Eduardo Marques sobre a nossa economia: Chegou a hora de acertar as contas

Tempo de leitura: 3 min

 por Eduardo Marques, via e-mail

Duas grandes mudanças na economia brasileira vêm sendo conduzidas pelo governo Dilma nesses quase dois anos de mandato: a redução das taxas de juros (do custo do dinheiro para empréstimos) e das tarifas de energia elétrica (do custo da energia) praticadas no país.

Do ponto de vista econômico, essas mudanças não são triviais, já que do  ponto de vista político vão definir novos “vencedores” e “perdedores”.

Do lado dos vencedores está o setor produtivo brasileiro – na indústria, na agricultura e no comércio. A redução do custo dos empréstimos e do preço do insumo da energia deve beneficiar a ampliação dos investimentos produtivos no futuro próximo.

Também estão entre os “vencedores” desta nova situação econômica os trabalhadores que vivem de salários e contraem financiamentos para comprar bens duráveis (eletrodomésticos, eletroeletrônicos, automóveis, imóveis)

Do lado dos perdedores, depois de muitas décadas, estão os rentistas e especuladores financeiros. Com a queda dos juros, bancos e investidores financeiros que especulam com títulos públicos ou privados terão diminuídos os seus ganhos astronômicos. Com a queda das tarifas de energia, os acionistas das empresas elétricas, que receberam polpudas participações nos lucros, também verão seus recursos diminuídos.

A situação política já seria complexa se pudéssemos descrevê-la por completo como fizemos acima.

Ocorre que, no mundo inteiro, o chamado “setor financeiro” tomou conta de tudo na economia capitalista. E mais ainda no Brasil, paraíso da especulação e do lucro financeiro fácil diante das altíssimas taxas de juros praticadas nas últimas décadas.

As empresas do setor produtivo também estão tomadas pela lógica da especulação financeira, uma vez que nas últimas décadas suas tesourarias comandaram as decisões estratégicas. O lucro vinha, com certeza, das aplicações financeiras, enquanto a produção de bens e serviços oscilava para cima e para baixo.

A política de ampliação do mercado de consumo interno praticada pelo governo Lula deu novo alento ao setor produtivo, mas enquanto as taxas de juros permaneceram elevadas, o setor financeiro continuou “dando as cartas”.

Chegou a hora deste acerto de contas. Não é possível o país seguir crescendo, investindo na produção e infraestrutura, distribuindo renda, se os rentistas e especuladores financeiros continuarem “abocanhando” grande parte dos lucros e comandando a lógica da economia capitalista como fizeram até aqui.

A grave crise sistêmica do capitalismo no mundo inteiro também é um sinal da falência deste “estado de coisas”.

O enfrentamento entre as “lógicas produtivas e financeiras”, porém, se dá na empresa capitalista produtiva, nos bancos, nas empresas com capital aberto (ações na Bolsa de Valores) e nas famílias – entre as poucas investidoras do mercado financeiro e as muitas que apenas demandam empréstimos.

As grandes empresas midiáticas já escolheram o seu lado, desde sempre: o lado dos especuladores financeiros.

Alguns podem argumentar que a situação não é tão maniqueísta assim, que o lado produtivo e o lado financeiro se completam, sendo até indissociáveis na economia capitalista.

Isso seria realmente verdadeiro, não tivesse o lado financeiro “engolido” o lado produtivo no Brasil.

Nas últimas décadas, com a inflação alta  ou  juros estratosféricos, o setor financeiro comandou a economia brasileira, ditando quais seriam as “margens de lucro” aceitáveis no lado do setor produtivo. Como as margens de lucros financeiros foram absurdamente altas, esta lógica afugentou o investimento produtivo de longo prazo.

Os problemas com a falta de investimentos no setor produtivo e no setor de infraestrutura no Brasil decorrem dessa lógica.

Rompê-la requer coragem, mas também consciência em relação aos interesses que estamos atingindo.

O povo brasileiro ainda precisa fazer esta reflexão, principalmente quando a grande mídia não está disposta a revelar o que realmente está em jogo.

PS 1: Lula  disse que os bancos  e outros interesses contrariados na energia elétrica estão por trás dos ataques atuais a ele e ao PT. A queda de juros enfraquece os rentistas  antigos financiadores da velha mídia.

PS 2: O BIS ( Banco de Compensações Internacionais) informou que, em 2012, o Brasil deixou de receber quase R$ 200 bilhões em crédito internacional, prejudicando o incremento dos investimentos. Por isso, o governo federal tem ampliado os recursos para os bancos públicos, especialmente o BNDES. Curiosamente, nos últimos tempos, a nossa mídia só analisa a economia brasileira e despreza  sua relação como o mundo e a crise mundial. Com isso, agora nega a globalização, que sempre defendeu como instrumento para legitimar o neoliberalismo e fazer as privatizações.

Eduardo Marques, economista, assessor de orçamento e finanças públicas da liderança do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo

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Comentários

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Mardones Ferreira

Embora haja sim o risco de golpe pelo lado dos rentistas, é completamente possível fazer essa travessia do rentismo ao produtivismo no Brasil. Basta que o governo saiba equilibrar sua abertura de caixa, privilegiando os setores produtivos e as empresa nacionais em detrimento do rentismo deletério e das multinacionais que conseguem recursos fáceis e baratos aqui via BNDES e mandam os lucros para as matrizes na Europa ou EUA.
Cacife para isso a Dilma já mostrou que tem ao enfrentar a gangue poderosa dos bancos privados. Porém só pode fazer isso porque o Brasil conta duas instituições de maioria de capital público que são a Caixa Econômica e o Banco do Brasil. Dois gigantes do ramo bancário. Evidenciando que o mandamento neoliberal do Estado mínimo só fortalece as corporações privadas e deixam os governos sem alternativas às chantagens do capital privado.
O exemplo da redução das taxas de juros com base na estrutura estatal bancária é um indicativo que a presença do estado na economia é fundamental para equilibrar as forças que disputam os mercados. Dificilmente as empresas privadas vão defender os direitos da maioria da população, pois esse papel é historicamente do Estado.

    MariaC

    O que precisamos é de regulação séria e não fantoches. Enquanto sobrar espaço para Russomanos regularem é sinal ruim.

Francisco

Apenas para que se tenha uma idéia da gravidade dos ataques que vêm por ai: a redução dos juros (só ela…) tirou “de dentro do bolso” (expropriou) alguns bilhões de dólares tranquilos e sossegados, sem riscos ou suor de setores internos e externos à economia brasileira (entendeu agora o artigo da “Economist”?).

A Revolução Mexicana fez algo similar, só que com terras. Vimos que com tais medidas politicas a coisa degenerou em bala e mais de dez anos de revolução social.

Se você acha “escândalo de secretaria” muito, se prepare: a jiripoca vai piar…

MariaC

Quem está enrolando aí acima?

Que eu saiba, Lula está muito por cima, e Dilma ainda mais.

O PIG pode continuar seu blá, blá, bblá, que o povo está trabalhando e quer muita, mas muita regulação. Prova disso é os votos de Russomano.

Job

Ta ai a explicação mais simples porque querem derrubar a Dilma.
Não é o Lula o alvo e sim a Dilma.
Lei dos Meios Já.

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