Luiza Erundina: Por uma interpretação autêntica da Lei da Anistia

Tempo de leitura: 3 min

25/05/2013 – 03h30
Luiza Erundina: Por uma autêntica interpretação

na Folha de S. Paulo

Antes de tudo, é preciso esclarecer não se tratar de revisão da lei nº 6.683/79, a Lei da Anistia. Mas, dar interpretação autêntica ao disposto no art. 1º, § 1º da referida lei, segundo a qual declaram-se conexos aos crimes políticos, objeto da anistia concedida pela lei, “os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.

É no sentido de dar nova interpretação ao que dispõe o art. 1º § 1º da lei que apresentei o projeto de lei 573/2011, que define no art. 1º que “não se incluem entre os crimes conexos, definidos no art. 1º § 1º da lei nº 6.683/1979, os crimes cometidos por agentes públicos, militares ou civis, contra pessoas que, de modo efetivo ou suposto, praticaram crimes políticos”.

A aprovação desse projeto é condição para efetivo cumprimento à sentença condenatória do Estado brasileiro, proferida em 24/11/2010 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Assim, é dever do Brasil cumprir integralmente a decisão.

Ao julgar a ação proposta pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), que questionava se a lei nº 6.683/1979 de fato anistiou agentes do Estado que cometeram crimes de tortura, assassinatos e desaparecimentos durante o regime militar (1964-1985), o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu manter a interpretação atual da Lei da Anistia e impedir que os responsáveis por crimes contra opositores políticos sejam processados, julgados e punidos.

O relator do processo, o então ministro Eros Grau, deu parecer contrário à revisão da lei, argumentando que ela teria sido “amplamente negociada”. Convém lembrar, no entanto, as condições em que tal acordo se deu. Os militares ainda tinham o controle do poder e a sociedade civil dava os primeiros passos na reconstrução da democracia no país.

Por entender a imperiosa necessidade de reinterpretação da Lei da Anistia para que se conheça a verdade sobre os crimes da ditadura e os responsáveis por eles não fiquem impunes, apresentei o mencionado projeto de lei, que se encontra na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, aguardando votação.

No momento, ocorre intensa discussão da matéria pela sociedade, particularmente pelos setores mais diretamente interessados, os Comitês Memória, Verdade e Justiça, criados e funcionando na maioria dos Estados brasileiros, além das Comissões da Verdade das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, que se manifestam favoravelmente à aprovação do projeto de lei.

Recentemente, alguns membros da Comissão Nacional da Verdade também se declararam favoráveis à reinterpretação da Lei da Anistia, para que os crimes cometidos por agentes do regime militar sejam punidos. Tal manifestação representa um avanço, considerando-se que a lei nº 7376/2010, que criou a comissão, limita seus objetivos ao resgate da memória e revelação da verdade histórica sobre as graves violações aos direitos humanos ocorridas no período da ditadura militar.

Assim, fica claro que esses limites e determinações legais precisam ser superados, com vistas a possibilitar a justiça de transição. Para tanto, se impõe a aprovação do projeto de lei 573/2011, que dá interpretação autêntica à Lei da Anistia.

A mesma instituição — Congresso Nacional — que aprovou a lei nº 6.683/1979, numa conjuntura e correlação de forças adversas, tem o poder e a prerrogativa de aprovar um outro diploma legal que atenda aos reais anseios da sociedade brasileira, ou seja, ver completado o processo de redemocratização e a plena consolidação da democracia no país.

LUIZA ERUNDINA DE SOUSA, 78, é deputada federal pelo PSB-SP. Foi prefeita de São Paulo (1989 a 1992)

Leia também:

Luiz Claudio Cunha: Quem teme a verdade sobre a ditadura?

 


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Comentários

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renato

Há de ser muito duro com os torturadores, mas não pode perder a
TERNURA ERUNDINA.
Só um puxãozinho de orelha, antes de pô-los na cadeia.

    jose roberto de frança

    Mas … peraí e os senhores da COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE não vão denunciar as figuras “ilustres” e “celebridades” que o Brasil ainda hoje exalta e cultua? Não vão procurar saber o que o “ídolo” Pelé estava fazendo e dizendo no dia 21/10/1970 quando visitava o DOPS de São Paulo e no gabinete do diretor geral daquela instituição de horrores? E também aquele tal de DIDI PEDALADA que jogou no México, depois no Guarani e no Cruzeiro e quando em decadência arranjou um emprego de TORTURADOR no DOPS GAUCHO graças á amizade com o sanguinário delegado PEDRO SEELIG, que por sua vez era amigo íntimo de famoso PAULO ROBERTO FALCÃO do Internacional. Quer saber mais? Procure o jornalista LUIS CLÁUDIO CUNHA, que estava na sucursal de VEJA em Porto Alegre em novembro de 1978 e conhece bem esses ” ilustres senhores. Vivemos numa “democracia domesticada” mas não podemos deixar falsos “heróis nacionais” permanecerem zombando de nossa memória e hombridade. Hombridade sim senhor, é o que precisamos demonstrar aos adversários da comissão da verdade. Aliás, já divulguei exaustivamente este texto em centenas de sites desta comissão, mas até hoje ninguém se dignou em comentar nem enviar-me nenhuma resposta.

Sagarana

Vai fundo!

abolicionista

Parabéns à Erundina, a melhor prefeita que São Paulo já teve.

Valmont

Parabéns à Deputada Luíza Erundina. Mulher que honra o Congresso Nacional.

Willian

Até acho que possa haver uma revisão, mas tem que ser mais bem embasado juridicamente. Do jeito que está no texto não dá. Senão, a cada novo governo pode-se dar uma nova interpretação a cada lei, ao sabor do momento.

    trombeta

    Profundo.

    hehehe…

trombeta

Erundina como você se sente fazendo parte da trairagem do PSB aliado a globo, instituto millenium e qualquer coisinha de direita que renda algum voto e dinheiro para seu candidato?

    willian

    Trombeta deve ser petista. Petista acha que tudo e todos existem para dar sustentação ao projeto do PT. Nenhum partido, da oposição ou da base aliada, tem direito a ter um projeto próprio.

Tiago

Erundina sempre excelente, me sinto muito bem representado por essa mulher.

Sobre o tema, gostaria de recomendar, para quem se interessar, a leitura desse link de dois anos atrás deste excelente blog que infelizmente não mais existe:

http://penaafrica.folha.blog.uol.com.br/arch2011-01-01_2011-01-31.html#2011_01-18_22_40_15-129032461-0

A verdade interessa a todos nós brasileiros, mas me pergunto que “verdade” interessa a alguns.

    desanimado

    Infelizmente é a mesma Erundina relatora do PL 360/2011.

Zanchetta

“É no sentido de dar NOVA interpretação…”
Ah, bom!!! Agora tá explicado… Cada governo que entra dá uma NOVA interpretação… e vamo que vamo…

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