Golpe de 64: Ex-presos políticos rechaçam nota das Forças Armadas

Tempo de leitura: 3 min
Painel com rosto de alguns dos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar no Brasil. Reprodução

por Lúcia Rodrigues*

A cúpula das Forças Armadas divulgou ontem, 30/03, véspera do aniversário de 56 anos do golpe militar, um documento intitulado Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964 (na íntegra, aqui).

“O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. O Brasil reagiu com determinação às ameaças que se formavam àquela época”, diz o primeiro parágrafo da nota.

O texto é assinado pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e pelos comandantes do Exército, general Edson Leal Pujol, da Marinha, almirante Ilques Barbosa Junior, e da  Aeronáutica, tenente brigadeiro do ar Antonio Carlos Moretti Bermudez.

Em nenhum momento, os militares usam a palavra comunismo, mas ela está presente, escamoteada, em várias passagens do documento, como estas:

“Ingredientes utópicos embalavam sonhos com promessas de igualdades fáceis e liberdades mágicas, engôdos que atraíam até os bem-intencionados”.

“Os países que cederam às promessas de sonhos utópicos ainda lutam para recuperar a liberdade, a prosperidade, as desigualdades e a civilidade que rege as nações livres”.

“A sociedade brasileira, os empresários e a imprensa entenderam as ameaças daquele momento, se aliaram e reagiram. As Forças Armadas assumiram a responsabilidade de conter aquela escalada, com todos os desgastes previsíveis”.

“O Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. Muito mais pelo que evitou”.

O surrado discurso de que o golpe foi uma reação contra os comunistas é vociferado até hoje pelo presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores.

O ex-presidente da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, Adriano Diogo, recebeu a nota das Forças Armadas com indignação:

Hoje já vivemos um novo período de exceção. Essa ordem do dia só confirma isso. Estamos debaixo de um novo regime militar, sob uma nova ditadura”.

Ele ressalta que Bolsonaro e os militares também tentam esconder os riscos da pandemia de coronavírus, como fizeram os generais em 1974 com a epidemia de meningite.

À época, os militares tentaram negar a doença e esconderam o número de vítimas.

“Os crimes e atrocidades cometidos durante os 21 anos da ditadura militar não foram averiguados. E voltaram de novo. Hoje já vivemos um período de exceção.”

Ele lamenta que a história do Brasil, em que milhares de cidadãos foram presos, torturados e assassinados pelo regime, não seja conhecida pela maioria dos brasileiros.

“Durante 56 anos essa história não foi contada.”

A ex-presa política e militante feminista Maria Amélia Teles, a Amelinha, concorda com o ex-presidente da Comissão da Verdade de São Paulo e lamenta a ocultação da história:

“Mesmo com a Comissão da Verdade a história do que aconteceu durante a ditadura não foi contada. Existe uma censura não explícita. É uma censura velada”.

Ela foi torturada pessoalmente pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ídolo de Bolsonaro.

Os filhos de Amelinha, à época um menino de 4 anos e uma menina, de 5, foram levados por Ustra para vê-la arrebentada pela tortura.

“Os militares cometeram crimes de lesa humanidade, até hoje não foram julgados. O 31 de março de 1964 é a data do retrocesso. Um dia de triste lembrança. Um período de obscurantismo”, enfatiza.

O ex-senador da Itália José Luiz Del Roio também rechaça o texto divulgado pelo comando das Forças Armadas:

“Se a Constituição tivesse sido respeitada em abril de 1964, teríamos tido a grande chance de ter um desenvolvimento endógeno e independente. E hoje seriamos uma grande potência, respeitada e decisiva para os destinos mais equilibrados da humanidade”.

A própria história brasileira desmascara a falácia montada pelos militares durante a ditadura e repetida a exaustão até hoje por fanáticos de extrema-direita.

A ALN, a Ação Libertadora Nacional, de Carlos Marighella, organização de luta armada contra a ditadura e a qual Del Roio viria a integrar como dirigente, só surgiria em 1968.

Seminário sobre ditadura

Para rechaçar o golpe militar, ativistas de direitos humanos, ex-presos políticos e procuradores da República participam de um debate sobre os 56 anos do golpe de 64 e suas consequências para o Brasil.

O evento será transmitido pela internet. Essa foi a forma encontrada pelos organizadores para marcar a data e evitar atos como os realizados, em anos anteriores no antigo DOI-Codi e pela Caminhada do Silêncio, que reúnem milhares de pessoas.

O debate desta terça-feira, 31, será transmitido a partir das 18h pelas plataformas digitais e poderá ser acessado de qualquer parte do mundo nos seguintes endereços:

https://www.facebook.com/movimentovozesdosilencio
https://www.facebook.com/events/2614961008779956/
Vígilia pela Democracia 2020

Os organizadores também pedem que a população suba a hashtag #DitaduraNuncaMais nas redes sociais e coloque um pano preto nas janelas como forma de protesto contra o golpe.

*Lúcia Rodrigues é jornalista e formada em Ciências Sociais pela USP.


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Comentários

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Zé Maria

A Luta Civil Armada foi precipitada pelo Golpe Militar de 1964
e não a causa da tal ‘Revolução’, como os Milicos fazem crer.

No início da Década de 1960, não havia levante comunista
fora da ordem democrática; as eleições ocorriam normais.

Havia sim uma Paranóia Coletiva propagada pelos EUA
e disseminada no País pelos Fascistas Donos da Imprensa.

A Esquizofrenia em setores das Forças Armadas se estendeu
para a Classe Média e parte dos Clérigos da Igreja Católica.

Tal qual se repetiu, há pouco, de forma ‘tragicamente farsesca’.
E agora deram 2 Golpes: derrubaram Dilma e prenderam Lula.

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