Rudá Ricci: A nossa transição começou em 2015, quando entramos no túnel defeituoso do tempo, e não acabou

Tempo de leitura: 4 min
Fotos: Twitter Rudá Ricci

A transição inacabada de 2015

Por Rudá Ricci*, via doutora Ana Maria Costa

Há quem sugira que entramos em parafuso com a crise de 2008.

Há quem sugira que tudo começou em 2013.

Eu proponho que nossa transição para lugar nenhum começou em 2015.

Toda periodização elege um critério. O meu é a ascensão e queda da extrema-direita no nosso país.

Com efeito, a crise econômica de 2008 (subprime nos EUA) provocou um abalo nas estruturas da ordem social da Europa e provocou uma explosão migratória que teve ápice em… 2015, minha data de referência de quando entramos no túnel do tempo defeituoso.

Em 2014, a direita ultranacionalista já atingia entre 25% e 30% dos votos no Reino Unido, na França e na Dinamarca.

Contudo, em 2017, Marie Le Pen se projeta nacionalmente na França; em 2017, foi a vez da Alternativa para a Alemanha; em 2018, a União Cívica Húngara.

Michael Lewy, num artigo de dezembro de 2015, analisava a ascensão do conservadorismo e extrema-direita na Europa e no Brasil.

O autor sugere uma subdivisão dessas forças extremistas europeias:

a) Partidos de caráter diretamente fascista e/ou neonazista, como; o Aurora Dourada, da Grécia; o Jobbik, da Hungria; o Setor Direito, da Ucrânia; o Partido Nacional Democrata, na Alemanha.

b) Partidos semifascistas, caso da Frente Nacional, da França; do FPÖ, da Áustria; e do Vlaams Belang, da Bélgica, cujos líderes fundadores tinham ligações estreitas com o fascismo histórico e com as forças que colaboraram com o Terceiro Reich.

c) Partidos de extrema-direita que não possuem origens fascistas mas compartilham do seu racismo, xenofobia, retórica anti-imigrante e islamofobia, como a italiana Lega Nord, o suíço UDC (União Democrática do Centro), o britânico Ukip (Partido de Independência do Reino Unido)

No Brasil, o Instituto Vox Populi identificou o ápice do discurso fascista e pró-regime militar em dezembro de 2015.

Este foi o momento em que o discurso histérico de extrema-direita teve maior repercussão na formação da opinião pública. A partir daí, declinou lentamente.

Este período de reverberação do discurso de extrema-direita prosseguiu até o final do primeiro semestre de 2016.

Que fique claro, extrema-direita é rejeitada pelo conservadorismo e não mantém relações com certa literatura que já surgia no Brasil desde 2012.

O pensamento conservador aceita mudanças, desde que não sejam bruscas e, por este motivo, rejeita discursos revolucionários e reacionários (este último, caso da extrema-direita).

O importante é notar que se conservadores e ultraconservadores decidiram atacar a esquerda numa grande ofensiva desde 2015, ao longo deste ano perderam o controle e deram lugar ao discurso extremado que os colocou na mesma cesta dos corruptos e elites.

O começo do fim de Aécio Neves está vinculado a esta segunda onda que encobriu a que ele fez de tudo para gerar.

Os ataques nas redes sociais eram intensos, criando o famoso efeito manada. A listagem de personalidades “comunistas” crescia, envolvendo qualquer crítico.

Até que começou uma primeira reação no segundo semestre de 2016, vinda das articulações entre centrais sindicais.

As manifestações da extrema-direita começaram a demonstrar menor volume que as sindicais.

Finalmente, em abril de 2017, ocorre a maior greve geral da história do Brasil. Mais de 150 cidades registraram paralisações, envolvendo adesão de 40 milhões de pessoas.

Contudo, a partir do segundo semestre de 2017, muitas lideranças sindicais acusavam o golpe da reforma trabalhista enviada pelo governo Temer ao Congresso Nacional.

A reforma atingia duramente as fontes de recursos financeiros de todo movimento sindical.

Também se dizia, nos bastidores, que havia movimento em vários partidos de esquerda para iniciar a preparação para a eleição de 2018.

O fato é que a mobilização sindical iniciada no segundo semestre de 2016, refluiu a partir do segundo semestre de 2017, logo após a greve.

Minha tese é que a vitória de Bolsonaro não foi fruto da ascensão da extrema-direita. Foi, antes, um ruído.

As forças de extrema-direita estavam dispersas naquele momento, com atos isolados. Lula figurava em primeiro lugar nas pesquisas para a Presidência em agosto de 2018.

O casuísmo vergonhoso que levou à prisão e impedimento da candidatura Lula embaralhou as cartas naquele processo eleitoral. O PT demorou para indicar o candidato oficial. Somente em 11 de setembro PT anunciou oficialmente que Haddad seria o novo candidato do partido.

Mesmo assim, com um candidato sem grande expressão nacional, o PT chegou ao segundo turno.

Até a fatídica facada, Bolsonaro oscilava ao redor de 20% de intenção de votos. A partir deste acontecimento, chegou a 26%. Haddad aparecia com 8%.

A tese que estou defendendo procura alinhar uma interpretação que cria uma perspectiva para a falta de sustentação popular do governo Bolsonaro após sua eleição e a sua ida, cada vez mais clara, em direção ao Centrão.

Bolsonaro se elegeu com 55% dos votos válidos.

Em dezembro de 2018, o IBOPE revelava que 75% dos brasileiros tinham expectativas positivas em relação ao seu governo. Contudo, após a posse, a queda de aprovação foi despencando.

Caso a extrema-direita estivesse em ascensão, qual seria o motivo para não sustentar o governo federal que teria apoiado e por qual motivo não continuou nas ruas, procurando desestabilizar as instituições que procuravam domar Jair?

Esta é minha tese: a eleição de Bolsonaro foi um repique em meio a um momento de crise política generalizada em nosso país que envolveu até mesmo as forças de extrema-direita.

A movimentação atual de Bolsonaro em direção ao Centrão — e a tímida reação de apoiadores de 2018 –, além do silêncio ensurdecedor do “gabinete do ódio” indicam a fragilidade das forças extremistas do Brasil, assim como a fragilidade da tese da ascensão dessas forças.

*Rudá Ricci é sociólogo, trabalha com educação e gestáo participa. Preside o Instituto Cultiva, em Minas Gerais. Autor dos livros ”Lulismo – Da Era dos Movimentos Sociais à Ascensão da Nova Classe Média Brasileira”, ”Nas Ruas” e ”Memórias de 2014 – A eleição que não queria acabar”.


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Comentários

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Henrique Martins

Esse Tiranossauro Rex !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Zé Maria

O Tea Party nos EUA tem grande responsabilidade
pelo fortalecimento da Extrema-Direita no Mundo.

Zé Maria

O Movimento da Extrema-Direita Mundial foi Contra-Revolucionário
sendo Estimulado pelo Grande Capital Internacional – dos Banqueiros –
com intervenção direta de Governos ‘sociais-liberais’ Europeus e dos EUA
para reprimir e subverter os Movimentos ‘Primavera Árabe’, ‘Indignados
da Praça do Sol’ e Occupy Wall Street, iniciados em 2011 e estendendo-se
para a Ucrânia e Brasil, em 2013, já em forma de Notória Farsa.
Em analogia histórica, foi o que aconteceu na República de Weimar, em 1919,
quando, numa investida Anti-Comunista, o Governo dos Sociais-Democratas
Alemães promoveram os FreiKorps para derrubar a República Soviética da
Baviera – e inclusive assassinar Rosa Luxemburg e Karl Liebknecht – facilitando
a Estruturação do Partido de Hitler e, por conseguinte, a Ascensão do Nazismo
na Alemanha.

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