Raquel Rolnik: Muito além da polêmica sobre presença ou não da PM

Tempo de leitura: 3 min

Muito além da polêmica sobre a presença ou não da PM no campus da USP

04/11/11

Blog da Raquel Rolnik, sugerido por Rafael PJS

Ontem participei, a convite do Grêmio da FAU, de um debate sobre a questão da segurança na USP e a crise que se instalou desde a semana passada, quando policiais abordaram estudantes da FFLCH, cujos colegas reagiram. Além de mim, estavam na mesa  o professor Alexandre Delijaicov, também da FAU, e um estudante, representando o movimento de ocupação da Reitoria.

Para além da polêmica em torno da ocupação da Reitoria, me parece que estão em jogo nessa questão três aspectos que têm sido muito pouco abordados. O primeiro refere-se à estrutura de gestão dos processos decisórios dentro da USP: quem e em que circunstâncias decide os rumos da universidade? Não apenas com relação à presença da Polícia Militar ou não, mas com relação à existência de uma estação de metrô dentro do campus ou não, ou da própria política de ensino e pesquisa da universidade e sua relação com a sociedade. A gestão da USP e de seus processos decisórios é absolutamente estruturada em torno da hierarquia da carreira acadêmica.

Há muito tempo está claro que esse modelo não tem capacidade de expressar e representar os distintos segmentos que compõem a universidade, nem de lidar com os conflitos, movimentos e experiências sociopolíticas que dela emergem. O fato é que a direção da USP não se contaminou positivamente pelas experiências de gestão democrática, compartilhada e participativa vividas em vários âmbitos e níveis da gestão pública no Brasil. Enfim, a Universidade de São Paulo não se democratizou.

Um segundo aspecto diz respeito ao tema da segurança no campus em si. É uma enorme falácia, dentro ou fora da universidade, dizer que presença de polícia é sinônimo de segurança e vice-versa. O modelo urbanístico do campus, segregado, unifuncional, com densidade de ocupação baixíssima e com mobilidade baseada no automóvel é o mais inseguro dos modelos urbanísticos, porque tem enormes espaços vazios, sem circulação de pessoas, mal iluminados e abandonados durante várias horas do dia e da noite. Esse modelo, como o de muitos outros campi do Brasil, foi desenhado na época da ditadura militar e até hoje não foi devidamente debatido e superado. É evidente, portanto, que a questão da segurança tem muito a ver com a equação urbanística.

Finalmente, há o debate sobre a presença ou não da PM no campus. Algumas perguntas precisam ser feitas: o campus faz parte ou não da cidade? queremos ou não que o campus faça parte da cidade? Em parte, a resposta dada hoje pela gestão da USP é que a universidade não faz parte da cidade: aqui há poucos serviços para a população, poucas moradias, não pode haver estação de metrô, exige-se carteirinha para entrar à noite e durante o fim de semana. Tudo isso combina com a lógica de que a polícia não deve entrar aqui. Mas a questão é maior: se a entrada da PM no campus significa uma restrição à liberdade de pensamento, de comportamento, de organização e de ação política, nós não deveríamos discutir isso pro conjunto da cidade? Então na USP não pode, mas na cidade toda pode? Que PM é essa?

Essas questões mostram que o que está em jogo é muito mais complexo do que a polêmica sobre a presença ou não da PM no campus.

Raquel é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.

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cronopio

Ontem andei por todo o campus à noite e o único lugar onde vi policiais foi em frente à reitoria e no portão 1: quatro viaturas na reitoria e uma viatura no portão 1.

As ruas do campus são escuras e desertas, há inclusive uma ruela chamada carinhosamente "rua do estupro".

A PM nunca passou por lá. As viaturas da PM são vistas, durante o dia, em volta da FFLCH. Elas tiram fotos dos alunos e "monitoram" se comportamento. Quando anoitece, a polícia se retira. Afinal, vai que aparece algum bandido, né? O aumento de iluminação é considerado ainda a medida de segurança mais eficiente do mundo. Será que nem o Rodas nem a PM sabem disso? Ou será que estão mais preocupados em vigiar os alunos com "potencial para vandalismo".

Um amigo meu, estudante de letras, foi abordado pelos PMs, que pediram sua carteirinha. Quando verificaram que ele era da FFLCH, começou um inquérito de 2 horas. Antes eu tinha medo de bandido, agora tambpem tenho medo dos PMs.

As ruas da USP continuam tão escuras, desprotegidas e perigosas quanto antes. Precisamos urgentemente de um plano de segurança inteligente, elaborado junto à comunidade, precisamos de uma guarda universitária concursada, eficiente, bem-paga, bem-treinada e solidária (a que existe deixou um aluno morrer abandonado no chão). Precisamos, aliás, de muito mais do que segurança, mas para isso ninguém dá a mínima… querem todos satisfazer suas taras masoquistas, deleitando-se com o show de violência filmado em HD. E ainda há quem considere que a presença da PM na USP é questão de segurança…

    Roberto Locatelli

    Confirmo isso, Cronopio. Tive que ir à USP e, mesmo durante o dia, não se vê policial algum. Essa conversinha de que a PM está lá para melhorar a segurança não passa de balela. Eles estão lá para ser a segurança particular do Rodas.

Vinicius

Tudo isso faz sentido. Reivindicar melhor urbanização e gestão mais democráticas são pontos muito importantes que devem sim ser discutidos.

A questão é que o debate está se ampliando cada vez mais (o que está longe de ser um problema em si), incluindo cada vez mais questões na pauta de discussões, e isso, na minha opinião, tem feito com que o tema da segurança do campus venha perdendo objetividade.

Corre-se o risco de terminar o ano com o esvaziamento da universidade, já que logo mais acabam as aulas, e sem qualquer resultado concreto de todo esse movimento.

O Maldoror

Que PM é essa?….Para quem é essa PM?….Quem é essa PM?….Quem quer essa PM?

    Pedro

    Para defender o povo e meter pau nos bandidos.

FrancoAtirador

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Que tal então invertermos as posições ?

Deixamos os militares confinados no "campus"

e levamos a universidade para as ruas.
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