Flavio Lyra: Cuba e as democracias liberais na América Latina

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por Flavio Lyra, no Desenvolvimentistas                                          

O Presidente Obama, finalmente, tomou a histórica decisão de iniciar o processo de restabelecimento dos vínculos econômicos e políticos com Cuba.

Foram mais de cinquenta anos de agressões e discriminações de toda ordem contra a pequena ilha de Cuba, atualmente com apenas 11 milhões de habitantes, inclusive com uma tentativa fracassada de invasão, patrocinada pela CIA, na Baía dos Porcos, no início dos anos 60.

Durante todos estes anos, Cuba tem estado submetida às consequências de fortes sanções econômicas por parte da maior potência econômica e militar do mundo: o governo norte-americano tem proibido que suas empresas realizem negócios com Cuba, onde se realiza a única experiência socialista na América Latina. O argumento usado e abusado é sempre o mesmo: a falta de liberdades democráticas que o governo socialista impõe ao povo de Cuba.

A verdade, porém, é que o modelo de governo socialista implantado em Cuba, a partir da revolução vitoriosa concluída em 1959, corresponde a um tipo de democracia diferente das existentes nos países capitalistas.

Esse tipo de governo foi adotado como resposta às pressões provenientes dos Estados Unidos, insatisfeitos com a estatização de empresas controladas por capitais norte-americanos,  logo após a revolução. Cuba foi forçada a aliar-se a antiga União Soviética na época da chamada “Guerra Fria”.

Com o esfacelamento da União Soviética em 1989, Cuba perdeu o mercado de seu principal produto, o açúcar, juntamente com outras modalidades de ajuda militar e econômica que recebia daquele país, ficando no pior dos mundos, pois já não contava com o apoio dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais. Ao contrário, sofria forte oposição dos mesmos.

Mesmo atravessando forte crise, Cuba conseguiu sobreviver e preservar seu sistema socialista de governo, realizando mudanças que a tornam um exemplo no mundo, em termos de emancipação popular e de avanços no campo social.

Comparações em termos de indicadores sociais com outros países do Caribe, assemelhados em termos demográficos, geográficos e econômicos, mas com sistemas de governo liberais-democráticos, mostram uma clara vantagem em favor de Cuba.

Considere-se inicialmente, Porto Rico, uma ilha do Caribe próxima a Cuba, atualmente com 4 milhões de habitantes, que foi incorporada pelos Estados Unidos, juntamente com Cuba, no final do Século XIX, após a derrota infligida à Espanha na guerra travada com aquele país.

Lamentavelmente, nem mesmo modelo de democracia ocidental, ainda não foi estendido inteiramente aos porto-riquenhos, que ainda hoje vivem num mero estado-associado, sem personalidade jurídica própria, sem direito a votar na eleição de senadores e representado em Washington por um delegado não-votante.

Porto Rico coloca-se em posição muito desfavorável no mundo, em termos de mortalidade infantil e grau de alfabetização. Acha-se atualmente muito endividado e apresenta uma taxa de desemprego de 13%. Para a minoria de ricos que lá vive e beneficia-se da indústria de turismo, controlada por capitais norte-americanos, certamente que o modelo de democracia lá existente nada deixa a desejar. Resta saber se o povo porto-riquenho está satisfeito.

Não sem razão, o Congresso Latino-americano e Caribenho pela Independência de Porto Rico, realizou-se em 2006, com o propósito de apoiar a independência dessa ilha. Nada mais injusto para o povo de Porto Rico do que pertencer ao território da maior potência do mundo e apresentar índices de qualidade de vida muito próximos aos dos países mais atrasados da Região.

A República Dominicana, com 10 milhões de habitantes, vizinha do Haiti, com o qual divide o território de uma mesma ilha, também localizada no Caribe, próxima a Cuba, é mais um exemplo do modelo de democracia ocidental, ocupando o 116° lugar no mundo em mortalidade infantil, com uma taxa de 29,6 por mil nascidos vivos, e o 89° lugar no mundo em taxa de alfabetização, com 89,1% de alfabetizados.

Ali, também, à semelhança de Porto Rico, vive um grupo de capitalistas norte-americanos, representando um percentual mínimo da população, que controla a indústria de turismo, a principal atividade econômica do país.

É quase desnecessário mencionar o pobre Haiti, localizado na mesma ilha que a República Dominicana, com a qual divide o território, com 10 milhões de habitantes. Ocupa, o 136° lugar no mundo em mortalidade infantil, com uma taxa de 48,8 por mil nascidos vivos e tem uma taxa de alfabetização de apenas 54,8%, ficando no 154° lugar no mundo.

Também, no Haiti, existe um pequeno número de ricos que controla o grosso da renda do país, enquanto a maioria da população vive na miséria.

Os casos citados são três exemplos notórios do modelo de democracia fartamente elogiado pela grande imprensa e protegido pelos Estados Unidos. Em alguns desses países, como Granada, República Dominicana, Guatemala e Panamá, os Estados Unidos já interviram militarmente para defender suas “exemplares” democracias contra revoltas populares.

Chama a atenção que o tão combatido modelo de governo socialista existente em Cuba, durante seu meio século de vida, sob forte pressão externa, tenha conseguido alcançar condições gerais de vida para sua população muito superiores a de seus vizinhos do Caribe.

Para um país pobre, como Cuba, com uma renda per capita de apenas quatro mil e quinhentos dólares (1/5 da dos Estados Unidos), a taxa de mortalidade infantil é de apenas de 5,1 por mil nascidos vivos. O analfabetismo foi inteiramente banido e a expectativa de vida é de 78,3 anos. Além disto, em Cuba, não há miséria!

Há verdades que precisam ser ditas e difundidas, Cuba continua a ser um país pobre, cujos automóveis em circulação nas ruas são antigos e desgastados pelo tempo. Seus edifícios estão mal cuidados e envelhecidos. Sua imprensa é controlada pelo governo e a saída do país não é livre como nos demais países da região.

Mas há também muitas e mais importantes verdades que dizem respeito à privilegiada condição de vida de sua população, que decorre da opção política de seu povo por um governo socialista. O modelo de sociedade cubana é uma inovação em relação à democracia esclerosada e viciada existente em nossos países.

Lá, as prioridades são definidas em função das necessidades básicas da população e não de um consumismo estúpido e inconsequente, que permite a uma minoria ter um padrão de vida de país rico e a maioria viver condenada a eterna pobreza. Lá, o ensino, a saúde e a moradia são gratuitos.

Lá, não existem ricos e, por isso mesmo, não vemos demonstrações de opulência, nem de luxo. Lá, é onde se tem atingido realizações importantes no campo da medicina, com a formação e a exportação de médicos para países necessitados.

Lá é onde a pesquisa científica na área médica e o desenvolvimento e a produção de numerosas vacinas (exportadas para outros países) contra doenças endêmicas em nossos países têm avançado substancialmente.  Finalmente, lá é onde os negros pobres dos Estados podem estudar gratuitamente e chegar a ser médicos ou ter outras profissões que não poderiam alcançar, por razões econômicas, em sua pátria economicamente poderosa, onde prevalece o modelo de democracia liberal.

Merece destaque que, em comparação com o Brasil, cuja renda por habitante é maior do que duas vezes a de Cuba, este pequeno país leva nítida vantagem em todos os indicadores que dizem respeito às condições gerais de vida da maioria da população.

Flavio Lyra é Economista da escola da UNICAMP. Ex-técnico do IPEA.

Leia também:

Emir Sader: Com vitória de Cuba, vira-se a última página da Guerra Fria


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Comentários

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Mauro Assis

Fico pensando em quando tempo vai levar para termos um Disney em Cuba…

WALTER BEZERRA DE MENEZES NORDESTINO

POVO CORAJOSO E DECIDIDO… OPTARAM POR UMA DEMOCRACIA MESMO COM O ALTO CUSTO DO EMBARGO DOS GRINGOS… HOJE ELES (GRINGOS)RECONHECEM QUE A SAÚDE “TALHADA COM AS UNHAS” FICOU MELHOR DO QUE TUDO QUE ELES TEM DE MAIS MODERNO NA AMERICA DO NORTE…POR ISSO QUE SE RENDERAM NA HORA DE ENFRENTAR O “EBOLA”…QUE VENHAM MAIS MÉDICOS DE LÁ PARA O INTERIOR DO BRASIL, AFIM DE ATENDER A POPULAÇÃO DE CARENTES EM SUAS CASAS… COISAS QUE OS “BACANAS” DAQUI DO BRASIL NÃO FARIAM NUNCA…QUEM CONVIVE COM ELES (MEDICOS CUBANOS) SABE QUEM SÃO…

    Conceição Lemes

    Walter, letras minúsculas nos comentários, por favor. Norma do Viomundo para aprovação de comentários. abs

FrancoAtirador

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O Genocídio da Infância na Europa e na América do Norte

PIB NA BOLSA DE VALORES: PAÍSES ‘RICOS’, POVOS POBRES

Pobreza Infantil cresce nos Países ‘Ricos’ [?!?]
e atinge 76,5 milhões de crianças na UE/OCDE

Só nos United States of America (‘o mais rico’)

já há mais de 24 milhões de crianças pobres

Pobreza Infantil nos U.S.A. superou a taxa média de 32%,

inclusive nos estados norte-americanos com maior PIB:

Na Flórida subiu para 32,7%. Em New York foi a 34,3%.

Na Califórnia aumentou para 36%. E no Texas chegou a 37,1%.

Vide Tabelas DA UNICEF/ONU:

(http://www.unicef.pt/docs/Unicef-Children-in-the-Developed-World.pdf)
(http://www.unicef.org/media/media_76447.html)
(http://www.dw.de/crise-eleva-pobreza-infantil-nos-pa%C3%ADses-ricos/a-18025713)

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_estados_dos_Estados_Unidos_por_PIB)

Outros dados:
(http://www.azpijoko.com/2014/12/14-escalofriantes-datos-sobre-la.html)
(http://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/12/sonho-americano-fatos-chocantes-eua.html)
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Comparação com o Brasil: (http://imgur.com/Tdu9rmF)

(http://odia.ig.com.br/noticia/economia/2014-11-01/criancas-brasileiras-passaram-imunes-a-recessao-economica-internacional.html)
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yara m.m.toledo

O ÂMAGO da questão…..:CUBA ESTATIZOU EMPRESAS CONTROLADAS POR CAPITAL NORTE-AMERICANO! Daí o embargo por 50 anos!

José Souza

Nós, seres humanos, quando nascemos, necessitamos de uma correta alimentação e cuidados médicos. Cabe às famílias fornecerem esse suporte. Se, por qualquer que seja a razão isso não for possível, cabe ao Estado suprir essas necessidades. Uma vez ultrapassada essa etapa vem a educação, que deve ser oferecida também pela família e/ou o Estado para que aquela vida efêmera venha a ser um ser útil à toda a sociedade. Aqui está a diferença entre nós, países dito “capitalistas” e a ilha de Cuba. Foi Che Guevara quem convenceu Fidel a dar esse suporte, essa assistência em Cuba no início de sua revolução. E deu tão certo que passou a ser a bandeira de Cuba nas comparações futuras de índices sociais, publicados internacionalmente. Todos queremos educação e saúde para nossa população mas, países como o nosso, deixavam isso por conta exclusiva das famílias. Então, a desassistência generalizada passou a ser a marca registrada do Brasil porque apenas algumas famílias podem bancar essas etapas da vida de seus entes. Somente com a chegada da esquerda ao poder central, leia-se PT, é que iniciou-se o cuidado para com a vida que se inicia. Leva tempo para se eliminar essa injusta desassistência, mas resultados positivos já podem ser vistos em alguns índices sociais publicados por organismos internacionais. A população brasileira precisa manter no poder, por, pelo menos, uma geração o governo que ai está para que se possa retirar o atraso a que fomos obrigados a suportar. Gostaria de ver e torço para que Cuba saiba aproveitar a parte boa do capitalismo representado pela evolução e utilização de tecnologia mas também temo que o reatamento das relações diplomáticas entre Cuba e EUA seja apenas mais um lance no jogo de xadrez geopolítico que vem sendo jogado contra a Rússia. Continuo confiando na família Castro na condução do futuro da ilha caribenha. Ela é a única que deu, até aqui, um recado ao mundo político de que é possível uma alternativa de governo que vise o bem estar da sua população como um todo e não apenas para os “com posses”, ou “bem nascidos”, ou “os ricos”.

Gerson Carneiro

Não há em Cuba narcotráfico e violência urbana.

Imagino que a primeira coisa que o governo norte americano tentará é enfiar narcotraficantes em Cuba para desestabilizar o governo cubano. Já que não conseguiram com o longo embargo econômico.

É só observar o que ocorre no México (alí coladinho aos EUA) em relação ao narcotráfico.

O narcotráfico abastece Bancos norte-americanos. Os EUA são o gigantesco indutor mundial da produção e do tráfico de drogas.

Os EUA são a sociedade que mais consome drogas no mundo, tornando-se o seu maior mercado consumidor.

    Vitorio Guilhermo Sorenzi

    Algo a se pensar!

Fabio Passos

Cuba é exemplo positivo para o mundo.
Suas conquistas sociais são expressivas. Não são um acidente. São fruto de um regime que trocou a ganância pela solidariedade.
Uma ilha pequena e pobre tem indicadores sociais muito superiores ao do Brasil.
Temos muito o que aprender com Cuba.

    Vitorio Guilhermo Sorenzi

    Entendo, mas ainda assim continua uma ditadura militar, caso contrário, Raul não apareceria trajando seu uniforme na maioria das vezes.
    Será que estão querendo dizer, subliminarmente que se fôssemos uma ditadura ‘séria’ como a de Cuba, teríamos os mesmos índices em educação e saúde?

    Fabio Passos

    Cuba é mais democrática do que o Brasil, eua ou qualquer outra “democracia ocidental”. Quem governa o mundo é o capital. Escolhemos a cada eleição o novo “relações públicas” do mercado.

FrancoAtirador

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O Apogeu e o Declínio Orgânico de um Sistema Autofágico

Em determinados momentos da História Política e Econômica da Humanidade,
a Esquerda – se não é – aparenta ser mais Conservadora que a Direita.

O Poder Econômico Absolutista do Mercado Financeiro Global,
infiltrando-se nas instituições governamentais dos Países,
inclusive nas legislativas e, por conseguinte, nas judiciárias,
tomou para si a Posse da Administração dos Estados Nacionais,
subjugando os Governos ao Capital-de-Papel Corporativo Globalizado,
forçando-os a gerenciar paliativamente sucessivas Crises Virtuais
provocadas pelos Operadores Agiotas desse mesmo Mercado Abstrato
que delas se beneficiam, auferindo lucros abundantes e abusivos,
por meio da cobrança de juros extorsivos sobre dívidas irreais,
às custas da arrecadação dos impostos da população trabalhadora.

O Neoliberalismo – termo que é um eufemismo criado por economistas
para ocultar o significado de crueldade e perversidade que carrega –
é, a um tempo, o apogeu e o declínio orgânico de um Sistema Autofágico
onde células sociais se devoram para perpetuar o conjunto da espécie,
diante da iminente ameaça de falência múltipla dos órgãos vitais
por infecção generalizada nas entidades da Democracia Representativa.

Os Estados-Nação, com um Povo em um Território com Fronteiras determinadas,
que se afirmavam por meio de uma Ideologia, de uma Estrutura Jurídica
e da Capacidade de impor sua Soberania, com Forças Armadas, Moeda e Idioma próprios,
chegaram ao fim, sem que a maioria sequer percebesse e se conscientizasse.

O Capitalismo do Bem-Estar Coletivo do Hemisfério Norte acabou –

e infelizmente aqui no Sul só se fez conhecer ao Povo, na Teoria,

de ouvir os ‘intelectuais’ falarem de Cuba e da Escandinávia…

Decorre daí o absoluto descrédito das sociedades capitalistas

nos poderes públicos institucionais e nas entidades privadas,

representativas de classes ou não, atingindo até a Mídia-Empresa

que aderiu de corpo e alma aos trâmites dos “Hedges and Futures”.

Porém a Esquerda, em vez de propor alternativas radicais, e aplicá-las,

promove a negação de fatos inegáveis, tentando remediar o irremediável,

para solucionar um problema sem resolução, uma enfermidade sistêmica

que não tem cura, senão pela extirpação do cancro devorador pela raiz.

Há pelo menos três décadas, está posto que presenciamos, vivenciamos e testemunhamos,
uma fase de Mutação da Economia, em nível planetário, com enormes repercussões
políticas e sócio-culturais gravíssimas e irreversíveis, com a chamada Globalização –
outra palavrinha ambígua inventada pelos Usurários para distorcer
e suprimir o sentido real da má intenção, escondendo-lhe a Conotação
de Dominação Político-Econômica Mundial pelo Expansionismo
dos Mercados Desregulados para Espoliação de todas as Nações do Planeta Terra,
através da tradicional Apropriação dos Recursos Naturais, sempre Predatória,
e por meio da Sangria Monetária, pela via Fiscal Legal ou Criminosa.
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Nelson Sales e Silva.

Estando bem para os Norte americanos tem que estar bem para todo mundo É triste ver os partidários do capitalismo torcendo por uma potencia que não se envergonha de hostilizar uma população indefesa. Torçamos para que este lampejo na cabeça de Presidente Obama seja o inicio de uma justiça tardia, e que a má vontade da oposição não venha a impor dificuldade, pois assim como aqui, as Hienas estão de olho na presa e só penssam naquilo.

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