Comitê Científico alerta: Se não mudar o foco do manejo, pandemia pode sair do controle

Tempo de leitura: 6 min

por Conceição Lemes

Saiu o boletim número 9 do Comitê Científico de Combate à Covid-19 do Consórcio do Nordeste (na íntegra, ao final).

Ao longo de 47 páginas — o maior até agora –, o grupo liderado pelo neurocientista Miguel Nicolelis e o físico e ex-ministro Sérgio Rezende faz vários alertas aos gestores de Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe.

Três  são gerais:

*Há risco de um efeito bumerangue em todas as capitais do Nordeste.

*Afrouxamento prematuro do isolamento social, sem adoção de critérios estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pode ter consequências catastróficas tanto Nordeste como no Brasil.

*Tem que se mudar imediatamente o foco do manejo da pandemia; do contrário, há risco de ela sair do controle dos gestores públicos.

A região Nordeste, segundo o boletim 9 de Comitê Cientifico do Nordeste,  responde por mais de 470 mil casos confirmados e quase 19 mil óbitos por covid-19 no dia 30 de junho de 2020.

As capitais, no litoral, foram as primeiras a serem atingidas pela pandemia do novo coranavírus.

A partir delas, via malha rodoviária, se disseminou para o interior.

Desde o final de maio, a interiorização da covid-19 já era visível.

Ao longo de junho, esse processo se concretizou definitivamente em todo o Nordeste, tal como aconteceu em todo o Brasil.

A comparação da situação em 15 de abril com a de 20 de de junho é chocante.

Os mapas com a distribuição geográfica de casos confirmados nas 188 microrregiões do Nordeste ilustram bem o processo de disseminação e a nítida interiorização da covid-19.

As áreas em azul se referem às microrregiões com menos de 50 casos confirmados.

As amarelas correspondem às com 50 a 400 casos.

As vermelhas são as com mais de 400 confirmados de covid-19.

Em 15 de abril das 188 microrregiões nordestinas, 112 tinham menos de 50 casos

Em 20 de junho, o mapa avermelhou. Apenas seis das 188 microrregiões ainda estavam no azul.

Confira abaixo.

Paralalelamente ao processo de interiorização, São Luís, Fortaleza, Recife e a região metropolitana de João Pessoa desfrutaram de efeitos positivos do isolamento social mais restritivo – o lockdown –, por um período que variou entre duas e três semanas.

A prova do benefício foi a desaceleração temporária nas curvas de casos novos e óbitos (figuras, abaixo) e na redução na demanda por leitos de enfermaria, apesar da solicitação de leitos de UTI ainda permanecer alta.

Após passarem por períodos de lockdown, São Luís, Fortaleza e Recife optaram pela afrouxamento do isolamento social mais rígido, resultando na abertura sequencial de alguns setores das suas economias.

Isso preocupa muito o Comitê Científico, já que essas e outras iniciativas de relaxamento social que estão sendo implementadas no Nordeste como no Brasil não se baseiam em critérios preconizados pela OMS.

O Comitê Científico de Combate à Covid-19 do Consórcio Nordeste  discorda frontalmente da abertura no Rio Grande do Norte por falta de qualquer subsídio científico que dê apoio a esta decisão.

Tanto que os Ministérios Públicos Federal, Estadual e do Trabalho do Rio  passaram a questionar a estratégia adotada pelo governo do estado.

A propósito, recentemente o relatório da Blavatnik School da Universidadede de  Oxford, no Reino Unido: todos os processos de abertura realizados no Brasil foram precipitados e não condizentes com as normas ditadas pela OMS.

Para o Comitê Científico, a combinação desses fatores, em especial a dramática aceleração da interiorização da pandemia, indica que tanto as capitais dos estados do Nordeste como do Brasil todo — por exemplo, São Paulo e Rio de Janeiro — podem estar à beira de experimentar o “efeito bumerangue”.

Acompanhe o que já começa a acontecer:

*Neste momento, há um aumento dramático de casos de covid-19 no interior do Brasil.

*Só que essas áreas no interior do estados  não dispõem de estrutura hospitalar adequada (como leitos de UTI) para atender casos graves.

*Esses pacientes então têm então que ser levados para hospitais das capitais dos estados para serem tratados.

*Apesar de esses serviços terem apresentado recentemente redução temporária nas taxas de ocupação de leitos de enfermaria e UTI, todas as capitais brasileiras podem se deparar com verdadeira avalanche de casos graves advindos do interior.

*Esses casos produziriam uma nova sobrecarga dos sistemas hospitalares das capitais, ameaçando-os com um colapso em um intervalo de tempo muito curto.

*Resultado: o efeito bumerangue.

MEDIDAS EMERGENCIAIS JÁ

Com a intenção de mitigar este cenário de risco que se torna cada vez mais provável, o Comitê Científico propõe a adoção imediata das seguintes medidas emergenciais:

Instituição IMEDIATA de lockdown e/ou reversão de planos de afrouxamento do isolamento social de qualquer tipo em capitais e municípios do interior.

Isso vale para capitais e cidades do interior que apresentam:

1) curvas crescentes ou em platô em altos patamares de casos e óbitos;

2) fator de reprodução (Rt) acima de 1. Fator de reprodução é a capacidade que uma pessoa infectada pelo novo coronavírus tem transmitir para outras pessoas. RT acima de 1 significa que a pessoa pode transmitir para mais de 1 pessoa.

3) taxa de ocupação (80%) de leitos (enfermaria e/ou UTI) acima de 80%, considerada como limite máximo de segurança por este comitê.

No boletim 9, o Comitê Científico recomenda o lockdown imediato em: Salvador, Feira de Santana, Itabuna e Teixeira de Freitas, todos na Bahia,  Maceió (AL), Aracaju (SE) e Caruaru (PE).

Instituição de barreiras sanitárias.

Se necessário, devido ao intenso processo de interiorização, devem ser feitos bloqueios temporários de todo o tráfego não essencial pelos maiores entroncamentos rodoviários do Nordeste.  Leia-se: carros particulares e ônibus.

Segundo o Comitê Científico, esses bloqueios não incluíram o transporte de pacientes nem  afetariam o tráfego de caminhões com cargas essenciais.

No caso dos caminhões, desde que passem por processo de desinfecção apropriado e seus motoristas sejam testados e protegidos adequadamente.

Implementação imediata das Brigadas Emergenciais de Saúde em TODOS os estados do Nordeste.

Munidas de mapas detalhados de novos focos de infecção, elas atuariam onde o novo coronavírus está atacando a população.

Estes mapas podem ser gerados pela análise dos dados fornecidos pela sala de situação do aplicativo Monitora Covid19, que já passou da marca de 200 mil downloads

Com base no Monitora Covid19,  a sala de situação do Comitê Científico oferece diariamente relatórios detalhados do espalhamento dos casos de coronavírus em todos os estados do Nordeste.

Esses relatórios estão disponíveis, mesmo para os estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Alagoas, que ainda não aderiraram ao aplicativo.

Tal medida é vital para a execução imediata de  uma mudança estratégia  regional na forma de manejo da pandemia no Nordeste.

MUDANÇA DE FOCO NO MANEJO

Até agora o foco do manejo da pandemia nos estados tem priorizado principalmente a expansão do número de leitos de enfermaria e UTI.

Ela é importante e, claro, deve ser continuada.

Só que o Comitê Científico recomenda, agora, de forma incisiva, que o foco do manejo seja alterado.

Para o Comitê Científico, deve-se priorizar a busca ativa de casos, nas suas fases iniciais, onde o vírus ataca a população nordestina: em suas casas, locais de trabalho em todos os municípios do interior e capitais, em todos os bairros, em todas as periferias.

A busca ativa cabe às Brigadas Emergenciais de Saúde. Por isso, são imprescindíveis.

Detalhe 1: A busca ativa é recomendável para todo o Brasil.

Detalhe 2. Na condição de quem acompanha todos os boletins do Comitê Científico, ressalto que desde o número 1, o Comitê Científico destaca a importância da busca ativa.

Para quem ainda duvida da necessidade de mudança da estratégia, o Comitê Científico alerta (os negritos são desta repórter):

Nenhuma guerra biológica em toda história recente da humanidade, foi ganha, nenhuma pandemia foi derrotada, dentro de hospitais e UTIs.

Embora seja fundamental que tal infraestrutura hospitalar exista e seja ampliada, só é possível competir com o tempo da replicação viral e derrotá-lo indo de encontro a ele nas comunidades, identificando os casos no início da infecção, através de uma testagem massiva da população que ainda nem desenvolveu sinais clínicos.

Ao mesmo tempo, as Brigadas Emergenciais de Saúde são essenciais para a realização de outra tarefa fundamental de manejo e quebra dos altos índices de replicação do vírus: o rastreamento e busca das pessoas que entraram em contato com indivíduos infectados.

Esta proposta de mudança de foco, acoplando um aplicativo telefônico, com uma sala de situação regional, brigadas de saúde e testagem massiva da população, foi posta em prática em múltiplos países que conseguiram manejar com sucesso a primeira onda da pandemia.

Por esta e outras razões tipicamente específicas do Nordeste e do Brasil, este comitê acredita que sem esta mudança fundamental de visão estratégica de forma imediata o manejo da pandemia no Nordeste corre o risco de sair de qualquer controle dos gestores públicos.

Boletim 9 do Comitê Científico do Consórcio NE by Conceição Lemes on Scribd

 


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Comentários

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Zé Maria

https://pbs.twimg.com/media/EcMJjw7WAAAiSTS?format=jpg
Capitães de Fluminense e Botafogo protestam
contra a Cartolagem Carioca do Dinheiro Grosso
que atende ao interesse da Globo e não da Saúde
https://twitter.com/NGaveta/status/1279877249441939457

Zé Maria

https://pbs.twimg.com/media/EcMB-YYWAAE2eyt?format=jpg
Flumi-Fogo Protestam no Clássico Vovô contra a irresponsabilidade
https://twitter.com/EstNiltonSantos/status/1279868907231346689/photo/1

Henrique Martins

Fernando está usando seu peso político para defender, por via transversa, a permanência de um genocida no poder, a ponto de orientá-lo a ser dissimulado e esconder suas intenções.

A política do Guedes interessa à elite, pouco importa se temos hoje mais de 60 mil mortos no país desde que os interesses da elite estejam protegidos.

Essa gente não é melhor que Bolsonaro. São tão genocidas quanto ele!

O bom é que quando Bolsonaro cair na lama eles também vão juntos.

A propósito, FHC, você também deveria se calar para esconder suas intenções. No futuro poderá ser cobrado por isso.

Henrique Martins

Por favor, alguém avise o Boulos que tem mais algumas sugestões para o Movimento Pró-Democracia no email da equipe dele no Gmail.

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