Maria Inês Nassif: A criatura devorou seus criadores, que articulavam para colocar Santos Cruz no Planalto

Tempo de leitura: 4 min
Reprodução

Bolsonaro: o cavalo de Troia que pode deixar os militares a pé

Por Maria Inês Nassif, no GGN

É falsa a imagem construída de Jair Bolsonaro, de líder popular de extrema-direita que ganhou as eleições e escolheu militares para ocupar a avassaladora maioria das posições de comando de seu governo.

Um raciocínio invertido pode tornar muito mais compreensível a crise militar que eclodiu dentro do gabinete do presidente-capitão, com a demissão do ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva.

Na verdade, a história recente dá precedência aos generais na tomada do poder civil.

Eles foram os criadores. Bolsonaro, a criatura.

Generais da ativa da mesma geração atuaram em conjunto para viabilizar o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e ascenderam ao poder em 2018 por meio de uma campanha ganha com destruição de reputações, fake news da pior espécie e pressão direta sobre o Supremo Tribunal Federal.

Some-se a isso um duvidoso atentado contra o candidato apoiado por eles, que virou a eleição quando o petista Fernando Haddad ascendia nas pesquisas.

A vitória do capitão não foi simplesmente produto da sua popularidade ou de uma ofensiva bem-sucedida da extrema-direita, mas um verdadeiro trabalho de contrainformação, especialidade de uma geração de generais formada nos anos 70, quando a corporação moldou jovens militares a uma ideologia anticomunista exacerbada e fanática.

Esse contingente foi centralmente treinado no combate à guerrilha e na repressão política, segundo explicação do coronel da reserva Marcelo Pimentel em entrevista ao podcast Roteirices, veiculada nos dias 17, 18 e 19 de março (acessível pelo Spotify).

O coronel Brilhante Ustra não os envergonha, mas é uma referência ideológica para eles.

Na expressão feliz do coronel reformado, Bolsonaro foi o cavalo de Troia que, na sua barriga, trouxe o Exército para a Esplanada dos Ministérios e permitiu à corporação capturar o poder civil.

Agora, diz o coronel, Bolsonaro tornou-se o incômodo, o “espantalho” daqueles que articularam sua candidatura dentro dos quartéis.

Bolsonaro não seria eleito sem os militares.

A alta hierarquia militar empreendeu uma “guerra híbrida” para radicalizar a sociedade civil, tirar Lula do páreo nas eleições de 2018 e conseguir o número de votos necessário para colocar na Presidência um deputado fascista que, após 27 anos como deputado federal integrando o mais duvidoso baixo clero, foi vendido ao eleitorado como o inaugurador de uma “nova política”, que se mostra com uma qualidade também pra lá de duvidosa.

O que não deu certo na articulação militar foi o cálculo de que poderiam dominar Bolsonaro.

Os governos de inspiração fascista historicamente giram em torno de um líder com apelo popular que seja capaz de arregimentar adeptos civis, de preferência no lumpesinato (a parcela dos rejeitados por suas próprias classes e uma massa de manobra passível de engrossar milícias armadas).

Essa massa de desajustados sociais (isso tem pouco a ver com riqueza ou pobreza) é mais susceptível à adesão incondicional a um líder com a cara deles. Bolsonaro era o substrato do pó de traque da política tradicional; no Congresso, pertencia ao baixo clero, cuja importância é apenas o voto individual do parlamentar, que o negocia por pequenos favores.

Não seria um exagero dizer que Bolsonaro ascendeu de uma espécie de lumpesinato parlamentar, grupo engrossado enormemente nas eleições de 2018.

Os deputados do baixo clero são carne de sua carne.

Bolsonaro também não fugiu ao figurino do líder fascista quando submetido a um exame psicológico.

Seu extremismo é alimentado por característica de personalidade também extremas: carrega um alto grau de paranoia, que exacerba sua ignorância sobre governar e dificulta o entendimento das consequências de suas decisões voluntariosas.

Bolsonaro é, decididamente, paranoico e voluntarioso.

O general Fernando Azevedo e Silva deve a isso a sua demissão.

O presidente é paranoico o suficiente para perceber que estava em andamento uma articulação militar para livrar-se dele sem sair do governo.

O primeiro objetivo era (e ainda continua) dissociar a imagem do Exército do genocídio cometido contra a população civil, levada a termo por decisões tomadas por Bolsonaro, mas executada por um militar da ativa, sem que o Partido Militar esboçasse a mínima reação contrária; e de uma administração desastrosa do país, governado majoritariamente por oficiais do Exército.

A operação, segundo o coronel Marcelo Pimentel, é bastante similar à que se iniciou antes do governo Dilma e levou Bolsonaro ao poder: uma parte do grupo fica no governo; a outra sai e encena a dissidência.

Ambos se unem no momento seguinte, com um governo eleito por eles.

A operação militar em curso vazou notícias de uma dissidência entre os que permaneceram e os que saíram do governo e simultaneamente, todos unidos, a articulação de uma “terceira via” como alternativa a Bolsonaro em 2022, de preferência uma opção entre eles: o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que foi demitido da Secretaria de Governo e tornou-se um militante opositor do governo nas redes sociais.

Essa seria uma opção de manter o controle sobre a sociedade civil sem lançar mão de intermediários.

A designação “terceira via” acena para a direita não extremista.

O golpe de mão desferido por Bolsonaro nos seus condôminos de poder, ao demitir o ministro da Defesa, é um recado muito claro a eles.

Os militares ficam no governo se submeterem-se aos seus desígnios, inclusive, se ele quiser, usando a força contra a população civil.

Se não, ele faz isso com as polícias, onde tem uma enorme popularidade junto à tropa, e com milícias armadas.

A criatura devorou seus criadores. E ambos devoram a sociedade civil.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Terezinha

Como tem muito grana em jogo, favores eles se juntam e ferar o país é só um detalhe.
Esta turma das Agulhas Negras não vieram pra brincar de gato e rato. Juntos com a melicia e políticos empossados neste tempo, vieram pra dominar

Nando Correia Silva Pinto Fonte

Tá aí o resultado do pós eleição de 2014. A economia NUNCA decolou e não tem como vencer no voto sem golpes com uma economia dessas.
O povo é simples, MAS não é burro.
Todo mundo já percebeu que foi passado para trás e não é culpa do sapo barbudo como o exército gosta de chamar o Lula.
É o mesmo golpe. Só mudou o roteirista.
A direita não tem solução para a economia caótica ainda mais com pandemia. Até as eleições de 22 não vai melhorar. Não tem mágica.
O neo-liberalismo é tão falido qto o comunismo que faliu em 1991 por inanição.
E o neo-liberalismo é um belo engodo morto e sepultado pela COVID.
Economia ruim não dá voto. Então, precisa de +1 golpe.
A direitona limpinha e cheirosa e mega inteligente fracassou mais uma vez na economia.
OUTROS PAÍSES TB TEM COVID.
A pedra no meio do caminho da direitona é a economia.
Alguém se arrisca abrir um negócio para investir na produção hj nesse Brasil ? ?
Vai decolar qdo. Em 2030. Em 2045.
Acho que o “sapo barbudo” é mais competente, né. E nem tem diploma de dr. Aí aja dor de cotovelo.
Economia é planejamento de longo prazo. Até a eleição é um tempo muito diminuto.
Deram uma Mercedes do Hamilton para o Nakajima pilotar.

Chupa que a cana é doce.
Detestam o cara. Mas ele e um gigante.
Mas não tem AP em Paris.

Eduardo

Pode até ser essa a história. Mas não está se considerando a presença do vice Mourão. Ele faz parte de qual ala no exército? Se deixassem seguir o impeachment do Bolsonaro quem assumiria seria ele ou não??

Leonardo Santos

CARTA ABERTA – MARÇO DE 2021: Prezados amigos e amigas, saúde e paz! Nesses últimos dias, em decorrência do agravamento da pandemia provocada pelo Covid-19, tenho recebido posts, vídeos e links de sites que manifestam inconformidades e denunciam as arbitrariedades do governo federal, de algumas autoridades públicas e de seus apoiadores em relação ao modo de enfrentamento da epidemia. Entretanto, sinto que se faz necessário darmos alguns passos mais. Nossa indignação não pode ficar restrita à simples divulgação destes vídeos e posts de whatsapp. Ainda que de modo individual, vejo como necessário buscar um aprofundamento destas questões que partilhamos para, então, podermos confrontar a nossa vivência na sociedade, no trabalho e, sobretudo, na família. No meu entendimento, é revendo a minha própria práxis que terei condições de ressignificar o momento presente. Infelizmente, a governança do país foi entregue nas mãos de um homem destituído de humanidade, que tem apreço pela tortura e pelo autoritarismo. Uma parte da sociedade tem responsabilidade por este quadro que se encontra aí, já que se identificou com o discurso dele. Essas pessoas se dão conta disto? Eu não sei… Penso que a questão é complexa, muito complexa. Grande parte da sociedade está doente. Sufocada. Intimidada pelo poder das armas, das fake news. Não basta destituir do poder o atual mandatário da república e conclamar novas eleições. É necessário repensar o sistema sócio-político, repensar este modelo organizacional em que nos encontramos. Repensar nossas instituições jurídicas, a forma de se fazer e de se aplicar a justiça. Ou construímos um judiciário “garantista” para todos e todas, ou teremos um judiciário que garantirá a justiça apenas para um segmento da sociedade. Teologicamente, como assevera Jesus, não é possível servir a dois senhores. O homem tem servido ao sistema econômico. Não o contrário. Um escravo do deus mercado. Penso que, após o Iluminismo, observa-se uma certa decadência intelectual no seio de alguns grupos sociais. Observa-se, também, uma simplificação dos fenômenos sociais. Simplificação esta que desconsidera a complexidade da condição humana, que desconsidera a própria história das pessoas. Somos seres de escolhas, somos seres em movimento. Movimentamo-nos a partir de nossas contradições. Este processo de desconsideração da complexidade da vida real pode levar o ser humano a valorização e a reprodução de estruturas autoritárias, de uniformização das massas. Estruturas de descarte do homem. De submissão ao poder do dinheiro. Uma estrutura que fará deste homem algoz de si mesmo e dos seus semelhantes. Além disso, penso que as igrejas; digo, as religiões, não ficam imunes a este processo. Teilhard de Chardin em sua obra – O Fenômeno Humano – afirmou que o homem alcançou o ápice da evolução biológica. Entretanto, o mesmo não se pode afirmar sobre a questão espiritual. O que estamos vivendo atualmente no Brasil, no meu entendimento, reflete este diagnóstico do Padre Chardin. Como compreender a postura de algumas pessoas que se dizem cristãs e, ao mesmo tempo, se mostram apoiadoras da política armamentista, negacionista e de ódio de certas autoridades? Pode-se dizer que tal postura reflete a essência do cristianismo ou é uma deturpação do cristianismo, da sua mensagem? Padre Chardin diz que, se tivéssemos evoluído espiritualmente, amaríamos a paz e não a guerra. Amaríamos a justiça e não o justiçamento. Amaríamos a comunhão e não a acumulação individualista da riqueza. Seríamos propagadores da liberdade e defensores da diversidade cultural dos povos. Seríamos defensores do direito de cada um poder ocupar o seu lugar ao Sol. Santo Tomás de Aquino, na idade média, afirmou que, “a graça pressupõe a natureza”. Essa máxima de Santo Tomás me faz pensar que o descontrole pandêmico no Brasil é consequência deste movimento de desprezo, isto é, de negação da condição humana. Se somos frágeis, limitados, e a vacina é fruto da capacidade racional do ser humano de encontrar meios asseguradores da sua própria sobrevivência, por que, então, negá-la? Como nos advertiu Santo Tomás, esta postura negacionista não é um fechamento à graça e ao Espírito criador? O homem se compromete pela ignorância e, principalmente, se compromete pela sua própria soberba. Aliás, Freud já havia nos advertido de que estamos desesperançadamente absortos em nós mesmos. Ernest Becker na sua obra – A negação da morte – diz que é este narcisismo que faz os homens, nas guerras, marcharem contra o fogo a queima-roupa como se não fossem morrer… Confesso que minha sensação é a de que estamos em um labirinto, pois o negacionista da realidade que observamos agora parece recrudescer ainda mais, por conseguinte, impossibilitando vias de diálogo. A saída, talvez, esteja na sabedoria de uma plantinha, a AVENCA. Ela sabe encontrar brechas para brotar suas delicadas folhas em paredes que parecem intransponíveis. Não vejo outro caminho a não ser o caminho do debate respeitoso. Um debate que possa ser respaldado por uma vivência coerente e ética. E mesmo que o outro pense diferente de mim, não há o que temer. As diferenças me obrigam ao aprofundamento das questões. Na partilha de nossas inquietações nos irmanamos no desejo de que dias melhores são possíveis. Abraço fraterno. Belo Horizonte/MG – Leonardo Augusto dos Santos – Bacharel em Direito e Servidor Público da Rede Municipal de Educação da Prefeitura de Belo Horizonte.

Diogo Silva

Qdo levou a facada saiu como entrou, nos braços do povo.
E agora nem vacina compra. Ou seja, o povo socorreu ele e ele não socorre o povo.
Belo MITO !
Nossa ! Como e difícil comprar vacina.
Como e difícil vacinar o povo.
Tal pai, tais filhos.
Ah, poxa. Nem comprar vacina consegue.
Prefiro o Lula que fala errado e não precisa ler cartolina. Sempre deu Show no mundo de simpatia. E é muito competente.
Se cercou de pessoas capazes e não de um monte de gente do clube do bolinha.
Cargos tem prazo de validade. Não é para sempre.

Zé Maria

Esse tal Coronel Pimentel é um Bolsonarista
Doente, Antipetista Patológico, no sentido Literal e no Figurado.

Zé Maria

.
.
“De uma coisa eu sei:
se o Professor @Haddad_Fernando fosse o presidente,
estaríamos discutindo a pandemia, a economia,
educação, saúde, e não possibilidade de golpe
na democracia.”
Deputado Federal Helder Salomão (PT=ES)
https://twitter.com/HelderSalomao/status/1376997446115540993

Deixe seu comentário

Leia também