Como a direita religiosa organizou um bloco que mudou a política norte-americana

Tempo de leitura: 2 min

por Luiz Carlos Azenha

Morei pela primeira vez nos Estados Unidos durante o único mandato de Jimmy Carter. O presidente originário da Geórgia, no sul, era um batista abertamente religioso. Dizia-se, então, que ser sulista ou ter um sulista na chapa era condição indispensável para disputar a Casa Branca. Uma forma de dar satisfação ao chamado Bible Belt, o Cinturão da Bíblia.

Carter foi derrotado em 1980 pela crise econômica, pelo debacle no resgate dos reféns norte-americanos presos na embaixada dos Estados Unidos em Teerã e por não ser suficientemente anticomunista (por causa da resposta dele à invasão soviética do Afeganistão). É do período de Carter o surgimento, nos Estados Unidos, da chamada Moral Majority, a Maioria Moral, uma organização militante em defesa de causas cristãs.

O republicano Ronald Reagan chegou ao poder com apoio da Maioria Moral. O grupo, já extinto, ajudou a consolidar uma coalizão religiosa ecumênica que assumiu protagonismo de longo prazo na política dos Estados Unidos. Ela se reuniu em torno de temas como o combate ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e a promoção do ensino religioso e do criacionismo. O ápice do poder da coalizão foi nos dois governos de George W. Bush: a direita religiosa forneceu a militância, os neocons reunidos em publicações conservadoras e think-tanks de Washington ofereceram as ideias e o dinheiro vinha de grupos lobistas ou milionários como os irmãos Koch.

É importante lembrar que, nos anos 50, evangélicos trabalharam ativamente contra a eleição do primeiro presidente católico dos Estados Unidos, John Kennedy. De certa forma, os fiéis mais conservadores se aglutinariam mais tarde numa resposta à contracultura dos anos 60 e à “esquerdização” do Partido Democrata, que adotou a plataforma dos direitos civis.

Foi a luta pelos direitos civis, aliás, que deu ao Partido Democrata uma aguerrida militância; o Partido Republicano, que se ressentia da falta de ligação com organizações de base, conseguiu a sua na direita religiosa. Cabos eleitorais, voluntários para bater de porta e porta e fazer propaganda, para ligar e convencer amigos, parentes e vizinhos a votar ou apoiar uma causa.

No Brasil, como notou Vladimir Safatle recentemente, a Igreja Católica, que esteve na base da formação do PT — com suas Comunidades Eclesiais –, nos últimos anos deu uma grande guinada conservadora. Em São Paulo já se nota uma aproximação entre os carismáticos e os evangélicos. José Serra ensaiou a sua própria ‘coalizão’ religiosa em 2010, com o então bispo de Guarulhos e o pastor Silas Malafaia. Mas, é importante destacar, embora ambos tenham apoiado o mesmo candidato não atuaram conjuntamente.

Não se trata ainda, portanto, de nossa Maioria Moral. É que enquanto os católicos representam interesses econômicos consolidados, os evangélicos ocupam desproporcionalmente a base da pirâmide social — a inclusão social tem prioridade sobre as questões morais. Por paradoxal que seja, almejam mudança com “ordem”, o que resume grosseiramente a proposta de Celso Russomano. Segundo o Estadão, um de cada cinco eleitores tradicionais do PT é evangélico — justificativa dada pela campanha ao informar que Fernando Haddad vai disputar o voto evangélico com o candidato do PRB.

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Comentários

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Darcy Brasil Rodrigues da Silva

A esquerda ( começo a ficar cansado de digitar essa tese por aqui ) tem como impedir que essa tragédia venha ocorrer. Se não existem mais comunidades eclesiais de base em quantidade e qualidade tal como as que estiveram na origem do PT, isso se reforçou exponencialmente com o afastamento do PT dos movimentos sociais, com a migração de grande quantidade de lideranças vinculadas a esse partido principalmente desses movimentos, dos sindicatos, grêmios estudantis, etc, para funções dentro do aparelho de Estado, deixando o terreno livre para a atuação das religiões nas periferias pobres das cidades de nosso país e nos bairos de classe média baixa , com intuitos não apenas religiosos, não apenas orientados pelo esforço de “salvação de almas”, mas cada vez mais evidentemente amalgamado com um projeto de deslaicização do Estado ,nos fazendo assistir o retorno enfático da religião como “ópio do povo”, fazendo com que os pentecostais existentes entre nós , sejam eles novos ou não, pareçam estar tentando reescrever no Brasil a história dos puritanos nos EUA, mas, como diria Marx, “enquanto farsa”. A única forma da esquerda conter esse movimento de direita é voltar a priorizar a sua atuação nos movimentos sociais, disputando com essas religiões a luta ideológica, combatendo o individualismo, sutilizado pelas religiões pentecostais pela ideia de sucesso advindo de uma espécie de código meritocrático derivado das interpretações das escrituraras sagradas, onde a fé explicaria o sucesso de uns e o fracasso de outros. No mundo não há mais lugar para percorrer a trajetória de desenvolvimento capitalista seguida pelos pioneiros puritanos estadunidenses, que produziu em Weber a falsa impressão que tal desenvolvimento capitalista se explicaria pelo espírito religioso puritano ( Weber , em minha opinião, não percebeu que o puritanismo sim tinha sido muito antes uma criação do desenvolvimento do capitalismo na Grã-Bretanha). Assim as grandes massas que acorrem às Igrejas Evangélicas precisam tomar consciência de que as promessas de prosperidade feitas pelos pastores são falsas, pois as riquezas no país já têm proprietários que não estão nem aí para determinações divinas obrigando-os a reparti-las com os fiéis. Somente militantes envolvidos na luta pela edificação de uma sociedade socialista poderão fazer frente ao individualismo pentecostal , semeando no meio do povo a ideia da igualdade aqui na Terra , antes do céu, da prosperidade coletiva, como reconhecimento pelo conjunto dos indivíduos de que todos somos iguais perante a nós mesmos, e não apenas perante a Deus, em lugar do sucesso individual, como reconhecimento de um Deus vaidoso que atua como se esperasse de seus filhos demonstrações de merecimento de sua retribuição e de seu amor “neoliberal”, penso honestamente que os pentecostais monetarizaram o amor divino, de tal sorte que cada ato aprovado pelo Senhor representa um depósito em nossa conta bancária.

Hans Bintje

A questão NÃO é religiosa, Azenha.

Eu acompanhei a campanha republicana nos EUA – tem gente honesta, decente e religiosa no partido – mas as máquinas partidárias do país estão definitivamente comprometidas.

A coisa está feia por lá ( fonte: http://www.opednews.com/populum/printer_friendly.php?content=a&id=154033 ):

“If you follow mainstream election coverage, you might think Mitt Romney has coasted to an honest, easy, well-deserved Republican nomination. Unfortunately for Republican voters, nothing could be further from the truth. The primary process has been an all-out slugfest and many of the delegates Romney has won may be the result of dirty tricks and even election fraud. The following narrative includes links to reports, first-hand testimonials, and video evidence highlighting actions taken by the GOP to ensure a Romney victory, at the expense of fracturing the party just prior to the general election. Party leaders at the county and state level have changed or violated party rules, cancelled caucuses, changed vote counts, thrown out entire counties of votes, counted public votes privately, called-in the SWAT team, and inexplicably replaced Paul delegates with Romney delegates to block Ron Paul from winning the nomination.”

Elvys

Bom artigo Azenha. Concordo, ainda “não dá liga”. Quem conhece o universo das correntes evangélicas sabe que ainda não são coesos (salvo rarissimas exceções).

Edna Munhoz

Um excelente artigo Azenha. Vou divulgá-lo bastante

José X.

“um de cada cinco eleitores tradicionais do PT é evangélico”

Não acredito. Só se for por ordem do pastor ou do “bispo”. Acho que nunca vi, aqui em SP, uma “pessoa comum” evangélica ter atitude progressista. Sempre são partidários da “ordem”, “bons costumes”, etc, isso quando não são abertamente desinteressados da politica.

    Rodrigo Leme

    O que pode mostrar que progressista no PT é só a retórica, não?

Tiago Tobias

“Não dá liga” ainda.

Foi o aborto que levou a eleição de 2010 ao segundo turno. Pode ter sido um ensaio…

João-PR

É meu caro Azenha, mas que há uma semente do “Tea Party” aqui plantada, isso há.
Quando grupos saírem da base da pirâmide econômica, teremos nossa Maioria Moral.
Por que não se faz uma Ley dos Medios por aqui, enquanto é possível???

    Cibele

    É, João, boa pergunta.

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