Entidades científicas à Dilma: Alterações aprovadas pelo Senado representam mais retrocessos

Tempo de leitura: 6 min

do Jornal da Ciência / SBPC

A tramitação da MP 571/2012 do Código Florestal foi concluída no Congresso e retorna para apreciação da presidente da República. Confira a íntegra da carta encaminhada pela SBPC e ABC para a presidente Dilma Rousseff.

Senhora Presidenta,

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) vêm mais uma vez manifestar sua preocupação com o Código Florestal, desta vez por meio de alterações na MP 571/2012 aprovadas pelo Congresso Nacional, que representam mais retrocessos, e graves riscos para o País.

O Brasil deveria partir de premissas básicas que ele próprio aprovou em fóruns internacionais, como na Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. O documento aprovado na Rio+20, denominado “O Futuro que Queremos”, ressalta o compromisso com um futuro sustentável para o planeta de modo que haja a integração equilibrada das dimensões social, econômica e ambiental.

O documento reconhece a importância da colaboração da comunidade científica e tecnológica para o desenvolvimento sustentável e o fortalecimento da conexão entre a ciência e as políticas, mediante avaliações científicas confiáveis que facilitem a adoção de decisões informadas.

Reafirma a necessidade de promover, fortalecer e apoiar uma agricultura mais sustentável, que melhore a segurança alimentar, erradique a fome e seja economicamente viável, ao mesmo tempo em que conserva as terras, a água, os recursos genéticos vegetais e animais, a diversidade biológica e os ecossistemas e aumente a resiliência à mudança climática e aos desastres naturais.

Também reconhece a necessidade de manter os processos ecológicos naturais que sustentam os sistemas de produção de alimentos. Além disto, ressalta os benefícios sociais, econômicos e ambientais que as florestas, seus produtos e serviços, podem proporcionar para as pessoas e para as economias. Para que isto ocorra, os países concordaram em envidar esforços para o manejo sustentável das florestas, a recomposição, a restauração e o florestamento, para aumentar as reservas florestais de carbono.

Com a aprovação da MP 571/2012 pelo Senado o Brasil deixará de cumprir os compromissos que assumiu com seus cidadãos e com o mundo, aprovando medidas que não privilegiam a agricultura sustentável e que não reconhecem a colaboração da ciência e da tecnologia nas tomadas de decisão.

A ABC e a SBPC são contra as seguintes alterações na MP 571/2012:

Definição de Pousio sem delimitação de área – Foi alterada a definição de pousio incluída pela MP, retirando o limite de 25% da área produtiva da propriedade ou posse (Art. 3o inciso XXIV). Para a ABC e SBPC as áreas de pousio deveriam ser reconhecidas apenas à pequena propriedade ou posse rural familiar ou de população tradicional, como foram até o presente, sem generalizações. Além disto, deveriam manter na definição o percentual da área produtiva que pode ser considerada como prática de interrupção temporária das atividades agrícolas.

Redução da obrigação de recomposição da vegetação às margens dos rios – O texto aprovado pelo Senado Federal beneficiou as médias e grandes propriedades rurais, alterando o Art. 61-A da MP 571/2012. Nele, a área mínima obrigatória de recuperação de vegetação às margens dos rios desmatadas ilegalmente até julho de 2008 foi reduzida. As APPs não podem ser descaracterizadas sob pena de perder sua natureza e sua função. A substituição do leito maior do rio pelo leito regular para a definição das APPs torna vulneráveis amplas áreas úmidas em todo o país, particularmente na Amazônia e no Pantanal, onde são importantes para a conservação da biodiversidade, da manutenção da qualidade e quantidade de água, e de prover serviços ambientais, pois elas protegem vidas humanas, o patrimônio público e privado de desastres ambientais.

Redução das exigências legais para a recuperação de nascentes dos rios. A medida provisória também consolidou a redução da extensão das áreas a serem reflorestadas ao redor das nascentes. Apesar de que a MP considera como Área de Preservação Permanente (APP) um raio de 50 metros ao redor de nascente, a MP introduziu a expressão “perenes” (Art. 4o, inciso IV), com o intuito de excluir dessas exigências as nascentes intermitentes que, frequentemente, ocorrem em regiões com menor disponibilidade anual de água. Para fins de recuperação, nos casos de áreas rurais consolidadas em Áreas de Preservação Permanente no entorno de nascentes e olhos d’água perene, é admitida a manutenção de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou de turismo rural, sendo obrigatória a recomposição do raio mínimo de 15 (quinze) metros (Art. 61-A § 5º).

Reflorestamento de nascentes e matas ciliares com espécies arbóreas frutíferas exóticas. É inaceitável permitir a recuperação de nascentes e matas ciliares com árvores frutíferas exóticas, ainda mais sem ser consorciada com vegetação nativa, em forma de monocultivos em grandes propriedades. Os cultivos de frutíferas exóticas exigem em geral uso intensivo de agrotóxicos, o que implicará contaminação direta dos cursos de água (Art. 61-A, inciso V).

Áreas de Preservação Permanente no Cômputo das Reservas Legais – As Áreas de Preservação Permanente não podem ser incluídas no cômputo das Reservas Legais do imóvel. As comunidades biológicas, as estruturas e as funções ecossistêmicas das APPs e das reservas legais (RLs) são distintas. O texto ainda considera que no referido cômputo se poderá considerar todas as modalidades de cumprimento da Reserva Legal, ou seja, regeneração, recomposição e compensação (Art. 15 § 3o ). A ABC e a SBPC sempre defenderam que a eventual compensação de déficit de RL fosse feita nas áreas mais próximas possíveis da propriedade, dentro do mesmo ecossistema, de preferência na mesma microbacia ou bacia hidrográfica. No entanto, as alterações na MP 571/2012 mantêm mais ampla a possibilidade de compensação de RL no âmbito do mesmo bioma, o que não assegura a equivalência ecológica de composição, de estrutura e de função. Mantido esse dispositivo, sua regulamentação deveria exigir tal equivalência e estipular uma distância máxima da área a ser compensada, para que se mantenham os serviços ecossistêmicos regionais. A principal motivação que justifica a RL é o uso sustentável dos recursos naturais nas áreas de menor aptidão agrícola, o que possibilita conservação da biodiversidade nativa com aproveitamento econômico, além da diversificação da produção.

Redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico – O Art. 61-B, introduziu a mudança que permite que proprietários possuidores dos imóveis rurais, que em 22 de julho de 2008, detinham até 10 (dez) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente, recomponham até o limite de 25% da área total do imóvel, para imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) e até 10 (dez) módulos fiscais, excetuados aqueles localizados em áreas de floresta na Amazônia Legal. Este dispositivo permitirá a redução da área de recomposição no Cerrado Amazônico. Toda a Amazônia Legal seguia regras mais rígidas. Com a mudança, apenas áreas de florestas da Amazônia Legal ficam excluídas do limite de 25%.

Delegação aos Estados para definir, caso a caso, quanto os grandes proprietários devem recuperar de Áreas de Preservação Permanente (APPs) ilegalmente desmatadas. A delimitação de áreas de recuperação, mantidos os parâmetros mínimos e máximos definidos pela União, foi remetida para o Programa de Regularização Ambiental (PRA) a delimitação de áreas de recuperação. Atualmente esta competência é compartilhada entre municípios, Estados e governo federal. Determinar que cada estado defina o quanto os grandes proprietários terão de recuperar das áreas de preservação irregularmente desmatadas, pode incentivar uma “guerra ambiental”.

Diminuição da proteção das veredas – O texto até agora aprovado diminuiu a proteção às veredas. A proposta determina ainda que as veredas só estarão protegidas numa faixa marginal, em projeção horizontal, de 50 metros a partir do “espaço permanentemente brejoso e encharcado” (Art. 4o, inciso XI), o que diminui muito sua área de proteção. Antes, a área alagada durante a época das chuvas era resguardada. Além desse limite, o desmatamento será permitido. As veredas são fundamentais para o fornecimento de água, pois são responsáveis pela infiltração de água que alimenta as nascentes da Caatinga e do Cerrado, justamente as que secam durante alguns meses do ano em função do estresse hídrico.

Regularização das atividades e empreendimentos nos manguezais – O artigo 11-A, incluído pela MP, permite que haja nos manguezais atividades de carcincultura e salinas, bem como a regularização das atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenham ocorrido antes de 22 de julho de 2008 (§§ 1o 6º). Os manguezais estão indiretamente protegidos pelo Código Florestal desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia. Esse artigo, além de promover a regularização de áreas desmatadas irregularmente, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de camarões.

Senhora Presidenta, se queremos um futuro sustentável para o País, se queremos promover o desenvolvimento do Brasil, se queremos que a agricultura brasileira perdure ao longo do tempo com grande produtividade, que minimizemos os efeitos das mudanças climáticas, que mantenhamos nosso estoque de água, essencial para a vida e para a agricultura, que protejamos a rica biodiversidade brasileira, temos que proteger nossas florestas.

Portanto solicitamos cordial e respeitosamente que Vossa Excelência atue para garantir que os itens acima apontados sejam considerados na MP 571/ 2012, aprovada pelo Senado Federal.

Atenciosamente,

Helena B. Nader
Presidente SBPC

Jacob Palis
Presidente ABC

Leia também:

Gerson Teixeira: Novo Código Florestal blinda latifúndio improdutivo

Milho transgênico tratado com herbicida aumenta incidência de câncer em ratos

Débora Calheiros: Sociedade vai ter de escolher entre conservar o Pantanal ou gerar 2% de energias

Paulo Kliass: Tirem as mãos da Embrapa!

Raul do Valle: Laranjais com agrotóxicos para “proteger” nascentes

Roberto Requião: PT usa eufemismo para esconder suas privatizações; Embrapa é a próxima

Justiça Federal condena Monsanto por propaganda enganosa

Algodão transgênico é liberado com base em relatório da Monsanto

O ataque dos ruralistas aos rios temporárioso

Rubens Nodari: Em vez de reduzir, transgênicos aumentam consumo de agrotóxicos

Cleber Folgado: “Queremos ser os maiores produtores de alimentos saudáveis do mundo”


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Rodolfo Machado

Acabei de assistir no Tv escola ao documentário Um homem,uma vaca,um planeta, ótimo, maravilhoso, trata do desenvolvimento da agricultura biodinâmica na Índia, de como o agronegócio aliado a agrotóxicos e fertilizantes químicos gerou pobreza e miséria no pais.
O resultado de um estudo da UNESP feito na região da Alta Mogiana mostra como o agronegócio concentra renda e gera pobreza, semelhante ao que acontece na Índia:

http://www.diarioliberdade.org/brasil/consumo-e-meio-natural/34116-pobre

A ideia do progresso infinito, a ideia de que precisamos de fertilizantes químicos e de agrotóxicos parece ter feito a cabeça também de muitos auto intitulados progressistas, que veem nos transgênicos e nos agrotóxicos um mal apenas se forem da Monsanto, mas se forem parte do pacote desenvolvimentista do governo supostamente de esquerda de Dilma e do PT, tudo bem, já que o mito de que sem eles o mundo passara fome emplacou também na cabeça destes mesmos ditos progressistas, o agronegócio é a vitrine do desenvolvimento do Brasil.
Acredito que é preciso mais discussão sobre este assunto.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=jnTF0kQBupw

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=RH22diNqGyQ

Rodolfo Machado

As instituições científicas se colocam a serviço das corporações do agronegócio

http://www.sinpaf.org.br/06/11/as-instituicoes-cientificas-se-colocam-a-servico-das-corporacoes-do-agronegocio/

Por sinpaf em 6 de novembro de 2012 – 14:18 categoria: Entrevistas / nenhum comentário

No dia 01 de outubro, o presidente da Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Pedro Arraes, foi exonerado de seu cargo. A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) enviaram um ofício conjunto ao governo federal pedindo a indicação de um substituto que seja aberto ao diálogo com as organizações e movimentos sociais que defendem a agroecologia como enfoque científico para o desenvolvimento agrícola. Até o fechamento desta entrevista ninguém foi indicado à presidência da instituição. Do site Agroecologia

Para falar sobre essa conjuntura e o papel da Embrapa para as políticas direcionadas à agricultura no Brasil ouvimos Paulo Petersen, vice presidente da ABA-Agroecologia e coordenador executivo da AS-PTA, organização que integra a coordenação da ANA. Para ele, essa mudança na direção da Embrapa tem um forte significado nesse momento em que a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica será definida e implantada. Segundo Petersen, para o bem ou para o mal, a Embrapa tem um papel fundamental a desempenhar no avanço da persepctiva agroecológica.

O que sinaliza a saída do presidente da Embrapa para os movimentos da agroecologia e os pesquisadores?

O presidente exonerado da Embrapa interrompeu um diálogo iniciado pelo antigo presidente, Silvio Crestana, que havia criado o Fórum Permanente de Agroecologia durante sua gestão. A criação desse espaço de interlocução havia sido uma demanda da ABA-Agroecologia e da ANA que não encontravam nos demais espaços formais de diálogo, como os conselhos assessores externos, ambientes adequados para a elaboração e o monitoramento de ações concretas voltadas para a internalização da agroecologia nos projetos de pesquisa da instituição. De forma geral, as organizações do campo agroecológico se apresentavam muito diluídas frente ao domínio dos grupos do agronegócio nesses espaços. Pedro Arraes interrompeu esse canal de participação social o que é muito grave pois não acredito que a Embrapa consiga avançar na agenda de pesquisa em agroecologia se não o fizer em sintonia e em cooperação com as organizações da sociedade civil.

Mas certamente sua destituição não ocorreu por conta de suas posições avessas ao enfoque agroecológico e à pesquisa em agricultura familiar. Aliás, logo após a sua posse, estivemos com ele em uma audiência para debater a continuidade do Fórum de Agroecologia e fomos recebidos com a seguinte frase: “para mim só existe uma agricultura, não há porque fazer essa diferenciação entre familiar e patronal, agronegócio e agroecológico”. Já ali percebemos que enfrentaríamos tempos difíceis no diálogo com a direção da Embrapa. Negar as evidentes diferenciações foi a forma mais simples de suprimir a agenda que propúnhamos.

No Encontro dos Povos do Cerrados, Pedro Arraes falou à ANA que os transgênicos são cientificamente comprovados, de forma que não trazem malefício à saúde humana. Na semana seguinte foram divulgados os resultados de uma pesquisa francesa apontando tumores em ratos alimentados com o milho transgênico que é largamente cultivado no Brasil…

É muito lamentável que o presidente de uma prestigiosa instituição científica venha a público para afirmar fatos de tamanha importância para a sociedade que não encontram nenhum respaldo na ciência. Nesse caso, a ironia do destino se incumbiu de repor a verdade dos fatos em menos de uma semana. Como vimos dizendo há muito tempo: a falta de evidência da existência de riscos dos transgênicos à saúde e ao meio ambiente não significa que os riscos não existem. E dificilmente serão detectados se pesquisas independentes sobre biossegurança, como a divulgada pelos franceses, não forem realizadas. Apesar de ser uma empresa pública, a Embrapa não vem tendo a independência necessária para se posicionar nessa e em outras matérias de interesse da sociedade. Outro exemplo vem da novela do Novo Código Florestal. Os ruralistas pressionaram a Embrapa para que se manifestasse favoravelmente às suas propostas de alteração no Código. O antigo presidente, Sílvio Crestana, não se prestou a esse papel ao afirmar que a Embrapa só se posiciona com base em resultados de pesquisa e não em função de conveniências políticas. Não tenho dúvida de que essa sua posição foi determinante para a sua saída da presidência da instituição. Infelizmente, a mesma postura não foi seguida pelo seu sucessor, agora exonerado. Esses episódios revelam uma crise de institucionalidade gravíssima que coloca em risco a credibilidade da Embrapa perante a sociedade.

Qual a expectativa com relação às mudanças na direção da Embrapa, levando em consideração a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO)?

O cenário para a substituição da presidência da Embrapa não é muito favorável levando em conta o fato de que os ruralistas, através de suas organizações, têm exercido um forte pressão no sentido de pautar o perfil do novo presidente. Para esse setor, é esencial que a Embrapa continue sendo funcional aos seus interesses. Por isso tomam a iniciativa de indicar nomes por meio da imprensa. O próprio Ministério da Agricultura solicitou a indicação de nomes à Sociedade Rural Brasileira. Me pergunto porque essa precedência a uma organização ruralista. É importante que o governo saiba que as organizações da sociedade civil e os movimentos sociais vinculados à ANA estão atentos a essa nomeação. Ela será um termômentro que nos sinalizará o efetivo compromisso da Embrapa com a PNAPO e, de forma mais ampla, com a agricultura familiar e os povos e comunidades tradicionais. Nossa expectativa, portanto, é que a nova direção da Embrapa defenda e exerça o caráter público da instituição, estabelecendo processos de gestão democráticos, transparentes e afinados com as demandas da sociedade. Temos a convicção de que o avanço da agroecologia dependerá do aporte do conhecimento científico e por isso a Embrapa está chamada a desempenhar um papel essencial. Esperamos também que a nova direção da Embrapa soterre as movimentações em curso que apontam para a privatização da empresa. Um crime que vem sendo tramado à sombra da sociedade.

O Consea enviou uma carta de recomendações à Embrapa questionando esse caminho da privatização…

Trata-se de um duro questionamento ao projeto “Conserva Brasil”, uma expressão dessa tentativa de privatização dos bens comuns que estão sob a guarda da Embrapa. Nesse caso, relaciona-se à possibilidade de transferir à iniciativa privada, leia-se grandes corporações do setor biotecnológico, o acesso aos recursos genéticos que vêm sendo mantidos nos bancos de germoplasma da Embrapa há décadas sob os auspícios do povo brasileiro. Depois de acessarem legalmente essas sementes, as empresas ficariam livres para introduzir suas modificações genéticas e justificar a apropriação privada desse patrimônio genético por meio do patenteamento. A influência corporativa sobre os rumos da agricultura depende cada vez mais desse processo de patenteamento dos recursos genéticos. É a partir daí que o capital cria a cadeia de dependência tecnológica que o sustenta. Por essa razão a Embrapa é hoje um elo fundamental no sistema de poder do agronegócio. Dependendo da forma para onde ela se oriente a partir de agora, poderemos assistir ao avanço desse caminho da privatização dos bens comuns e do avanço das monoculturas transgênicas ou, como defendemos, o desenvolvimento de estilos de agricultura fundamentados em processos ecológicos e respaldados por marcos regulatórios que assegurem o direito das populações ao livre uso da biodiversidade. A manifestação do Consea contra o projeto “Conserva Brasil” foi precisa exatamente porque apontou o significado dessa medida de privatização dos recursos genéticos no que se refere à perda de soberania alimentar do Brasil.

Nesse cenário, como ficam os direitos dos povos e comunidades tradicionais no manejo das sementes crioulas?

O material que é de domínio das comunidades não é afetado por essa determinação. O que está em jogo é o material já de posse da Embrapa. Esse material deveria ser repatriado para as comunidades, de onde saíram. Muito dele foi recolhido há anos e boa parte das comunidades já não possui essas sementes. Inexplicavelmente, a Embrapa coloca grandes obstáculos ao acesso desses materiais, mesmo sendo o Brasil signatário do Tratado da FAO que regula os direitos dos agricultores sobre os recursos fitogenéticos. Esse material precisa voltar ao uso social nas comunidades rurais porque são essenciais para a reconstrução de autonomia tecnológica e para a soberania alimentar.

E o que o agronegócio brasileiro ganha com essa privatização?

O irônico nessa história toda é exatamente o fato de que os grande produtores de grãos já se deram conta de que entraram numa enrascada com o domínio corporativo do mercado de sementes. São obrigados a pagar royalties pesadíssimos por conta da tecnologia transgênica incorporada nas sementes que usam. Nessa hora cobram o papel público da Embrapa no sentido de intervir nesse campo, ofertando sementes de qualidade no mercado e os dispensando do pagamento dos royalties. Não é sem razão que começamos a assistir na imprensa um aparentemente contraditório discurso nacionalista, contrário às transnacionais biotecnológicas, emitido pelos ideólogos do agronegócio. Ao dar as suas voltas, o mundo vai confirmando tudo aquilo que denunciávamos há alguns anos quando os transgênicos começaram a ser liberados no Brasil.

Que papel o campo agroecológico espera da Embrapa?

Apesar de sua orientação francamente favorável ao avanço da agricultura industrial e do agronegócio, a Embrapa conta com um número já significativo de profissionais que procura atuar a partir da perspectiva agroecológica e em defesa da agricultura familiar camponesa. O pouco de recursos financeiros alocado na pesquisa nessa direção tem dado mostras de que muitas soluções tecnológicas poderiam ser desenvolvidas a partir da reaproximação entre a agricultura e os processos naturais. Um exemplo típico é o desenvolvimento de uma tecnologia para o manejo orgânico que permite o controle do vírus do mosaico dourado do feijoeiro, um problema que aflige os produtores da leguminosa. Em vez de aprimorar e disseminar a tecnologia, a Embrapa investiu rios de dinheiro para o desenvolvimento de um feijão transgênico exatamente para que essa patologia fosse controlada. Como se vê, muitas soluções tecnológicas para problemas de nossa agricultura poderiam ser desenvolvidas a custos mais baixos, com a participação efetiva das comunidades e sem submeter a saúde da população aos riscos inerentes à modificação genética e ao uso de agrotóxicos em seus alimentos.

Em termos quantitativos, quanto representa as pesquisas na área da Agroecologia na Embrapa?

Esse é um número muito difícil de ser apurado porque muitas pesquisas não são explicitamente identificadas ao enfoque agroecológico mas seguem seus princípios. Infelizmente, o inverso também é verdadeiro. Mas podemos tomar como ponto de partida o levantamento divulgado pelo Sindicato dos Pesquisadores Agropecuários (Sinpaf), segundo o qual os recursos dirigidos à pesquisa à agricultura familiar é de apenas 4% do orçamento da Embrapa. Esse dado é em si muito significativo, pois revela o desprezo da Embrapa para com o setor que produz 70% da alimentação consumida pelos brasileiros. Além da baixa alocação orçamentária, os pequisadores que tentam desenvolver seus projetos de pesquisa em conjunto com as comunidades rurais, um pressuposto metodológico da pesquisa em agroecologia, não vêm encontrando suficiente respaldo institucional para isso. Portanto, o problema para o avanço da agroecologia não se limita à quantidade de recursos financeiros investidos, mas também à qualidade da relação estabelecida entre a Embrapa e o mundo real, onde os problemas de pesquisa devem ser elaborados. Esses desafios vêm sendo enfrentados por redes nacionais de pesquisa em agroecologia e em agricultura orgânica que articulam pesquisadores das várias unidades operacionais da empresa espalhadas pelo Brasil. Mas esse esforço vem sendo feito feito à contracorrente dos processos de gestão da empresa. Por exemplo: os pesquisadores não são valorizados internamente pelos trabalhos que desenvolvem junto às comunidades. O sistema avaliação de desempenho dos pesquisadores e das unidades valoriza um viés mais academicista, ligado ao número de trabalhos científicos publicados, ou empresarial, ligado ao número de patentes registradas. Definitivamente, os problemas de nossa agricultura não serão enfrentados com o maior número de papers publicados ou de patentes registradas. Mudar esse sistema de avaliação é condição essencial para que as metodologias de pesquisa participativa sejam consolidadas e desenvolvidas na Embrapa.

Por que a Embrapa é tão importante no quadro político?

A Embrapa desenvolve tecnologias, referenda recomendações técnicas, define zoneamentos reguladores de práticas agrícolas etc… Atua, portanto, como caucionador científico às decisões dos gestores públicos. É claro que as universidades e empresas de pesquisa estaduais também desempenham esse papel. Mas a Embrapa coordena o chamado Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária e está presente em todo o território nacional por meio de dezenas de unidades de pesquisa, possuindo um quadro profissional de quase 10 mil funcionários e um orçamento anual de mais de 2 bilhões de reais. Diante disso, sua presença no processo político é decisiva não só pelo que aporta em termos de inovações científico-tecnológicas mas também por sua influência ideológica sobre os rumos da agricultura. Ciente desse seu papel, ela tem se empenhado em produzir mensagens à sociedade que exaltam o seu protagonismo na promoção da agricultura sustentável, incorporando o discurso histórico dos movimentos sociais e confundindo os termos do debate político. Mas o que a Embrapa identifica como sustentável em suas propostas muito frequentemente se identifica à nova retórica da economia verde com a reafirmação das monoculturas extensivas mantidas com base no emprego intensivo de agroquímicos, motomecanização e transgênicos.

Rodolfo Machado

Justiça do MT rejeita recurso da Monsanto sobre royalties

A decisão impede a Monsanto de cobrar dos agricultores os royalties pelo uso de soja do tipo Roundup Ready

http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/justica-do-mt-rejeita-recurso-da-monsanto-sobre-royalties

Rio de Janeiro – Os agricultores do Mato Grosso ganharam nesta quarta-feira o direito de não pagar royalties à multinacional Monsanto pelo uso de soja e algodão geneticamente modificados.

A Justiça do estado negou hoje o recurso impetrado pela multinacional contra a liminar concedida em favor da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato) e mais 64 sindicatos rurais.

A decisão impede a Monsanto de cobrar dos agricultores os royalties pelo uso de soja do tipo Roundup Ready, já que os direitos de propriedade intelectual caducaram em setembro de 2010 e desde então são de domínio público, embora a empresa argumente que seus direitos se estendem até 2014.

A soja Roundup Ready é uma semente geneticamente modificada para resistir ao pesticida Roundup, também fabricado pela Monsanto, e que oferece uma maior produtividade.

Além disso, o tribunal proibiu que a empresa siga cobrando pelos direitos de propriedade intelectual do algodão transgênico do tipo Bollgard I. A Monsanto sustenta que deixou de cobrar por este algodão em 2011, ano no qual expiraram seus direitos.

A Famato e os sindicatos rurais calculam que nestes dois anos a empresa arrecadou R$ 300 milhões em royalties.

A Monsanto afirmou hoje em comunicado que a decisão tomada pela Justiça é ‘mais um passo’ no processo judicial, que permite ‘prosseguir’ com a apresentação de recursos em instâncias superiores.

Ao conhecer a primeira decisão judicial, a companhia decidiu de forma voluntária suspender as cobranças de royalties a todos os produtores de soja do Brasil para evitar agravos comparativos com os de Mato Grosso.

sergio m pinto

Não tem jeito com esse povo. A presidentA tem que ir pra cima deles. Veta Dilma!!

Deixe seu comentário

Leia também