“Brasil entregou coisas concretas e recebeu promessas de volta”, disse economista sobre encontro de Trump e Bolsonaro em março de 2019; vídeo

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Foto da Agência Brasil mostra Eduardo Bolsonaro com boné da campanha de Trump 2020

Ao contrário do que diz Bolsonaro, o Brasil, durante o governo Lula, foi várias vezes sondado pelo secretário-geral da OCDE para integrá-la, mas nunca quis perder, como aliás nenhum dos BRICS, o grau de liberdade política (policy space) que países em desenvolvimento detêm. Fernando Haddad, ex-candidato do PT ao Planalto.

por José Roberto de Castro, no Nexo Jornal

A entrada na OCDE

A OCDE é uma organização que reúne países desenvolvidos, que adotam práticas macroeconômicas baseadas em equilíbrio fiscal, liberdade econômica e abertura comercial.

Tem sede em Paris, 34 membros, apenas dois deles latino-americanos: México e Chile.

Desde o governo de Michel Temer o Brasil tenta entrar na OCDE, e em 2017 fez um pedido formal em documento assinado pelos então ministros das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, e da Fazenda, Henrique Meirelles.

Para ser aceito na OCDE, o país precisa se adequar a práticas defendidas pela instituição.

Caso não atenda aos padrões, as mudanças passam por uma maior abertura da economia para importações, equilíbrio nas contas públicas e práticas de administração, por exemplo.

A OCDE também possui mecanismos para monitorar se seus membros estão implementando as políticas combinadas — e para forçá-los a implementar, caso não estejam.

Pode fazer isso por pressão mútua em encontros ou pela publicação de estudos, comparações e rankings, que servem como exposição internacional da efetividade ou não de políticas públicas nacionais.

Pode ser também por meio de recomendações, que sugerem diretamente a adoção de políticas específicas para os países.

Ser aceito na OCDE, na visão do governo brasileiro, funcionaria como um selo de credibilidade para o país, ajudando a atrair investimentos e melhorando o ambiente de negócios.

A mudança de status na OMC

A Organização Mundial do Comércio foi fundada em 1995 numa tentativa de seus membros de instituir e fiscalizar regras para a compra e venda de produtos e serviços entre diferentes países.

A OMC é quem avalia que tipo de prática é regular ou não, o quanto um país pode oferecer de subsídio a seus produtos ou taxar mercadorias do outro.

Atualmente, são 164 países membros que usam a organização para mediar conflitos.

Países considerados em desenvolvimento têm certas vantagens, como tolerância maior para subsídios ou prazos mais extensos para se adequar a acordos.

Nos últimos anos a OMC perdeu importância e vive uma de suas maiores crises.

O governo de Donald Trump é um ferrenho crítico da instituição e pede mudanças profundas nas regras.

O pano de fundo das críticas dos Estados Unidos à OMC é a guerra comercial que o governo Trump trava com a China.

Se realmente optar por abrir mão do status de país em desenvolvimento, atendendo a um pedido de Trump, o Brasil pode perder algumas vantagens.

O atual diretor-geral da OMC, o brasileiro Roberto Azevêdo, disse, porém, que interpretou o comunicado de outra maneira e que não acredita que o governo Bolsonaro esteja abrindo mão do status de país em desenvolvimento.

A troca da OMC pela OCDE

De todos os 34 membros da OCDE, apenas Taiwan trocou seu status de país em desenvolvimento para desenvolvido na OMC.

Todos os outros, os desenvolvidos e os em desenvolvimento, mantiveram o mesmo status.

O Nexo conversou com dois economistas sobre o impacto que a concretização do acordo pode ter para o Brasil, tanto na OMC quanto na OCDE.

Lívio Ribeiro, especialista em economia internacional e pesquisador de economia aplicada do Ibre/FGV Nelson Marconi, coordenador-executivo do Fórum de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV)

Como avalia as consequências de uma entrada na OCDE?

LÍVIO RIBEIRO — A OCDE funciona quase como ter grau de investimento, é um selo de credibilidade, facilita captação de determinado tipo de recursos, é um indicador de que o país atingiu um certo status de renda, ambiente de negócios. É um grupinho de países de melhores práticas e isso tende a ajudar esses países em suas negociações e captações financeiras.

O principal contra-argumento é: se você pega as dez economias que mais atraem investimentos no mundo, metade está fora da OCDE. É um selo, mas não é uma condição necessária para receber investimentos estrangeiros. E tem um outro ponto, eu gosto de comparar com o grau de investimento.

Para adquirir o grau de investimento, para entrar na OCDE, tem que cumprir uma série de questões, marcadores. É a entrada na OCDE e o grau de investimento que mudam o seu status? Ou é ter obtido os marcadores que permitiram a entrada?

A OCDE é importante, mas não parece ser suficiente, necessária. A história que leva até lá é muito mais importante do que o resultado final.

NELSON MARCONI — Desde o governo Temer, o Executivo tenta entrar na OCDE. Os outros governos evitaram avançar nesse tema porque viram que para entrar tem que cumprir um certo programa de ajuste macroeconômico e que o Brasil está um pouco fora desse critério.

Eu vejo assim: ter uma estabilidade macroeconômica, fazer ajuste fiscal e resolver a Previdência é importante não por causa da OCDE, é importante para o Brasil.

Agora, justificar que vai entrar para a OCDE porque a OCDE vai cobrar isso mostra a nossa incapacidade de resolver nossos problemas macroeconômicos. E eu não acho que é entrando para a OCDE que se resolve isso, o problema é nosso.

Eles exigem desempenho fiscal, mas a gente volta no argumento anterior. Ter uma camisa de força não significa que você vai cumprir aquilo. E nem que é necessário uma camisa de força para se chegar ao resultado.

A entrada na OCDE limita o raio de ação da política macroeconômica, principalmente por causa da liberalização que se tem que ter sobre o fluxo de capitais.

A gente passou por alguns momentos no Brasil, quando houve a crise de 2008, em que o controle de capitais foi importante para regular melhor o fluxo, atrair o capital de longo prazo e menos o especulativo.

Aumentou-se o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para inibir a entrada de dinheiro especulativo. Foi importante. Na OCDE isso não pode.

Não pode ter controle de importações em um momento de crise, fica difícil qualquer controle da taxa de câmbio.

A gente ganharia um selo. Um selo que mostra que é um país que tem uma renda alta e uma situação macroeconômica razoável.

Mas todo mundo, olhando para os dados do Brasil, sabe que a realidade não é essa. Então está se forçando uma situação que não corresponde à realidade.

O que vai trazer investimento não é o selo da OCDE, pode ajudar um pouco no mercado financeiro, mas na esfera produtiva o que vai atrair é confiança e crescimento. O que atrai é a perspectiva de retorno.

Como avalia as consequências de uma mudança de status da OMC?

LÍVIO RIBEIRO — Toda essa história está muito mal informada. O anúncio foi surpreendente e os pormenores a gente ainda não tem. Abrir mão do status de país em desenvolvimento implica em uma série de possibilidades que se perdem.

Mas o Brasil pode fazer um movimento mais leve, surge a história de que o país só abriria mão se outros como China e Coreia do Sul fizessem o mesmo. Isso parece pouco razoável, o Brasil não tem força.

O governo está argumentando, e olhando para trás há um pouco de verdade, que abrir mão do tratamento diferenciado não afeta de forma significativa o país.

Na prática, todos os últimos movimentos que o país fez foi sem usar as prerrogativas.

O contraponto é: principalmente depois de 2002, 2003, o Brasil foi muito arredio em relação a acordos multilaterais e bilaterais.

Então não é muito justo usar esse passado recente para argumentar que não está perdendo nada. Não está perdendo nada também porque não fez nada, o que não significa que o país não vá perder na frente.

O debate segue um pouco solto, mas eu fico com a sensação de que o Brasil entregou coisas mais concretas e recebeu promessas de volta.

Seja na OCDE, em abertura de mercados, em questões que para mim são secundárias como Alcântara e visto. Isso mexe com os brios, mas economicamente é quase inócuo.

NELSON MARCONI — Na OMC é pior ainda. Porque se tira um status que te possibilita usar prerrogativas de proteção tarifária e subsídios, usar conteúdo local. Seria um pouco abrir mão.

É grave porque os países desenvolvidos, por não terem essas prerrogativas, usam de outros mecanismos para se protegerem.

Criam barreiras sanitárias, ambientais, padronização de produtos para evitar importações de produtos que prejudicam a indústria deles.

Nós não criamos essas barreiras, eles é que decidem se vão comprar nosso produto ou não. E a gente está extinguindo a possibilidade de ter política de conteúdo local, ter subsídios que podem nos ajudar.

Justamente por ser um país em desenvolvimento é que a gente precisa desenvolver tecnologia ou pelo menos incorporar tecnologia.

Todo mundo se protege, de uma forma ou de outra.

Nós estamos fazendo o contrário. Abrir o mercado, aumentar as importações, não vai ajudar nosso mercado.

Nós não temos uma estrutura adequada para exportar mais.

O que a gente vai ter é uma invasão de produtos importados como a gente já viu no passado. O que a gente precisava mesmo é de uma política de exportação.

O que precisa ver é se isso não acaba, por exemplo, com a possibilidade de devolver tributos de empresas que exportam.

Eu não sou contra a abertura, a gente tem que ser competitivo, mas o que a gente sempre fez foi uma abertura para importações, nunca se fez uma estratégia preocupada em exportar. O que estamos fazendo aqui é abrir mais a possibilidade de importar e restringir a de exportar.


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Zé Maria

Enquanto isso, as Milícias do Guédes e do Bolsonaro
maquinam em como ferrar mais os Trabalhadores.

Agora, estão pretendendo formalizar o “Contrato de Servidão”.

Ministério da Economia pretende anunciar uma proposta
de geração de empregos baseada na diminuição dos custos
de contrato para o empresário [SIC]

A ideia atualmente em estudo pela equipe ministerial, porém,
seria limitada aos empregos de baixa renda.

A faixa salarial gira entre um salário mínimo e meio, R$ 1.497,00,
e dois salários mínimos, R$ 1.996,00, segundo publicou a Folha
de São Paulo.

O governo também está próximo de anunciar um pacote
de combate ao desemprego com medidas como redução
de tributos das empresas que contratarem jovens.

A redução deve ser temporária e viria através da liberação
da contribuição previdenciária* do empresário [SIC].

O governo também avalia diminuir [para o Empresário
o recolhimento do] FGTS nesses casos.

https://br.sputniknews.com/brasil/2019101114626098-fim-do-desemprego-governo-estuda-contrato-diferenciado-para-estimular-emprego/

*Depois dizem que existe ‘Déficit’ na Previdência Social.
.
.

Zé Maria

O Recado dos EUA é este: ‘braZil, fica na fila!’ …

A Milícia do Trump e o próprio correram pra tentar
acabar com a Balbúrdia criada pela Rasteira que
deram nos Otários do Desgoverno Bolsonaro,
mas só pioraram as coisas dizendo que apoiam
que o Brasil “INICIE o processo” de entrada na
OCDE (Pompeo)
ou “meu completo apoio ao INÍCIO do processo
brasileiro para se tornar um membro da OCDE”
(Trump).

Detalhe: a Emenda ficou Pior que o Original;
o Brasil INICIOU formalmente o processo
para ingressar na OCDE em 2017, durante o
governo do Conspirador Michel Temer (MDB).

Além do Brasil, havia outros países pleiteando
a entrada [na OCDE],
e Washington considera que a entrada em massa
de todos eles descaracterizaria a Organização.

Além de Argentina e Romênia, que ganharam o endosso
oficial dos EUA, desejam fazer parte do grupo países como
Peru, Croácia e Bulgária.

Havia dentro do próprio governo Bolsonaro a expectativa
de que o aperto de mãos com Trump seria o suficiente
para que o Brasil furasse a fila de nações postulantes
a membros da OCDE. O protocolo, no entanto, se impôs.

“A diplomacia internacional tem um tempo próprio,
bem mais lento que o tempo da política de redes sociais do Bolsonaro.
O processo de ingresso na OCDE leva anos.
O presidente quis sugerir à sua base que sua relação especial
com Trump faria milagres, mas não existem milagres”,
afirma Guilherme Casarões, professor de política internacional
da Fundação Getúlio Vargas.

https://twitter.com/bbcbrasil/status/1182614859424370688

https://pbs.twimg.com/media/EGmj45IWoAEkdhc.jpg
https://twitter.com/mdeoliver1/status/1182656584847167489

Zé Maria

A série de concessões feitas pelo Brasil aos EUA
em troca de apoio à entrada na OCDE

“Concessões Concretas em troca de Apoio Simbólico”

“A diplomacia internacional tem um tempo próprio,
bem mais lento que o tempo da política de redes sociais
do Bolsonaro.
O processo de ingresso na OCDE leva anos.
O presidente quis sugerir à sua base que sua relação especial
com Trump faria milagres, mas não existem milagres”,
afirma Guilherme Casarões, professor de política internacional da Fundação Getúlio Vargas.

Para além do apoio ao pleito brasileiro na OCDE, Brasil e EUA
também firmaram uma série de compromissos comerciais.

Bolsonaro concordou em abrir uma cota anual de 750 mil
toneladas de trigo americano com tarifa zero, medida que
afeta a Argentina, principal vendedor de trigo para o Brasil.

No fim de agosto, o Ministério da Economia decidiu não só prorrogar por mais um ano a importação de etanol americano
isenta de uma tarifa de 20%, como elevou a cota dos
600 milhões de litros para 750 milhões de litros —
a taxa passa a ser cobrada quando o volume negociado
supera a cota.

A medida atendeu principalmente aos interesses
dos americanos, os maiores exportadores ao Brasil, de etanol,
produzido a partir do milho — segundo dados oficiais, 99,7% do
etanol importado pelo país vem dos EUA.
Desagradou, em contrapartida, produtores do Nordeste
brasileiro, que consideram desleal a competição com o preço
oferecido pelos americanos,

Desde 2016, o Brasil é o país que mais compra etanol americano.

A expectativa dos produtores brasileiros era de que o governo
americano liberasse seu mercado de açúcar, um dos mais
protegidos do mundo, mas não houve essa contrapartida por enquanto.

“A negociação (para o apoio dos EUA à entrada brasileira
na OCDE) envolveu concessões muito concretas do Brasil
em torno de expectativas de apoio mais simbólico dos
americanos”, afirma Elaini da Silva, professora de relações
internacionais da PUC.

Silva cita outros exemplos, como a concessão aos EUA
da exploração da base espacial de Alcântara, no Maranhão,
a isenção de vistos para turistas do país sem reciprocidade
para brasileiros,

e o fato de o Brasil ter abdicado do status de país em
desenvolvimento nas negociações junto à Organização Mundial
do Comércio (OMC), o que poderia trazer prejuízos tarifários
às exportações brasileiras.

[Essa foi a Pior de Todas as Concessões de Bolsonaro.]

O tratamento diferenciado prevê benefícios para países
emergentes em negociações com nações ricas.

O Brasil tinha, por exemplo, mais prazo para cumprir
determinações e margem maior para proteger
produtos nacionais.

Além do impacto direto nas futuras negociações comerciais
brasileiras, essa decisão afetou a relação com países do Brics —
grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul.

Isso porque essas nações vão acabar sendo mais pressionadas
a abrir, também, mão do tratamento diferenciado.
E a Índia já está retaliando o Brasil.

“Na OMC, a Índia já vetou outro dia a nomeação de um
embaixador brasileiro para negociar questões na área de pesca
e foi um veto ligado exatamente a essa negociação entre
Estados Unidos e Brasil pela entrada na OCDE”, explicou à
BBC News Brasil antes da reviravolta o professor Marco Vieira,
da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.

“Portanto, o Brasil está se isolando não só no contexto
de economias-chave na Europa e no acordo do Mercosul,
mas também com parceiros do Sul global:
as economias emergentes como a Índia.”

Bolsonaro também não colocou na mesa para discussão
o aumento protecionista de impostos sobre o aço —
medida de Trump contra os chineses que prejudicou o Brasil,
tampouco o fim dos subsídios governamentais à produção
de soja americana, que a torna competitiva em relação à
safra nacional do grão.

O americano Michael Shifter, presidente do think thank
Inter-american Dialogue, especializado nas relações entre EUA
e América Latina afirmou à BBC News Brasil tratar-se de “definitivamente um grande abalo para Bolsonaro, que apostou tudo nesse relacionamento com Trump”.

“Parece que a decisão dos EUA é a visão tradicional,
ir devagar com a entrada de países na OCDE.
Mas certamente Trump prometeu (a Bolsonaro) outra coisa”,
acrescentou.

Na sua visão, o que ocorreu pode indicar que, ao contrário
do alardeado, as relações entre EUA e Brasil não mudaram
tanto assim.

“(Há) esta certa admiração mútua entre Bolsonaro e Trump,
e muito da retórica dos dois soa muito parecida.
Mas quando o assunto são decisões reais [dos EUA],
talvez as coisas não tenham mudado muito.
Está tudo no nível superficial, e quando precisa agir
para construir uma parceria mais significativa, como se tornar
membro da OCDE, os EUA basicamente aplicam seus critérios
normais sobre a extensão da OCDE, o que tem sido
mais ou menos a política tradicional (em governos anteriores).”

íntegra: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50009155

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