias, malgrado alguns deles sejam deliberadamente ocultados.

O primeiro desses elementos talvez seja o fato de tudo que diga respeito a Jesus Cristo ter se dado na Palestina, basicamente entre a Galileia (norte) e Belém (sul), passando por Jerusalém entre as duas regiões.

No que mais importa à Pascoa que viveremos entre sexta-feira e domingo, estão a crucificação de Jesus Cristo em Jerusalém e sua ressurreição no domingo.

Ainda que haja procissões, missas e cultos e outros eventos alusivos ao período, às vezes pouco da narrativa bíblica é asseverado.

Primeiro, se busca, quase que propositalmente, ocultar que Jesus Cristo enfrentou acusação injusta e falsa, pela qual foi perseguido, detido, preso, torturado e julgado sob os olhares impiedosos de seus algozes, que se regozijavam com seu sofrimento diante das feridas abertas.

Todo este processo se deu pelas mãos injustas dos sacerdotes do Templo de Jerusalém, cujos guardas perseguiram, prenderam e torturaram Jesus Cristo.

Foi o colegiado do Templo de Jerusalém, denominado Sinédrio, que o condenou farsescamente à morte.

Esquece-se também que a ira contra Jesus Cristo se dera em virtude da sua atitude, que desafiava a autoridade desses “sacerdotes”, aos quais acusava de se servirem da boa-fé das pessoas para acumularem riquezas.

Foi, aliás, o motivo pelo qual açoitou os chamados vendilhões do templo, que nada mais eram do que os cambistas, talvez comparáveis, em nossos dias, aos banqueiros.

Foi este o último ato de Jesus Cristo antes de todo o processo farsesco que culminou com sua morte.

Então temos aí dois lados claramente narrados biblicamente.

De um lado, Jesus Cristo, que se apieda de todas as pessoas e  não aceita a necessária mediação do templo e de seus agentes, sempre em troca de bens materiais, para alcançar-se Deus.

Do outro lado, os sacerdotes do Templo de Jerusalém aos quais desafiava e que representavam a usurpação da fé. Eram os vendilhões do templo.

E temos a ressurreição. Esta é interpretada por muitos teólogos como a vitória do amor diante da morte e, logo, diante dos promotores terrenos da morte, dos julgamentos farsescos, das injustiças, da opressão e da ausência de misericórdia.

Nas palavras do Papa Francisco:

“Mas a Páscoa é também o início do mundo novo, libertado da escravidão do pecado e da morte: o mundo finalmente aberto ao Reino de Deus, Reino de amor, paz e fraternidade”.

E como se estivesse falando também da atual situação na Palestina, o Papa defendeu, ao celebrar a missa da Ressurreição do Senhor, no adro da Basílica Vaticana, a necessidade de construtores de pontes e não de muros.

Disse o Santo Padre:

“Perante os inúmeros sofrimentos do nosso tempo, que o Senhor da vida não nos encontre frios e indiferentes. Faça de nós construtores de pontes, não de muros.

Ele, que nos dá a paz, faça cessar o fragor das armas, tanto nos contextos de guerra como nas nossas cidades, e inspire os líderes das nações a trabalhar para acabar com a corrida aos armamentos e com a difusão preocupante das armas, de modo especial nos países mais avançados economicamente.

O Ressuscitado, que escancarou as portas do sepulcro, abra os nossos corações às necessidades dos indigentes, indefesos, pobres, desempregados, marginalizados, de quem bate à nossa porta à procura de pão, dum abrigo e do reconhecimento da sua dignidade”.

A Páscoa e o massacre de Deir Yassin

Mas o que isso tudo tem a ver com a Palestina dos dias de hoje e com sua história recente, marcada pela ocupação israelense, pelo exílio forçado que torna os palestinos a maior população refugiada do mundo, pelo apartheid supremacista, pelo cerco dos muros, pela opressão, pelos cárceres, pela tortura e pela morte?

Para os que são impedidos, pela propaganda sionista, de saber o que se dá hoje na Palestina, talvez nada ou pouco, mas tem muito a ver, ainda que apenas simbolicamente, para os que conhecem o atual drama palestino.

Vamos no deter na data de hoje, 9 de abril, porém recuando ao ano de 1948.

Naquele ano passavam duas semanas da Páscoa, comemorada em 26 de março, e neste estamos a três dias da mesma data.

Estamos também falando de uma localidade específica: um antiquíssimo assentamento palestino, Deir Yassin, distante apenas 5 quilômetros de Jerusalém, a oeste, no qual habitavam cerca de 700 camponeses palestinos, desarmados, não envolvidos sequer na resistência palestina.

Na madrugada do fatídico 9 de abril de 1948, 120 homens fortemente armados, integrantes dos grupos terroristas Irgun e Lehi (hoje denominados Exército de Israel), ingressam nas cercanias da aldeia.

Às 11 h, com todos os homens adultos no campo, cultivando ou em pastoreio, invadem a pequena aldeia e dão início à matança metodicamente planejada e executada, ainda que sem uma só justificativa, por implausível que pudesse parecer, por inventada que fosse.

O horror se deu: até 300 os mortos naquele dia de orgia assassina.

Mulheres grávidas, idosos e crianças não foram poupadas.

Perto de 250 sobreviventes foram levados em caminhões até Jerusalém, onde parte ficou e outra foi levada até Tel Aviv, e mostrados ao público em desfile pelas ruas desta cidade então de maioria judaica, basicamente de estrangeiros recém-chegados, os euro-judeus.

Também cabeças foram arrancadas de dezenas de assassinados e exibidas neste desfile.

E mais: suas fotos foram estampadas em panfletos distribuídos pelos terroristas euro-judeus por toda a Palestina, a chacina foi comunicada em massa por meio de serviços de alto falantes volantes e por transmissões radiofônicas.

Tinha início o que era prometido desde muito antes, mas jamais acreditado pelos palestinos: a limpeza étnica, ou a solução final para a Palestina, lugar reservado aos invasores por eles próprios, a partir de seus lares anteriores, a Europa.

Mas o que significou este massacre?

O objetivo máximo dos sionistas para a Palestina: sua faxina étnica.

Portanto, além do objetivo em si, Deir Yassin pode ser encarada como o grande teste, o ensaio geral do que seria (e foi) feito em toda a Palestina, em uma escala jamais vista.

A partir de sua auto-proclamação como Estado, em 14 de maio de 1948, pouco mais de um mês após o emblemático massacre de Deir Yassin, o nascente Israel dá seguimento à limpeza étnica muito antes programada e semanas antes testada.

Resultado: 774 cidades e povoados palestinos são ocupados, dos quais 531 totalmente destruídos; 70 massacres são cometidos, com mais de 15 mil mortos, incontáveis feridos e mutilados e dois terços da população originária, a palestina, expulsa pelos euro-judeus recém-chegados.

Foram tomados, pela força, pelo terror, pelas matanças e pela expulsão 76% do território da Palestina histórica e desta parcela de território, dos seus 900 mil habitantes, perto de 800 mil foram mortos ou expulsos, quase 90%.

E, neste caso, é importante destacar a tomada de Jerusalém como o primeiro alvo, aí destacando-se uma segunda razão para o massacre de Deir Yassin, povoado às suas portas, totalmente faxinado etnicamente depois de 14 de maio de 1948 para se tornar lugar de um assentamento euro-judeu, Har Nof, atualmente um bairro judaico na Jerusalém chamada ocidental.

Deir Yassin está na porção da Palestina mais castigada pela limpeza étnica. Quando esta é tomada, em sua porção hoje denominada “ocidental”, a partir de 15 de abril de 1948, 98 mil palestinos foram expulsos (era povoada por 165 mil) dela e de seu arredor, de seu distrito, no qual incluía-se Deir Yassin.

E tudo isso se deu obedecendo a um plano prévio, o chamado Plano Dalet (designação à letra D em hebraico), concebido pela liderança sionista em 10 de março de 1948, com Ben Gurion, que veio a ser primeiro presidente do autoproclamado Estado de Israel, incluído.

Nele se lê que

“Estas operações podem ser levadas a cabo da seguinte maneira: seja destruindo as aldeias (colocando fogo, explodindo-as e colocando minas entre os escombros) e em especial aqueles assentamentos que são difíceis de controlar de forma constante; ou então organizando operações de pente fino e controle segundo estas diretrizes: rodeia-se as aldeias, realiza-se uma busca dentro delas. Em caso de resistência, as forças armadas devem ser liquidadas e a população expulsa pra fora das fronteiras do Estado”.

E é disto que resultam os atuais cerca de 6 milhões de refugiados palestinos, a maior população refugiada do mundo, que compõe perto de 8/9% da população refugiada do mundo mesmo integrando apenas 0,2% da população global.

Matematicamente, estamos falando de 45 refugiados palestinos para cada um de qualquer outro grupo étnico no planeta, algo colossal, olímpico, um verdadeiro holocausto humano em pleno século 21, em pleno terceiro milênio após aquela Páscoa daquela Palestina ocupada pelos romanos com apoio da elite encastelada no Sinédrio.

Ocupação israelense e o Coronavírus

Mas falta esclarecer quanto à relação da Páscoa com o coronavírus.

É evidente que, em princípio, o vírus em si não obedece a fronteiras políticas, ou mesmo a situações políticas específicas.

Isso na regra, pois para a Palestina esses fatores sofrem interferências promovidas desde sempre pela ocupação israelense, porém atualmente asseveradas.

Em virtude das restrições à economia palestina decorrentes da ocupação, há ainda um grande contingente de palestinos que trabalha em Israel.

Como em Israel a incidência do coronavírus é anterior aos primeiros casos na Palestina, bem como muito maior (9.404 casos em Israel, com 72 mortes, contra 263 e uma morte na Palestina), detectou-se que os primeiros palestinos infectados eram estes trabalhadores.

Inclusive o primeiro – e ainda único – caso fatal palestino é de uma mulher de 64 anos que teve contato com um de seus familiares que trabalha em Israel. E são 60 mil os palestinos que trabalham em Israel.

O governo Palestino tem denunciado que as autoridades israelenses pouco fizeram para garantir a proteção desses trabalhadores contra o vírus.

E mais ainda: não cumpriu as promessas de lhes garantir alojamento em Israel enquanto durasse o isolamento social determinado por Israel. Muitos se viram ao relento, passando as noites em praças públicas ou em outros abrigos improvisados. Alguns sentiram a necessidade de retornar e ao chegar à Palestina trouxeram consigo o vírus mortal.

Há um caso estarrecedor de como estes trabalhadores são tratados em Israel, especialmente por seus empregadores.

É o vídeo que circulou nas redes sociais de um trabalhador palestino deitado à beira de uma estrada, próximo de um bloqueio militar da ocupação israelense, lutando por respirar.

Mais tarde se descobriu que o empregador israelense o havia abandonado neste local e entrado em contato com a polícia israelense e informado que o trabalhador palestino era suspeito de estar infectado pelo vírus, assim justificando sua ação criminosa.

Esta situação claramente decorrente da ocupação se soma a outras tão graves quanto.

Os ataques armados de Israel à Palestina, especialmente à sitiada (a 13 anos) faixa de Gaza, não cessaram, o que tem impedido o regular fluxo de medicamentos e atividade das equipes médicas palestinas.

Na Cisjordânia, desde o início deste ano, Israel destruiu 139 edifícios, incluindo 38 edifícios de ajuda humanitária financiados por doadores. Entre essas estruturas destruídas por Israel há edifícios residenciais, infraestrutura de água e saneamento e uma clínica de saúde.

Na parte oriental de Jerusalém, as forças israelenses de ocupação impuseram obstáculos aos esforços palestinos no combate à propagação do coronavírus.

Isto incluiu a prisão de quatro palestinos que trabalhavam na desinfecção de instalações públicas em Jerusalém Oriental ocupada, confiscando seus equipamentos.

Também houve a obstrução dos esforços de voluntários palestinos em Hebron, detendo suas ações de desinfecção em bairros da cidade e de educação da população local sobre o vírus.

Ainda, sob inúmeros pretextos falsos, forças da ocupação, bem como colonos judeus extremistas, atacaram palestinos que trabalham nos comitês locais de emergência, estabelecidos para ajudar a detectar casos do vírus.

No primeiro dia de abril, por exemplo, colonos do assentamento ilegal de “Ramot” se posicionaram na entrada da localidade palestina de Beit Iksa e cuspiram nos carros palestinos que entravam e saíam, na tentativa de espalhar o medo do vírus.

Isso é particularmente perigoso porque os judeus ortodoxos, que são maioria nos assentamentos ilegais na Cisjordânia, têm taxas de contaminação pelo coronavírus de 4 a 5 vezes maior quando comparados com o restante da população de Israel, o que se deve à sua desobediência às restrições impostas pelas autoridades sanitárias, especialmente ao fechamento das sinagogas.

Há, ainda, a problemática dos palestinos ilegalmente aprisionados por Israel.

O governo Palestino tem reiterado pedidos para que recebam tratamento especial com vistas a impedir suas contaminações pelo vírus, sem que Israel promova uma só ação preventiva.

Nem mesmo o pedido de libertação, ao menos, dos infectados ou suspeitos de infecção é atendido pela ocupação israelense.

Um destes prisioneiros foi infectado por um carcereiro israelense que portava o vírus.

Por fim, dentre as situações mais dramáticas, está a situação de calamidade, de catástrofe humanitária que vive a população palestina de Gaza, onde são 13 os casos oficialmente confirmados para a enfermidade.

Hermeticamente isolada por Israel a 13 anos e com quase 2 milhões de habitantes empilhados em apenas 365 km², o território conta com apenas 56 respiradores para adultos, parte deles em uso e outra em mal estado.

Além disso, em toda Gaza há apenas 60 leitos de UTI, aos quais se somam 700 equipamentos de proteção individual.

Ou seja: diante do quadro humanitário e da mortalidade do vírus, podemos estar diante de uma tragédia anunciada, cujas dimensões sequer podemos imaginar e cuja responsabilidade direta é de Israel.

Isso tudo acontece nestes dias, às vésperas da Páscoa de número 2020, e na mesma Palestina que viveu a primeira delas, aquela que prometia libertar toda a humanidade da guerra e do ódio e fazer reinar em seu lugar a paz, a concórdia e a prosperidade.

Oxalá a ocupação e seus crimes na Palestina não ultrapassem esta Páscoa.

*Ualid Rabah é presidente da FEPAL – Federação Árabe Palestina do Brasil

Querido senhor:

Quando uma final e real catástrofe acontecer sobre nós na Palestina, o primeiro responsável por isso devem ser os britânicos e os segundos responsáveis por ela as organizações terroristas formadas a partir de nossas próprias fileiras.

Não desejo ver ninguém associado a essas pessoas enganadoras e criminosas.

Atenciosamente,
Albert Einstein


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Comentários

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Zé Maria

E os Nazi-Fascistas Israelenses e consequentemente o mundo ocidental continuam chamando os palestinos de terroristas, quando é de amplo
conhecimento que o Povo Palestino não tem sequer um Estado Formal,
que dirá um Exército. A Única Defesa Armada da Palestina é o Hamas.

Zé Maria

E dizia Jesus: “Pai, perdoa-lhes,
porque não sabem o que fazem”
E, arrancando suas vestes do corpo,
dividiram-nas entre si, por sorteio.
(Lucas 23:34)

Confesso que eu não teria tanta
misericórdia para com os verdugos,
nem romanos nem judeus …

a.ali

é babárie com requintes de crueldade!

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