Acordo com o Irã é revolucionário e vai muito além do nuclear

Tempo de leitura: 4 min

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Roosevelt e Ibn Saud, em 1945: com o Irã ao lado, menos deferência

por Luiz Carlos Azenha

A fixação pelos interesses de Israel na mídia ocidental faz com que o histórico acordo entre o Irã e as potências nucleares seja visto, de forma distorcida, exageradamente a partir dos interesses de Tel Aviv e do lobby israelense.

Ele é apenas o primeiro passo para a normalização das relações entre os Estados Unidos e o Irã, nos mesmos moldes do que aconteceu com Cuba.

Israel grita “terrorismo” quando, na verdade, está sendo atingida em seu papel histórico de gendarme dos Estados Unidos no Oriente Médio. Israel é o maior destinatário de ajuda econômica dos Estados Unidos no mundo e tirou proveito da proximidade estratégica com Washington em todas as áreas durante décadas.

Essa proximidade se estreitou muito desde 1979, quando o aiatolá Khomeini pôs fim ao regime pró-americano do xá do Irã, Reza Pahlavi. Trocando em miúdos: Israel se beneficiou diretamente da tensão entre Estados Unidos e Irã ao longo dos últimos 35 anos.

O mesmo se pode dizer, em menor escala, da Arábia Saudita.

Em 14 de fevereiro de 1945 o então presidente Roosevelt encontrou-se, a bordo do USS Quincy, com o rei saudita Ibn Saud. A Segunda Guerra chegava ao final. Os Estados Unidos planejavam o pós-guerra. O acesso ao farto petróleo saudita era essencial para a expansão econômica que viria. Naquele encontro selou-se o papel histórico da Arábia Saudita como moduladora dos preços internacionais do petróleo.

Desde 1979, sentado do outro lado do Golfo Pérsico e compartilhando o estreito de Ormuz, por onde passam os petroleiros, o Irã foi visto como inimigo e potencial ameaça a este arranjo.

Há, obviamente, mais que interesses econômicos por trás da distância entre o Irã, Israel e Arábia Saudita, que disputam a hegemonia regional.

A causa palestina afasta Teerã de Tel Aviv. É essencial defendê-la para exercer influência no mundo islâmico.

O racha entre xiitas e sunitas, dentro do próprio mundo islâmico, afasta Teerã dos sauditas.

Como se sabe, o Irã dá apoio tácito e às vezes direto às minorias xiitas que vivem sob repressão nos países do Golfo Pérsico, inclusive na Arábia Saudita.

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Sempre foi irônico ver os Estados Unidos dando apoio a uma monarquia absolutista (Arábia Saudita) em detrimento de uma república (Irã) que, apesar de tutelada pelos aiatolás, funciona de uma forma muito mais próxima das democracias ocidentais.

Sempre foi trágico ver os Estados Unidos acusando o Irã de fomentar o terrorismo quando a maioria dos autores dos atentados de 11 de Setembro era de jovens sauditas radicalizados pelo wahabismo, a vertente do islamismo financiada pela casa de Saud.

Fui pessoalmente conhecer a universidade de Darul-Uloom, ao norte de Nova Delhi, na Índia, de onde saíram as ideias que deram corpo à filosofia do talibã. Do lado de fora, eu e o repórter cinematográfico Sherman Costa encontramos uma gigantesca mesquita que acabara de ser inaugurada. Perguntei ao guia: quem pagou por isso? Resposta: Arábia Saudita.

Sim, não é só a presença imperialista de tropas estrangeiras em seus territórios e o fracasso de governos locais em atender às necessidades básicas da população que fomentaram a leitura mais estrita do Corão em busca de saídas para a sensação de impotência dos muçulmanos, seja no Paquistão, seja no Iêmen. Há, também, o dedo saudita nisso, na promoção do wahabismo que resulta em influência cultural e política.

A ironia maior é que a nova arquitetura que veremos no Oriente Médio tem relação com a lei das consequências indesejadas. Ou seja, tem o dedo de George W. Bush e sua desastrosa invasão do Iraque, onde a maioria xiita vivia sob repressão da minoria sunita de Saddam Hussein.

Da noite para o dia, os partidários de Saddam se viram alijados do poder e, com a extinção do exército iraquiano, mesmo de seus empregos públicos. Deu numa guerra civil contra os xiitas e na radicalização que resultou no Estado Islâmico. Os Estados Unidos, assim, são tão responsáveis pelo surgimento do EI quanto o foram pelo surgimento da Al Qaeda: quando a extinta União Soviética ocupava o Afeganistão, a CIA e o serviço secreto do Paquistão despejaram bilhões de dólares para formar a turma de Osama bin Laden, hoje terroristas então chamados de “guerreiros da liberdade” pelo presidente Ronald Reagan.

Surpreendentemente, o Irã acabou jogando um papel moderador na caótica situação do vizinho Iraque, através da forte relação entre os xiitas dos dois países. Estabilidade é essencial para que sejam cumpridos os contratos que foram o verdadeiro motivo da invasão norte-americana: os contratos de exploração de petróleo, muitos dos quais fechados com empresas ocidentais.

É objetivo estratégico dos Estados Unidos, com a escassez relativa do produto, diversificar suas fontes de petróleo. Isso vem desde 1973, quando os países da OPEP — dentre os quais a Arábia Saudita — durante a guerra de Israel com o Egito, provocaram o boicote aos países ocidentais que repentinamente causou filas nos postos e triplicou o preço nas bombas de gasolina. Isso ficou gravado na memória coletiva dos americanos bebedores de 1/3 da gasolina do mundo.

Voltamos, portanto, ao essencial: o petróleo.

O acesso ao petróleo iraquiano e, agora, por conta do acordo nuclear, possivelmente ao iraniano, reduzem o papel da Arábia Saudita como definidora principal dos preços internacionais. Do ponto-de-vista dos Estados Unidos, que são disparadamente os maiores consumidores, é tão importante quanto ter acesso ao pré-sal brasileiro, às reservas da costa da África e assim sucessivamente.

Do ponto-de-vista geopolítico, a reaproximação com o Irã também se encaixa na guinada estratégica anunciada por Barack Obama em direção à Ásia. Basta olhar o mapa e ver a posição do Irã em relação à Rússia e à China, países com os quais Teerã tem relações muito próximas.

Cereja do bolo: agora, o Ocidente terá acesso a um mercado de 80 milhões de consumidores que estão sentados sobre 150 bilhões de barris de reservas provadas de petróleo. Nem todo o espernear de Israel na mídia é capaz de esconder isso.

Lei também:

Irã: O doce triunfo de Celso Amorim sobre a mídia e os embaixadores de pijama


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Comentários

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Francisco

É, na essência, o projeto de Lula para o Oriente Médio.

FrancoAtirador

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Para o Big Brother do Norte é realmente Revolucionário.
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Só falta conquistar a Rússia e a China, para o Poder Total.
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Se o Tea Party ganhar a Eleição, póde até antecipar os Fatos.
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Bacellar

Galeano batia direto nessa tecla; “a importância de nascer desimportante”.

Esse mapa para os desavisados pode parecer a prova de uma maldição geográfica…Egito, Líbia, Eritreia, Somália, Etiópia, Líbano, Síria, Iraque, Palestina, Iêmem…Todos profundamente desestabilizados socioeconômico e politicamente. Os restantes parcial ou completamente alinhados aos interesses americanos em arranjos diretos com as respectivas oligarquias. Além do ouro negro ( mais valioso que o dourado por ter maior valor de uso) a posição física em relação ao continente euro-afro-asiático é chave. A região é uma espécie de tríplice fronteira. O primeiro objetivo no xadrez é estabelecer o domínio do centro do tabuleiro.

O Irã é crucial numa região chave. E há quem pense que o Brasil em relação ao Irã deveria limitar-se a fingir que a nação não existe.

Feliz é a Nova Zelândia que tá lá quieta encostada no cantinho, hahahaha.

Sidnei Brito

E aquela costura do Brasil e da Turquia, anos atrás, vendida por setores da mídia brasileira como um fiasco diplomático, como fica? Vão reconsiderar?

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