Professor Caio Toledo: 48 anos depois, nada a comemorar

Tempo de leitura: 4 min

por Caio N. Toledo, especial para  o Viomundo

Aos que partiram sem poder dizer adeus

Na data em que o imaginário popular consagra como o “dia da mentira” – 48 anos atrás – foi rompida a legalidade democrática instituída no Brasil com a Constituição de 1946. Hoje, a quase totalidade das entidades que conspirou, apoiou e promoveu a derrubada do governo democrático de João Goulart (1961-1964) não festejará o golpe civil-militar de 1964.

Prova disso é o fato de que neste 1º. de abril de 2012 nenhum dos três maiores jornais da imprensa brasileira (Folha de S. Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo) – que apoiaram abertamente o golpe de 1964 – se referiram, em seus editoriais, ao evento ocorrido 48 anos atrás. Sintomático e revelador silêncio.

Na “guerra de narrativas” existente sobre o significado do evento, gradativamente, os “vitoriosos” de abril são “perdedores”. 1964 não representou uma Revolução, mas, um movimento golpista: (a) um golpe que impediu a ampliação da democracia política brasileira nos anos 1960; (b) um movimento contra as reformas sociais e políticas e (c) uma ação repressiva contra a politização dos trabalhadores e o promissor debate de idéias que, de norte a sul, ocorria do país.

Em síntese, no pré-1964 – diante das iniciativas e reivindicações dos trabalhadores (das zonas rurais e urbanas) e de setores das camadas médias –, as classes dominantes e seus aparelhos ideológicos e repressivos apenas vislumbravam: “crise de autoridade”, “subversão da lei e da ordem”, “quebra  da disciplina e hierarquia” dentro das Forças Armadas e a “comunização” do país. Se, por vezes eram expressas através duma retórica “radical” – “reformas na lei ou na marra”, “forca aos gorilas!” etc. –, as demandas por reformas sociais e as demandas políticas da época visavam, fundamentalmente, o alargamento da democracia política e a realização de reformas no capitalismo brasileiro.

Contra algumas formulações “revisionistas” que, hoje, insinuam “tendências golpistas” por parte do governo Goulart, deve-se enfatizar que quem planejou, articulou e desencadeou o golpe contra a democracia política foi a alta hierarquia das Forças Armadas, incentivada e respaldada pelo empresariado (industrial, rural, financeiro e investidores estrangeiros) bem como por setores das classes médias brasileiras (as chamadas “vivandeiras de quartel”). Está amplamente documentado que, desde 1961 – antes, pois, da chamada “agitação” ou “subversão das esquerdas” –, alguns desses setores começaram a se organizar para inviabilizar o governo Goulart. A ampla mobilização democrática pelas reformas sociais e políticas, apoiada pelo executivo, teve como efeito a ampliação da conspiração civil-militar e o amadurecimento da decisão dos golpistas de decretar o fim do regime político de 1946.

Destruindo as organizações políticas e reprimindo os movimentos sociais de esquerda e progressistas, o golpe foi saudado pelas associações representativas do conjunto das classes dominantes, pela alta cúpula da Igreja católica, pelos grandes meios de comunicação etc. como uma autêntica “Revolução redentora”. Por sua vez, a administração norte-americana de Lyndon Johnson (1963-1969) – que ficou dispensada de fornecer o apoio material aos golpistas, como está comprovado documentalmente –, congratulou-se com os militares e civis brasileiros pela rapidez e eficácia da “ação revolucionária”. Para alívio do Pentágono, da CIA, da Embaixada norte-americana etc., uma “grandiosa Cuba” ao sul do Equador tinha sido evitada!

Embora tivesse uma simpática acolhida junto aos trabalhadores, às classes médias baixas e aos meios sindicais, o governo João Goulart ruiu como um “castelo de areia”. Dois de seus principais pilares de apoio, como apregoavam os setores nacionalistas, mostraram ser autênticas “peças de ficção”. De um lado, o propalado “dispositivo militar” que seria comandado pelos chamados “generais do povo”; de outro, o chamado “quarto poder” que estaria representado pelo Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). A rigor, ambos assistiram, sem qualquer reação significativa ou eficaz, a queda inglória de um governo a quem juravam fidelidade até a morte!

Desorganizadas e fragmentadas, as entidades progressistas e de esquerda – muitas delas subordinadas ou tuteladas pelo governo Goulart – não ofereceram qualquer resistência à ação dos militares. Sabe-se que, às vésperas de abril, algumas lideranças de esquerda afirmavam que os golpistas, caso atrevessem quebrar a ordem constitucional, teriam as “cabeças cortadas”. Mas, como mostraram os “duros fatos da vida”, tratava-se de uma cortante metáfora. Com a ação dos “vitoriosos de abril”, a retórica, no entanto, tornou-se uma cruel realidade para muitos homens e mulheres durante os longos e sombrios 21 anos da ditadura militar.

48 anos depois, nada há, pois, a comemorar. O golpe de 1964 foi um infausto acontecimento, pois teve conseqüências perversas e nefastas no processo de desenvolvimento econômico, político e cultural do Brasil – que ainda se refletem nos tempos presentes. Decorridos 48 anos do golpe, o conjunto da sociedade brasileira repudia a data; no entanto, os democratas progressistas não podem se satisfazer com a derrota que os golpistas sofreram no plano ideológico.

Os progressistas não podem se calar diante da realidade de que o regime democrático vigente no Brasil ainda não fez plena justiça às vítimas da ditadura militar; devem, pois, se empenhar com todas suas forças e inteligência para que a verdade sobre os fatos ocorridos entre 1964 e 1985 seja plenamente conhecida. Sendo o “direito à justiça” e  o “direito à verdade” exigências relevantes e indispensáveis de um regime democrático, não se pode senão concluir que a democracia política no Brasil contemporâneo não é ainda uma realidade sólida e consistente.

Caio N. de Toledo é professor aposentado do Departamento de Ciência Política, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da Unicamp.

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Comentários

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Luc

"…Como e porque os EUA decidiram interferir na política interna do Brasil…"

Em clima de suspense e ação, o documentário apresenta, em três episódios de 26 minutos cada, os bastidores da participação do governo dos Estados Unidos no golpe militar de 1964 que durou até 1985 e instaurou a ditadura no Brasil. Pela primeira vez na televisão, documentos do arquivo norte-americano, classificados durante 46 anos como Top Secret, serão expostos ao público. Textos de telegramas, áudio de conversas telefônicas, depoimentos contundentes e imagens inéditas fazem parte dessa série iconográfica, narrada pelo jornalista Flávio Tavares.

O mundo vivia a Guerra Fria quando os Estados Unidos começaram a arquitetar o golpe para derrubar o governo de João Goulart. As primeiras ações surgem em 1962, pelo então presidente John Kennedy. Os fatos vão se descortinando, através de relatos de políticos, militares, historiadores, diplomatas e estudiosos dos dois países. Depois do assassinato de Kennedy, em novembro de 1963, o texano Lyndon Johnson assume o governo e mantém a estratégia de remover Jango, apelido de Goulart. O temor de que o país se alinharia ao comunismo e influenciaria outros países da América Latina, contrariando assim os interesses dos Estados Unidos, reforçaram os movimentos pró-golpe.
Peter Korneluh – O Dia que durou 21 anos

A série mostra como os Estados Unidos agiram para planejar e criar as condições para o golpe da madrugada de 31 de março. E, depois, para sustentar e reconhecer o regime militar do governo do marechal Humberto Castelo Branco. Envergando uma roupa civil, ele assume o poder em 15 de abril. Castelo era chefe do Estado Maior do Exército de Jango.

O governo norte-americano estava preparado para intervir militarmente, mas não foi necessário, como ressaltam historiadores e militares. O general Ivan Cavalcanti Proença, oficial da guarda presidencial, resume: “Lamento que foi um golpe fácil demais. Ninguém assumiu o comando revolucionário”.

Do Brasil, duas autoridades americanas foram peças-chaves para bloquear as ações de Goulart e apoiar Castelo Branco: o embaixador dos Estados Unidos, Lincoln Gordon; e o general Vernon Walters, adido militar e que já conhecia Castelo Branco. As cartas e o áudio dos diálogos de Gordon com o primeiro escalão do governo americano são expostas. Entre os interlocutores, o presidente Lyndon Johnson, Dean Rusk (secretário de Estado), Robert McNamara (Defesa). Além de conversas telefônicas de Johnson com George Reedy Dean Rusk; Thomas Mann (Subsecretário de Estado para Assuntos Interamericanos) e George Bundy, assessor de segurança nacional da Casa Branca, entre outros.

Foi uma das mais longas ditaduras da América Latina. O general Newton Cruz, que foi chefe da Agência Central do Serviço Nacional de Informações (SNI) e ex-comandante militar do Planalto, conclui: “A revolução era para arrumar a casa. Ninguém passa 20 anos para arrumar uma Casa”.

Em 1967, quem assume o Planalto é o general Costa e Silva, então ministro da Guerra de Castelo. Da linha dura, seu governo consolida a repressão. As conseqüências deste período da ditadura, seus meandros políticos e ideológicos estarão na tela. Mortes, torturas, assassinatos, violação de direitos democráticos e prisões arbitrárias fazem parte desse período dramático da história.

O jornalista Flávio Tavares, participou da luta armada, foi preso, torturado e exilado político. Através da série, dirigida por seu filho Camilo Tavares, ele explora suas vivências e lembranças. E mais: abre uma nova oportunidade de reflexão sobre o passado.

O Dia que durou 21 anos é uma coprodução da TV Brasil com a Pequi Filmes, com direção de Camilo Tavares. Roteiro e entrevistas de Flávio e Camilo.

http://www.youtube.com/watch?v=NU7S4CwrwVA
http://tvbrasil.org.br/odiaquedurou21anos/sobre/

olhos de lince

Os milicos não podem ficar impunes, pois o Brasil precisa consolidar a sua democracia de forma ampla e irrestrita.É preciso punição exemplar , para os algozes dos inocentes e militantes,evitando que as mazelas da repressão retormem. Elas devem ser sepultadas nos porões da ditadura ,pois o pesadelo da nossa nação não pode jamais retornar.E que havendo julgamento, as futuras gerações saibam cultivar e zelar o estado democrático de direito.

souza

não, não é normal um torturador acreditar que fez o que deveria ter feito.
eles hão de pagar pelo que fizeram.
o reflexo do que fizeram, um legislativo e um judiciário de péssima qualidade, será sentido pelo povo brasileiro por alguns longos anos.

pperez

Decorridos 48 anos do golpe seus torturadores, impunes, gozam hoje do bem estar social que tentaram aniquilar nas suas raizes!
O Brasil, além de não ter o que comemorar, deve estar rubro de vergonha ao permitir que estes assassinos estejam brindando na escuridão de suas tocas!

Leo V

Macacos também entram em greve após injustiça, revela pesquisa
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/20

Armando do Prado

Canalhas que nos provocaram agonia. Carecem de correção, ainda que seja histórica.

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