Rafael Ioris: Ventos udenistas insistem em querer pautar os rumos do Brasil no século 21

Tempo de leitura: 3 min
Carlos Lacerda então governador do estado da Guaranaba, em 1960, e manifestação contra a corrupção em 2016. Fotos: Wikimedia Commons e Wilson Dias/Agência Brasil

As metamorfoses do udenismo

O combate à corrupção foi um eixo central da agenda da direita em meados do século XX, cujo legado ainda insiste em querer pautar os rumos do país

Por Rafael R. Ioris, em A Terra é Redonda

A direita brasileira sempre teve dificuldade em incorporar demandas populares ligadas ‘à inclusão política ou socio-econômica.

Assim, frente ‘a sua dificuldade estrutural em angariar votos, setores oligárquicos tradicionais reiteradamente recorreram a meios golpistas a fim de manter o controle do Estado.

A única exceção a esse quadro ocorreu quando temas ligados aos setores médios, como a corrupção, foram apresentados como de interesse universal.

Se isso ocorreu de maneira explícita nos últimos anos, foi também um eixo central da agenda da direita em meados do século XX, especialmente sob os auspícios da União Democrática Nacional (UDN), cujo legado, com suas permanentes metamorfoses, insiste em querer pautar os rumos do país.

Criada no final da Segunda Guerra, a UDN foi o maior partido direitista com apelo popular da história recente brasileira.

Com quadros intelectualmente qualificados e lideranças influentes, o partido impactou a opinião pública de tal modo que mesmo não tendo formalmente a Presidência, foi capaz de pautar a agenda política, especialmente na dimensão econômica, dos governos Dutra, Café Filho e Jânio Quadros.

Ancorada, em grande parte, na figura carismática de Carlos Lacerda, o político direitista de maior apelo popular do período, a agenda moralista, tecnocrática e economicamente (neo)liberal do partido, assim como a retórica agressiva e midiática de uma cruzada anticorrupção (e antipopular), foram tão ampla e efetivamente propagadas que o termo Udenismo se tornou algo maior do que o próprio partido.

De fato, após o Golpe empresarial-militar de 1964, a agenda Udenista ajudou a pautar muitas das reformas antissociais do regime, sobretudo em seus primeiros anos.

Ainda que a própria ditadura acabaria por manter muito da lógica desenvolvimentista da era Vargas, em uma das mais fortes ironias da história recente do país, a agenda antipopular, de viés gerencial, e especialmente o discurso anticorrupção reemergeriam de maneira contundente no processo de transição política dos anos 80, em figuras autoritárias quixotescas como Eneas Carneiro e, de maneira mais efetiva, na cruzada anti-marajás do populista de direita Fernando Collor de Mello, melhor síntese da truncada consolidação democrática.

Se o discurso anticorrupção e antipovo ficou mais velado no início do século XXI, nunca chegou a sair totalmente de cena.

E se tal narrativa não foi forte suficiente a ponto de tirar da presidência o maior líder da história do país, em meados de 2006, como chegou a ocorrer com Vargas em 1954, quando o país se encontrava com maiores dificuldades econômicas e sob uma liderança que, em parte, assumiu o próprio discurso gerencial da direita, em meados de 2015, e sob um verdadeiro conluio midiático sem precedente, o país foi engolfado pela mais recente versão do Udenismo, o salvacionismo tecnocrático, antipovo e autoritário da Operação Lava Jato.

Se em 2018, a deterioração da institucionalidade democrática, e mesmo do Estado de Direito, em grande parte fruto das ações da Lava Jato, foi de tal monta que uma figura tão aberrante como Bolsonaro se tornou o veículo da vez para canalizar tais demandas e narrativa, parece certo que essa não era efetivamente a opção preferencial das oligarquias financeiras, agrárias, midiáticas e mercantis.

E é por isso que agora tais grupos se mobilizam para apresentar, Sérgio Moro, versão pastiche e diminuta de um Carlos Lacerda, como o novo cruzado que virá, dessa vez de maneira efetiva, resgatar-nos de todos os impulsos populistas que insistem em desviar o curso histórico normal da terra de Cabral, como nação de matriz econômica agro-exportadora, socialmente excludente e politicamente hierárquica.

Se Moro será capaz de se viabilizar eleitoralmente como tal instrumento é algo ainda incerto. O que parece claro é que foi no Udenismo que nossas oligarquias encontraram a forma de sobreviver em um contexto de democracia de massas.

Nos últimos anos, tais procedimentos, combinados com o golpismo que lhes é caraterístico, foram efetivos na consecução de seus objetivos de manter o controle do poder político e econômico do país.

E se foi, em grande, por causa da agenda e estilo udenistas que milhões votaram em Bolsonaro, é possível que um candidato ainda visto por muitos como o maior representante da suposta luta anticorrupção consiga reaglutinar os ventos udenistas, hoje um pouco mais dispersos, mas que ainda insistem em soprar e a definir os rumos do Brasil no século XXI.

*Rafael R. Ioris é professor de história na Universidade de Denver (EUA).


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Comentários

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Zé Maria

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DD, o Delinqüente Deslumbrado, e demais Patifes
da Força Tarefa da Operação Lava-Jato de Curitiba
são os Cabos Eleitorais de Sergio Moro, o Suspeito,
na Imprensa Venal e nas Redes Fascistas Digitais.
.
.
1º/12/2021

“Moro, a Marcha para o Estado de Exceção”

“Entrevista de Dallagnol à CNN foi de um
Deslumbramento Constrangedor da parte
dos ornalistas, mostrando que o Jornalismo
será mais uma vez Sacrificado em nome dos
Interesses Políticos dos Grupos Empresariais.”

Por Luis Nassif, no Jornal GGN (https://t.co/F6jv5MB9Qw)

No Brasil, imaginava-se que a tragédia Bolsonaro tivesse sido uma lição para uma elite institucional provinciana, atrasada, que nos últimos dez anos destruiu todos os resquícios de democracia e de direitos sociais.
O apagão administrativo, os negócios com vacinas, provocando a morte de centenas de milhares de pessoas, os riscos que a democracia correu, não soçobrando exclusivamente devido aos terraplanistas que cercam Bolsonaro – e que contribuíram para sua desmoralização – nada disso adiantou.

O país tem uma elite historicamente autoritária. E, nos preparativos para as próximas eleições, ela terá papel definidor [de Candidaturas da Direita].

Daqui para frente, há algumas tendências começando a ganhar corpo:

1. Um esvaziamento lento de Jair Bolsonaro, com a direita migrando para Sérgio Moro.
É um processo inicial, mas que poderá ganhar uma dinâmica maior, com a queda de popularidade de Bolsonaro.

2. O esvaziamento das candidaturas de Ciro Gomes e João Dória Jr e dos demais candidatos da [suposta] terceira via.
É mais uma eleição em que Ciro se auto-destrói pela absoluto paradoxo de dispor dos melhores diagnósticos para o país, e das piores estratégias políticas.
Quis o cetro de anti-Lula, sem sequer avaliar de quem seria o trono, quando Moro entrasse no jogo.

3. O arco de apoio a Moro está sendo montado com o Partido Militar, Mercado e Grupos Empresariais.
Provavelmente seu porta-estandarte será o ex-procurador Deltan Dallagnol, mais articulado e desinibido que Moro.

Nas próximas semanas se verá melhor os movimentos da mídia.
A semana de lançamento de candidatura é, normalmente, a de maior impacto.

Serão necessárias algumas semanas a mais para se avaliar melhor a dimensão da candidatura Moro.

De um lado, haverá a mediocridade explícita de Moro. De outro, a falta de alternativas para a terceira via. Finalmente, a falta absoluta de visão política prospectiva da parte da mídia. Uma eventual vitória de Moro significaria o golpe final na democracia.

Ao contrário de Bolsonaro, Moro tem relações umbilicais com o Partido Militar. Bolsonaro era aceito de forma algo envergonhada pelos militares, ao preço de abrir 8 mil cargos no governo.
Já Moro é apoiado desde a Lava Jato.
Os modos discreto, a perversidade fria de Moro é mais adequada aos protocolos militares do que o histrionismo de Bolsonaro.

Moro foi o Ministro que perseguiu adversários recorrendo à Lei de Segurança Nacional; que tentou criar uma versão falsa da Vazajato para prender e expulsar do país o jornalista Glenn Greenwald.
É o Ministro que colocou a Polícia Federal para intimidar um simples porteiro de condomínio que depôs sobre Bolsonaro no episódio da reunião prévia dos assassinos de Marielle Franco, no condomínio onde mora o presidente.

É o Ministro que organizou a Operação Garantia de Lei e Ordem no Ceará e estimulou o motim da Polícia Militar, episódio só contido pela coragem imprudente do senador Cid Gomes.

Com Moro no poder, haveria a volta do aparelhamento da Polícia Federal pelos delegados da Lava Jato; um retorno dos abusos do Ministério Público Federal;
a intimidação dos críticos com uso ampliado do poder de Estado, com funcionários cooptamos do COAF, da Receita e a militância política extremada do Judiciário.

Aliás, a entrevista de Dallagnol, ontem, à CNN, foi de um deslumbramento constrangedor da parte dos jornalistas, mostrando que o jornalismo será mais uma vez sacrificado em nome dos interesses políticos dos grupos empresariais.

Íntegra:

https://jornalggn.com.br/artigos/moro-a-marcha-para-o-estado-de-excecao-por-luis-nassif/

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A direita brasileira nunca teve, entre seus interesses e objetivos, “incorporar demandas populares ligadas ‘à inclusão política ou socio-econômica”. Por sinal, a direita em qualquer parte do planeta. Ao contrário da frase inicial do texto, a direita brasileira é escravocrata. Nada mais igual a um luzia que um saguarema, já se dizia desde o império. O udenismo é só sua versão de fanfarra, que desagua no ouro pelo brasil da ditadura. Mas, é importante ter claro, o sentimento udenista perpassa amplos setores da esquerda nacional desde 45 e embalou e embala o antivarguismo, o antilulismo e a lavajato, com setores como os liderados por Luciana Genro no psolismo e, de outro lado, no campo petista, os associados a Tarso Genro e José Eduardo Cardoso.

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