Gilson Caroni Filho: 7 de setembro, as margens ainda são plácidas?

Tempo de leitura: 3 min

Nos dias de hoje, um país independente só pode embasar-se na legitimidade do seu regime político e na participação social dos seus cidadãos. Sem estes requisitos, a independência é degradada à mera função de serviços de Estado fraco e mercado desregulado, como vimos nos anos FHC.

por Gilson Caroni Filho

O 7 de setembro de 1822 marca o surgimento de um novo Estado – o do Brasil. Mas a nação que ele deveria expressar ainda estava em formação. Surgia ali uma configuração estatal que, se não era uma ficção, adiantava-se ao processo de formação nacional, para erigir-se em função dos interesses de grupos sociais específicos e de uma região particular.

A ruptura dos laços com a metrópole portuguesa, sob o bafejo do capital inglês, não redundaria na criação de um Estado nacional de corte burguês. Antes, permitiu que uma oligarquia escravocrata e fundiária articulasse um tipo de dominação senhorial que impôs uma superestrutura política liquidada apenas no século XX.

Precisamente este recorte viabilizou o que seria a marca das classes dominantes brasileiras: a autonomia nacional não se acompanhou da inserção da massa do povo no espaço da cidadania. A estratégia das chamadas elites operou – e ainda opera quase dois séculos após o Ato do Ipiranga – no sentido de frustrar a democratização da vida social, realizando a exclusão de amplos setores sociais da cena pública. A constituição do Estado, entre nós, verificou-se sistematicamente com o controle e a manipulação, pelo alto, da intervenção popular.

Convém lembrar que há 190 anos o Brasil já era uma sociedade de classes, na qual uns – os proprietários de terra – haviam aprendido que o uso da força lhes permitiria apropriar-se do fruto do trabalho de outros: a grande massa dos trabalhadores diretos. A Constituição de 1824, fruto de um golpe de Estado, consagrou a exclusão da vida política tanto de escravos – por sua condição jurídica – quanto de uma imensa maioria de trabalhadores livres da cidade e do campo.

Mesmo as mais notáveis inflexões no processo de constituição e desenvolvimento do Estado não reverteram a lógica da política excludente. Sempre que as lutas populares surgiram uma e outra vez, levantando as bandeiras de uma independência verdadeira e de uma autêntica justiça social, as classes dominantes não vacilaram em recorrer ao uso pleno da força que elas detinham de fato e – segundo estabeleceram várias constituições – de direito. Ainda que derrotadas, as sucessivas lutas pela conquista de direitos influíram fortemente na consciência nacional. Chegaria um tempo em que a sucessão de movimentos – o republicano, a revolução de 1930, as campanhas pelo petróleo, pelas reformas de base, pelas Diretas-Já – mostraria que a nação, ao contrário do que desejavam suas elites, já era uma realidade.

É por tudo isso que a comemoração dos 190 anos do Ato do Ipiranga deve merecer atenção especial, motivando a reflexão e a análise de todos os que pretendem que a independência e a soberania se fundem num Estado que expresse os interesses da massa dos cidadãos.

Nos dias de hoje, um país independente só pode embasar-se na legitimidade do seu regime político e na participação social dos seus cidadãos. Sem estes requisitos, a independência é degradada à mera função de serviços de Estado fraco e mercado desregulado, como vimos nos anos FHC.

É evidente que a independência não é uma questão estritamente política. Ela se liga intimamente à economia, especialmente num mundo em que a integração dos processos econômicos é uma exigência intrínseca da produção. No entanto, exatamente para isso, o controle dos aparatos estatais pelos representantes da população politicamente organizada é um pressuposto de independência.

Continuar cumprindo o projeto de soberania que o 7 de setembro inaugura, agora, é aprofundar os avanços obtidos nos últimos dez anos, dialogando com os movimentos sociais, em especial o MST . Manter a política externa, adensando a integração regional de forma a contemplar os interesses das forças sociais empenhadas no combate à exploração imperialista é imperativo.

Não podemos, como quer a direita encastelada no Instituto Millenium, voltar a ser um Estado de quatro poderes, com um deles – o das redações “Moderadoras” –, servindo a um vice-rei para recordar à burguesia e às oligarquias que seus interesses são defendidos se a cidadania for excluída. Ou se a razão do mercado aniquilar a vontade política.

Para as forças progressistas – que sempre deram o melhor de si para que a autonomia política se traduzisse em soberania nacional – a independência não é apenas uma data do calendário cívico. É uma luta contínua contra os que se empenham para que não haja mudança alguma no caráter de classe do Estado brasileiro. É combate diário contra os que pretendem submeter a autonomia dos Poderes – em especial o Judiciário – à linha editorial de uma mídia corporativa que não comporta a diversidade e o contraditório.

É essa a realidade que enfrentamos hoje. As forças do passado, reivindicando sua tradição oligárquica, se apoiam na grande imprensa, que cala vozes, para evitar profundas renovações da sociedade brasileira. Nas margens plácidas do Ipiranga, as possibilidades se multiplicam.


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tiago carneiro

E como estamos vendo nos anos de Fernando Segundo: o FHC DE SAIAS!

FrancoAtirador

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Plácidas, mansas, resignadas, obedientes, submissas…
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    Julio Silveira

    Talvez por que os “revolucionários” do Brasil ao assumir o sistema, se resignem, se acostumando a trabalhar com a mão m. Conveniência, sei lá. Mas o certo é que abdicam da prática do asseio ético, pelas comodidades e benesses do sistema.
    Adiando, ad eternum, nosso encontro com as justiças. Tranformando tudo em discursos vazios e retóricas de profissionais.

    FrancoAtirador

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    EM VEZ DE UM SONHO COLETIVO,

    TEMOS UMA DESILUSÃO COLETIVA

    EM PROL DO INDIVIDUALISMO.

    Difícil…
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Rodrigues

Hoje, penso ser um equívoco uma visão que considera a mídia como uma espéciede 4º poder à serviço de oligarcas ou de um grupo específico dentro da sociedade que seja contrário as mudanças.
A greve dos professores das IFES deixou claro que o governo federal se utiliza da mídia conservadora para impor a sua versão dos fatos e manipular a opinião pública a seu favor. Não por acaso o governo do PT, no poder central nos últimos 10 anos, não teve vontade política para implantar uma “ley dos medios”. Ou seja, no Brasil, poder da mídia não se explica a partir de uma visão binária da realidade social
Acho que se faz necessária uma análise que leve em conta o imbricamento entre o poder institucionalmente constituído e a mídia. Já não se trata de um órgão a serviço de uma clçasse (como também não o é mias o Estado). Uma investigação sobre esta relação entre mídia e Estado pode ser tão “revolucionária” e esclarecedora quanto o foi o estudo de Vitor Nunes Leal publicado em 1948 em “Coronelismo, enxada e voto”.

    Lucas Cardoso

    Simples: A mídia segue a cartilha de seus donos e de quem paga por publicidade. No caso do Brasil, a cartilha é guiada principalmente pela ideologia do capitalismo neoliberal\neoconservador. Quando o Estado vai contra essa ideologia, a mídia é contra o Estado, quando o Estado vai a favor, a mídia é a favor do Estado.

    Existem outros fatores (conchavos políticos, matérias compradas por partidos, etc.), mas me parece que esse explica a maior parte dos casos.

    Mesmo assim, concordo com você, seria bom se tivéssemos uma análise acadêmica sobre o assunto. Infelizmente, a área de ciências humanas no Brasil está quase completamente desvencilhada da esfera pública. É difícil achar estudos ou livros sobre fatos importantes da última década.

    Julio Silveira

    Acho que nessa discussão pode estar o caminho. O Estado quando financia, quer indiretamente, com publicidades por exemplo, quer como agente direto, indutor, da iniciativa privada ele privilegia, por que não o faz para todos. Faz geralmente para os que, lógicamente, lhes dão garantias, e geralmente quem lhes dá garantias não precisa. Ou seja fortalece ainda mais os fortes, criando excluidos e privilegiados. Penso que no estado, sendo bancado por impostos, a utilização dos recursos publicos deveriam ter uma melhor regulação, para fluir democraticamente. Para não permitir que a interferencia estatal se torne maligna, geradora de desigualdades, baseados unicamente nos estratagemas da iniciativa privada concentradora. Criadora de Slogan que pautam a sociedade como por exemplo, de que o estado não deve interferir no mercado. Mas brindam quando é de sua conveniência. O que falta está faltando ao Estado é competencia. Para gerir as necessidades para o qual fora criado. Também para avaliar os são seus contratados, Administradores, concursados ou eleitos. Dá demonstração disso quando passa a querer tranferir para a iniciativa privada suas obrigações e responsabilidades, dando sinal de inoperancia, de sua inutilidade, o que tem sido aproveitado pela midia privatista oportunista. Precisamos saber se o que fazem (ou deixam de fazer), é por má vontade cumplice, despraro cronico profissional, ou coisas muito piores, como por exemplo, estrutura montada como cartas marcadas para criar facilidades para poucos em detrimento da maioria da cidadania.

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