Alberto Dines: Jornalismo político de volta à Era da Pedra Lascada

Tempo de leitura: 3 min

JOSÉ DIRCEU vs. VEJA

Jornalismo político volta à Era da Pedra Lascada

Por Alberto Dines em 30/08/2011 na edição 657

do Observatório da Imprensa

“Caso o ministro Paulo Bernardo (Comunicações) fique insustentável, a presidente Dilma tem seu preferido: Franklin Martins”. (“Panorama Político”, O Globo, domingo, 28/8, pg. 2). Três linhas apenas, no pé da coluna. O suficiente, a mídia entenderá o recado.

Há hoje uma metamensagem ou criptojornalismo, cifrado, exclusivo de um seleto grupo de iluminados. O governo manda suas mensagens, a mídia é obrigada a entender. Mesmo não gostando. A réplica pode vir com a mesma sutileza. Profissionais não brincam em serviço. Faz parte do jogo democrático.

O que conspira contra o jogo democrático são as ameaças de rupturas. O presidente Lula não entendeu, não quis ou não teve paciência para entender o tricô das raposas. Subia no palanque e “mandava ver” – ou mandava brasa, como se dizia na Era Jango. Criou impasses, cavou confrontos perigosos.

É o que fez Veja com a sua última matéria de capa sobre o ex-ministro José Dirceu (“O poderoso chefão”, edição nº 2232, data de capa 31/8/2011). Sutil como uma carga de cavalaria – e tão eficaz quanto esta –, produziu um curto-circuito, reintroduziu a imprudência no diálogo governo-imprensa. Repercutiu no exterior. E daí?

Frágil, inconsistente

A verdade é que a matéria recoloca o jornalismo político brasileiro na Era da Pedra Lascada. Traz de volta os vídeos clandestinos, os arapongas, os dossiês secretos jogados no colo de jornalistas ditos “investigativos”.

José Dirceu, mesmo sem cargo ou mandato parlamentar, suspeito de integrar um grupo que está sendo investigado pelo Supremo Tribunal Federal, é um dirigente nacional do partido que ganhou as eleições para a Presidência da República, é também um consultor/lobista. Pode alugar um andar inteiro num hotel dez estrelas em Brasília ou Luanda e nele receber legiões de correligionários, clientes e amigos. Não há nada de ilícito ou malfeito (para usar o dernier-cri dos substantivos).

O texto inteiro de Veja, da primeira à última linha, é customizado, adaptado para servir à tese de que o ex-chefe da Casa Civil está conspirando contra a sua sucessora, atual presidente da República. Não há evidências, apenas insinuações, ambigüidades, gatilhos.

Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, é amigo pessoal de Dilma Roussef, não poderia conspirar contra ela. José Sérgio Gabrielli, presidente da Petrobras cujo maior acionista é o governo, não enfrentaria o seu maior eleitor quando reiniciar sua carreira política. Delcídio Amaral é um petista light, quase-tucano.

A lista dos “conspiradores” é frágil e as possíveis motivações, inconsistentes. O conjunto é disparatado, não faz sentido, carece de lógica. Mesmo enquanto ficção.

Um desserviço

Os encontros gravados duraram em média 30 minutos, tempo insuficiente até para acertar uma empreitada de pequeno porte. Devidamente investigados, os fatos poderiam vincular-se e ganhar alguma dimensão. No estado bruto em que foram apresentados pelo semanário de maior tiragem do país representam um atentado à inteligência do leitor, não renderiam sequer uma nota numa coluna de fofocas políticas.

Este é um jornalismo que não se sustenta, é retrocesso. Não favorece a imagem da imprensa, não ajuda a presidente Dilma, prejudica a oposição. Faz esquecer a faxina moralizadora e degrada o processo político.

Leia também:

Zé Dirceu: De quem era a câmera?

Presidente da Petrobras diz que reportagem é “asquerosa”

Walter Pinheiro: “O que Veja fez não é jornalismo sério, é bandalheira”

Paulo Teixeira repudia o jornalismo de Veja: Provocação e delinquência

Humberto Costa, no Senado: É preciso debater ética da mídia

Devanir Ribeiro, fotografado no hotel: Jornalismo “podre e mentiroso”

A denúncia original de Zé Dirceu: Repórter cometeu crime

Escritório de advogados diz que Veja é versão tupiniquim de tabloide inglês

Brasil de Fato: Se for crime,  puna-se a Veja!

Delcídio do Amaral: Eu derrubei o Palocci?


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Sagarana

Se a Dilma voltar com o Franklin, o problema é dela. O valente não mete medo em NINGUÉM!

eunice

Estejam preparados sim! Já me cansei de ver ingenuidades no PT. Chega. Que se cuidem para cuidar de seu serviço, o público.

eunice

Respeito ao homem. Ele enfrentou a parada.

DEDÉ VIANA – RECFE

SEU ALBERTO, SÓ AGORA O SR. ESTÁ VENDO QUE O JORNALISMO POLÍTICO NO BRASIL AINDA NEM SAIU DA PEDRA LASCADA, COMO VOLTAR PARA ELA? QUEM FEZ MILITANCIA POLÍTICA NOS ÚLTIMOS 40 ANOS SABE MUITO BEM O QUE SOFREU COM ESSES ABUTRES. MAS ELES VÃO SIM SAIR DA PEDRA LASCADA, POIS O DEBATE SOBRE A MÍDIA TÁ ENGRENANDO E GANHANDO AS RUAS. ESSA MÍDIA TEM UM PROFUNDO DESPREZO PELA INTELIGENCIA DO POVO. CONTINUEM INFANTILZANDO SUAS MÍDAS E DEPOIS NÃO RECLAMEM, OU MELHOR, QUEBREM. O PESSOAL QUE EU TENHO ACESSO TÁ ADORANDO ESSE NOVO DEBATE SOBRE A MÍDIA CORRUPTA. E PORQUÊ NÃO PODEMOS CHAMAR CERTAS MÍDAS DE C O R R U P T A S? PENSAM QUE SÓ TEM CORRUPTOS OS POLÍTICOS?

Bertold

O queeeeê? …Alberto Dines, um tucano inrrustido criticando a Veja? Eu, heimmm!

Fabio_Passos

hã… o alberto dines descobriu agora que a veja considera seus próprios leitores imbecis?

Todo mundo já sabe disso há muito…

pperez

Ao final das cointas, a Veja prestou um grande serviço ao País!
Suas trapalhadas irão acelerar o projeto de regulamentação da mídia, que poderia continuar repousando na gaveta do Paulo Bernardo!

Marat

Dines, em algumas ocasiões, como esta, é muito lúcido. O jornalismo "investigativo" a que ele se refere, no Brasil, é uma grande gozação. Ele não segue preceitos pautados no correto, no isento e no interesse pessoal/corporativo. Creio que esse foi só o início de uma suja e torpe iniciativa. Não deixo também de criticar Dirceu, que deveria ser macaco velho o suficiente para não cair em esparrelas.
Eles que se cuidem, e que deixem preparados contra-ataques devastadores, afinal de contas, com uma imprensa dessas, quem precisa de inimigos externos diretos?

Tomudjin

Não sei na época lascada, mas, na época de jesus, os porcos perceberam que, depois deles, seriam os humanos os próximos a se precipitarem.

Deixe seu comentário

Leia também