MANIFESTO EM DEFESA DA POLÍTICA NA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
UMA UNIVERSIDADE se traduz pelo seu potencial de produção de ideias que tenham relevância para o aprimoramento da vida em sociedade, notabilizando-se para tanto o exercício democrático, que pressupõe a liberdade de expressão e de organização, assim como a tolerância com relação às diversidades. Integra a dinâmica da universidade, portanto, as ações políticas necessárias para a vivência democrática.
O que nos impulsiona à realização do presente manifesto é a notícia de que alguns estudantes da Universidade de São Paulo que, em passado recente, participaram de atos políticos como forma de expressão de uma vontade coletiva, estão sofrendo processos administrativos que têm como finalidade a sua exclusão do quadro discente.
Não se questiona, por óbvio, o direito da Universidade de instalar sindicâncias e de instaurar processos administrativos para, respectivamente, apurar autorias e fixar penalidades, no que tange a irregularidades gravosas ao patrimônio público.
De todo modo, algumas objeções contundentes aos procedimentos abertos devem ser explicitadas. Em primeiro lugar, os processos estão embasados em um Decreto de 1972, o de número 52.906. Esse instrumento normativo, por evidente, não se inspira nos mesmos postulados democráticos que norteiam a atual Constituição brasileira, tanto que impossibilita a realização, por parte dos estudantes, de manifestações político-partidárias. Não é demais lembrar que a Constituição assegura o pluralismo político (art. 1o., inciso V) e a liberdade da crença política como direito fundamental (art. 5o., inciso VIII). Neste contexto, a USP, em atitude de respeito à cultura democrática que está sendo construída no Brasil, à tradição de liberdade que deve vigorar na cultura universitária, e à Constituição deve revogar, imediatamente, o código disciplinar instituído pelo Decreto Estadual nº 52.906, de 27 de março de 1972.
Em segundo lugar, e mais importante, a análise conjunta dos procedimentos mencionados, aliados a vários outros direcionados também contra servidores, incluindo um professor, revela o propósito indisfarçável de gerar incômodos a algumas pessoas determinadas que, sabidamente, têm tido inserção ativa em reivindicações políticas no seio da Universidade. A instauração de vários processos administrativos ao mesmo tempo, ainda que com a aparência de atos particularizados, configura, no contexto mencionado, uma atitude de represália, que não se coaduna com os princípios jurídicos da Administração Pública.
Os atos políticos realizados não foram em nenhum aspecto contrários aos interesses da instituição, não podendo ser vistos como atos de perturbação da ordem escolar, uma vez que buscavam pôr em debate aberto, no ato de 2007, a questão afeta à autonomia universitária e, no ato de 2010, a ampliação de políticas de permanência estudantil.
Acreditamos que as reivindicações eram pertinentes e que os meios utilizados foram apropriados, sobretudo em razão da falência dos espaços institucionais de diálogo e de deliberação da Universidade. Mesmo que a Administração assim não o considere, dizer, como está dito nos procedimentos referidos, que se “praticaram atos atentatórios à moral e aos bons costumes”, representa um exagero extremado.
O que resulta da situação presente, para além das individualidades referidas nos procedimentos, é o grave risco de se aniquilar a ação política no seio da Universidade, contra o que, neste ato, buscamos, desde já, democraticamente, nos posicionar.
Assinam: Fábio Konder Comparato, Marilena Chauí, Paulo Eduardo Arantes, João Adolfo Hansen, Ricardo Musse, Chico de Oliveira, Vladimir Safatle, Jorge Luiz Souto Maior, Otaviano Helene, Gilberto Bercovici, João Zanetic, Cilaine Alves Cunha, Sean Purdy, Macus Orione, Adma Muhana, Luiz Renato Martins, Lincoln Secco.
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Comentários
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a barbosa filho
Azenha, não encontrei lugar mais adequado, mas gostaria de informar que está em visita a São Paulo e ao Rio, o prefeito de Roterdã, na Holanda. Ahmed Aboutaleb é o primeiro imigrante (nasceu no Marrocos em 1961 e veio para a Holanda em 1976) e o primeiro muçulmano a governar uma cidade importante na Europa Ocidental.
No Brasil, chefia uma delegação da Universidade Erasmus, e conversará com empresários e com o prefeito Gilberto Kassab, sobre questões de engenharia hidráulica (enchentes, especialmente), área em que a Holanda é altamente avançada.
Por ser uma personalidade singular, e pelo muito que esse intercâmbio pode ser proveitoso ao Brasil, registro o fato, que não vi coberto pela mídia.
Ramalho
A propósito do pronunciamento do ministro Ayres Britto em favor da liberdade de imprensa.
Não há liberdade de imprensa com uma imprensa oligopolizada: se não cabem restrições do Estado à liberdade de imprensa, muito menos, dos donos – presumem-se assim – da imprensa.
Mais, e principalmente, o bem ético a proteger é a liberdade de expressão, o resto, incluindo a liberdade de imprensa, é mera consequência.
Regina
Ufa,demorou prá haver mobilizaçaõ…que o manifesto ganhe força da sociedade…pois a Usp precisa ser resgatada e liberta do autoritarismo do estado democrático.A USP precisa ser repensada…Um berço com tal importância é referência para o País.Apoiado o Manifesto.
Laura
Inacreditável. O que estão querendo fazer da universidade! O espaço da anti-discussão!
Rubens
Acho um absurdo não poder assinar como ex-aluno esse manifesto, com o qual concordo em sua totalidade. Afinal, sou economista formado pela FEA-USP em 1977 e pagador dos impostos paulistas que sustentam a Universidade.
Conceição Lemes
Rubens, pode assinar, sim. abs
A criminalização da política na USP | Viomundo – O que você não vê na mídia
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Klaus
Quais foram os atos políticos? O texto não esclarece, talvez porque diminua a força do manifesto dizer o que efetivamente eles fizeram.
@andremendes
em 2007, greve com ocupação a reitoria. em 2010, greve com ocupação de um prédio da coordenadoria de assistência social (coseas), que seria, originalmente, destinado à moradia estudantil.
esclarecer quais foram os acontecimentos relatados não diminui em nada a força do manifesto – note que ele expressa concordância com as atitudes tomadas na seguinte passagem do texto: "Acreditamos que as reivindicações eram pertinentes e que os meios utilizados foram apropriados, sobretudo em razão da falência dos espaços institucionais de diálogo e de deliberação da Universidade"
clovis
realmente, se não me atendem os pedidos eu posso invadir, depredar, ocasionando furto de equipamentos (se não cometeram)…
Imagina esta lógica levada para a vida…
@andremendes
caro clovis, não se trata de, tal qual uma criança que não recebeu o presente de natal que queria, bater o pé e chorar mais alto. estamos falando de reivindicações da categoria mais numerosa que compõe os quadros da usp.
os decretos do serra que ocasionaram a greve em 2007 causariam sérios problemas de perda de autonomia da universidade e de direcionamento do financiamento público das pesquisas desenvolvidas ali. pretendia-se cortar o financiamento das pesquisas que não tivessem marcado viés mercadológico, principalmente das áreas de humanas, dando continuidade ao processo de sucateamento das faculdades dessa área. só para ilustrar, vejamos a execuçao orçamentária da usp hoje: a reitoria, para sua manutenção, recebe 5,3% do orçamento. a faculdade de economia e administração, cifra próxima dos 12%. a faculdade de humanidades, que contém quase 10% do corpo discente, recebe… 5,5% do orçamento! basta uma visita às instalações dos referidos institutos para ver que esse orçamento tem sérios problemas.
já em 2010, as manifestações foram voltadas para a insuficiência da assistência estudantil. todo ano, cerca de 800 estudantes carentes ficam sem qualquer apoio para sua permanência na universidade e centenas são obrigados a abandonar seus estudos por isso todos os anos. o prédio ocupado havia sido prometido, após a greve de 2007, para mais moradia estudantil, o que ainda não foi cumprido. já pensou quantos pesquisadores e profissionais altamente qualificados a sociedade perdeu porque a reitoria nao cumpriu os acordos que ela própria firmou e nao garantiu o direito constitucional à educação, mesmo depois que esses estudantes passaram pelo crivo do vestibular?
isso sem falar da tropa de choque que foi enviada, ano passado, para atirar bombas nos estudantes em greve, fato inédito desde a ditadura militar.
diante disso, cabem alguns questionamentos: quem começou a violência? você olha com os mesmos olhos para os franceses, que se integraram às greves gerais sob a palavra de ordem de "aposentadoria para nossos pais, trabalho para nós"? e para os italianos, que ocuparam o coliseu aos gritos de "nós somos os leões", pedindo mais verbas para a educação? e para os argentinos, que com pauta muito semelhante ocuparam a reitoria da UBA esse ano?
não se trata de ser conivente com os desvios que acontecem, mas não me parece justo desqualificar esses acontecimentos usando de ironias e de caracterizações como a que você utilizou.
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