AMB: Prioridades nas políticas para as mulheres

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do SOS Corpo

No dia 22 de março, a ministra Eleonora Minecucci, da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, se reuniu com representantes de organizações feministas para debater a conjuntura e as políticas para mulheres. Sílvia Camurça, da coordenação da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), participou do encontro.

“Minha impressão geral é que, depois de atravessar forte crise política interna às vésperas da 3ª CNPM [ Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres] e em meio ao ‘fogo cruzado’ da MP 557, lançada em dezembro à revelia da SPM, a Secretaria Especial da Mulher, agora ‘sob nova direção’, parece que vai retomar seu mandato: ser um instrumento da efetivação dos direitos das mulheres”, avaliou Camurça.

Segundo o relato de Sílvia, iniciar diálogos direto com organizações feministas é uma decisão pessoal da ministra. “Para nós é um sinalizador da perspectiva que orientará a SPM: reconhecimento das organizações feministas como interlocutoras legitimas”.

Além da AMB, estiveram presentes a Articulação de Organização de Mulheres Negras, a Secretaria Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Movimento de Mulheres Camponesas, Marcha Mundial de Mulheres, Secretaria da Mulher Trabalhadora Rural da Contag, Fórum de Mulheres Negras, Liga Brasileira de Lésbicas, Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, União Brasileira de Mulheres e Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia.

Abaixo, a íntegra do documento entregue pela AMB à ministra Eleonora Menicucci.

POSICIONAMENTO DA AMB SOBRE AS PRIORIDADES NAS POLÍTICAS PARA MULHERES NA ATUAL CONJUNTURA

A AMB é uma articulação política não partidária, que potencializa a luta feminista das mulheres brasileiras nos planos nacional e internacional. Temos nossa ação orientada para a transformação social e a construção de uma sociedade democrática, tendo como referência a Plataforma Política Feminista (construída pelo movimento de mulheres do Brasil, em 2002) e a identidade de um feminismo antipatriarcal, anticapitalista e antirracista, identidade pela qual nos definimos desde 2006.

Deste ponto de vista é que identificamos as principais forças políticas e as questões em disputa na arena política brasileira:

* os fundamentalistas religiosos colocando em questão a autonomia das mulheres e o caráter do Estado laico;

* o grande capital produtivo disputando o padrão de desenvolvimento e os fundos públicos;

* o capital financeiro incidindo sobre o controle do Estado e das políticas públicas;

* a grande mídia firmando a perspectiva neoliberal do Estado, atuando contra os Dhescas, criminalizando as lutas sociais e blindando o atual sistema político contra reformas democratizantes:

* lideranças dos partidos da base aliada, impondo derrotas ao governo como forma de pressão para garantia de interesses fisiológicos ou interesses das forças empresariais e forças das oligarquias, das quais estas lideranças são constitutivas;

* setores militares “incomodados” com a Comissão da Verdade, atacando o governo com notas.

Na contracorrente desses setores, colocam-se os movimentos democráticos e populares, campo político da AMB, no qual atuamos em defesa de:

* uma ampla reforma política do sistema eleitoral, com fortalecimento da democracia direta e da democracia participativa, democratização da mídia e do judiciário;

* defesa do direito de acesso à terra no campo e na cidade, reforma agrária e regulamentação das terras quilombolas, das populações tradicionais e dos povos indígenas; apoio a produção de alimentos saudáveis em regime de economia familiar cooperada; fortalecimento da economia solidária;

*  fortalecimento do SUS, fim da política de gestão por fundações privadas; garantia do orçamento da Seguridade Social, previdência social pública e universal; igualdade de direitos das trabalhadoras domésticas, creches públicas e escolas em tempo integral, política de moradia universal e de qualidade;

* fim da DRU e da política de superávit primário que sucateiam os recursos das políticas sociais; revisão do sistema de isenção fiscal para as empresas e instituição de uma política de controle de capitais;

* políticas públicas sob controle e monitoramento da população.

Na atual conjuntura, reconhecemos o avanço das forças fundamentalistas na orientação das políticas públicas desde o Governo Lula, a exemplo da aprovação do Acordo Brasil-Vaticano e do recuo imposto ao Governo no texto do PNDH3 [Programa Nacional de Direitos Humanos 3], no contexto das eleições gerais de 2010.

Naquele período, assistimos e nos mobilizamos contra o processo truculento de chantagem dos conservadores cristãos sobre a então candidata Dilma Russeff, que resultou a ‘Carta ao Povo de Deus’, carta que selou o compromisso de bloqueio à legalização do aborto por todo o período do Governo da primeira mulher presidenta do Brasil.

A retomada das políticas familistas na área da saúde, ação que vinha sendo articulada por estes setores no Governo Lula, fortaleceu-se no Governo Dilma com o programa da Rede Cegonha e a edição desastrosa da MP 557 em detrimento da PNAISM. Normas técnicas e instrumentos já consolidados que contêm uma perspectiva feminista de saúde das mulheres estão sob ameaça. Cresce entre partidos de orientação cristã a demanda por um ministério da família. O que põe em questão o ministério da mulher (SPM).

Identificamos também o fortalecimento da política desenvolvimentista que favorece o agronegócio e o grande capital, em detrimento de políticas para igualdade providas pelos ministérios ‘sociais’ como MDA, MDS e as secretarias especiais de Direitos Humanos, Mulheres, Igualdade Racial.

A força destes setores é tão grande que seus interesses têm sido atendidos mesmo contra a política de participação popular, que mobiliza milhões de pessoas no país. Os setores do governo e movimentos comprometidos com a democracia política e justiça social não têm sido capazes de fazer valer a grande maioria das resoluções das conferências.

Compreendemos que esta situação só mudará com ampla mobilização popular e com eleições em novas bases, vez que as alianças eleitorais amplas só têm servido para constituir uma base de governo fisiológica e descomprometida com a população e movimentos sociais.

Neste contexto, ministérios como MDA, MDS e as secretarias especiais têm sido trincheiras de nossas lutas para efetivação de direitos pelas políticas públicas, em que pese termos perdido agora o Ministério da Pesca para as forças evangélicas e termos perdido a proposta de tratamento unitário do PNDH3 por conta da perspectiva adotada pela SEDH [Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República] que fracionará nossas lutas.

As trincheiras da SPM e da SEPPIR, hoje ocupadas por companheiras feministas vinculadas à organização das mulheres no Brasil, são  um dado da conjuntura que nos alenta. Desde nosso lugar de movimento social, nos colocamos na disposição de ação independente, critica, solidária e articulada com vistas a objetivos comuns: resistir a retrocessos e alcançar avanços na efetivação de direitos das mulheres, mesmo neste mar de adversidades.

1. No âmbito dos embates atuais em torno da MP557, consideramos que o recuo do governo foi insuficiente, lamentamos a não retirada da MP do Congresso Nacional e os posicionamentos favoráveis da SPM e do MS ao texto atual da MP.

Esta iniciativa é uma falácia, foi demanda dos setores conservadores articulada nos bastidores à revelia da SPM e contra as demandas das mulheres participantes das conferências de 2012. A 3ª CNPM, realizada dias antes do lançamento da MP, aprovou a descriminalização e legalização do aborto, criticou a Rede Cegonha e defendeu a o PNAISM.

Mesmo com a nomeação da ministra Eleonora Menicucci e a retirada de referências ao nascituro, a MP segue sendo uma ameaça aos direitos das mulheres, um desrespeito à SPM e a 3ª CNPM, uma oportunidade de coibir a prática do aborto legal hoje no país, este que é objetivo último dos fundamentalistas. Seguiremos em luta contra a MP, fazendo o enfrentamento ideológico como nos cabe enquanto movimento contra hegemônico.

2. No âmbito das disputas em torno do desenvolvimento e das questões sócio-ambientais, consideramos que as negociações do governo com sua base aliada têm sido desastrosas para os direitos dos povos indígenas, das populações tradicionais, das comunidades quilombolas e todos os povos da florestas que estão perdendo direitos sobre seus territórios.

Esta situação afeta diretamente a autonomia econômica das mulheres de várias comunidades e categorias de trabalhadoras: camponesas, pescadoras, extrativistas. A Cúpula dos Povos, a realizar-se no contexto da Rio+20, será o espaço dos movimentos de mulheres para contestar as propostas de economia verde e denunciar os crimes do desenvolvimento e seus grandes projetos sobre as populações dos territórios onde se instalam.

3. No âmbito das políticas para mulheres, ameaçadas por práticas proselitistas de muitos governos estaduais e municipais, denunciamos que as políticas estão sendo substituídas por eventos, na forma de seminários, cursos e capacitação das mulheres, que afinal não efetivam direitos. Além do mais, os problemas de cortes orçamentários no plano federal têm implicações graves na perda de força de programas importantes, como o de enfrentamento da violência contra as mulheres. A relação entre conselhos está subutilizada para fazer avançar a intersetorialidade das políticas, e os fóruns de organismos não enfrentam adequadamente os bloqueios do frágil pacto federativo para implementação das políticas, o que seria a nosso ver sua principal função.

Considerando esta análise da conjuntura, sugerimos como ações estratégicas:

1. Regulamentar a elevação de status da SPM, com lei, que garanta mais autonomia para a Secretaria, atualizar o Plano Nacional de Políticas para Mulheres à luz da conjuntura e das resoluções da 3ª CNPM, resoluções que devem ser divulgadas amplamente como base de legitimidade para as diretrizes assumidas pelo Plano na atual gestão da SPM;

2. Instalar canais de diálogo direto e uma agenda de discussões com as organizações feministas, de âmbito nacional e regional, a exemplo deste fórum de diálogo e articulação com os movimentos feministas, primeira em muitos anos de SPM;

3. Fortalecer o mandato dos conselhos na defesa dos direitos das mulheres através de estratégia de interlocução e construção de ações articuladas nos planos federal, estadual e municipal, com vista à construção de uma visão comum da conjuntura, sua interpretação e definição de indicativos para forma de atuação em defesa de direitos ameaçados e denuncias de direitos violados. Fortalecimento da relação do CNDM com os ministérios;

4. Fortalecer a perspectiva feminista no Fórum de organismos executivos, para avançar nas estratégias de superar os bloqueios do pacto federativo à implementação de políticas e enfrentar o debate sobre o sentido de políticas para mulheres. Este é também um instrumento relevante para colocar em diálogo direto movimentos feministas e gestoras, vez que muitas são refratárias à perspectiva feminista nas políticas para mulheres;

5.  Estabelecer condições efetivas para maior controle e a participação social das mulheres no monitoramento das políticas públicas, assegurando a periódica prestação de contas sobre os compromissos assumidos pelos diversos ministérios em relação ao Plano de Políticas para Mulheres, transparência, informação acessível, accountability, inclusive sobre a questão dos recursos públicos;

6. Priorizar entre as políticas ações de efetivação da PNAISM, serviços de aborto legal com qualidade e em maior número, normas de atenção à saúde referentes aos agravos de violência contra as mulheres;

7. Valorizar, no contetxo eleitoral, o debate do poder com a proposta de reforma política, paridade e a exigência do cumprimento das cotas; atuar problematizando o sistema eleitoral nos termos do que conclui a Comissão Tripartite da SPM em 2010. Abordagem da simples ocupação dos espaços de poder é insuficiente para colocar o problema da sub representação das mulheres em termos críticos;

8. Articular ações federativas, envolvendo os três níveis de governo, para encontrar formas de conferir efetividade à política de ampliação de oferta de creches e mobilizar para PEC das Trabalhadoras Domésticas, em seguimento ao grupo de trabalho da SPM domésticas que atuou em 2010 e 2011;

9. Fortalecer as ações do Programa de Enfrentamento da Violência, fragilizado por cortes orçamentários, problemas de execução orçamentária e limites de articulação entre o judiciário e o executivo;

10. Garantir intervenção na cultura política patriarcal por parte da SPM através de campanhas anuais, lançadas nos 8 de março. Campanhas que denunciem a permanência do machismo e da discriminação, campanhas ousadas, inovadoras, criativas e com caráter de contra hegemonia;

11.    Apoiar as lutas feministas e as organizações feministas que as sustentam de modo a conferir maior poder de vocalização das denúncias à sociedade e formulação de demandas por parte destas entidades.

Articulação de Mulheres Brasileiras

Brasília, 22 de março de 2012

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Alice Matos

Alguém sabe dizer o que a ministra Meniccucci respondeu sobre o documento aqui publicado? Alguém sabe dizer porque a min istra da mulher e o ministro da saúde silenciaram sobre o aborto de feto anencéfalo?

Mari

Gostei muito do documento, sobretudo poorque é amplo e revelador da seriedade do feminismo na abordagem dos direitos da mulher em nosso país

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