Gustavo Ferroni: Pelo fim do “auto de resistência”

Tempo de leitura: 4 min

por Gustavo Ferroni, via e-mail

Olá Azenha,

Não sei se você chegou a ver essa história abaixo sobre o pai que investigou o assassinato do próprio filho por PMs. A situação do Estado de São Paulo é grave. Pela quantidade de pessoas que são mortas por PMs e a quantidade de casos que vem a tona onde eles foram executados, a situação já esta crítica demais. A PM não se dá nem ao trabalho de esconder seus crimes, de tão acostumada que esta com a impunidade.

Infelizmente não temos uma atuação séria das autoridades, nem digo governo do Estado, mas as autoridades que deveriam contrabalancear o poder do executivo, como legislativo e o judiciário.

Acho que deveríamos seriamente lutar pela extinção do chamado “auto de resistência” e que todas as mortes em confronto com a PM sejam investigadas pelo DHPP com acompanhamento do MP. Já seria um começo não?

Será que o MP não poderia entrar com um mega processo contra a secretaria estadual de segurança pública e propor um TAC com condições similares a essas?

Um abraço

Pai manda para a cadeia 5 PMs que mataram seu filho

Eletricista investigou por conta própria execução de rapaz pela polícia: ‘Ele nunca fez nada de errado, sempre evitou a violência’

01 de agosto de 2012 | 22h 30

Bruno Paes Manso – O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO – Na segunda-feira, cinco policiais militares do 14.º Batalhão (Osasco) tiveram prisão temporária decretada por suspeita de executar César Dias de Oliveira e Ricardo Tavares da Silva, ambos de 20 anos, na madrugada de 1.º de julho na zona oeste de São Paulo. O pai de César, Daniel Eustáquio de Oliveira, de 50, não acreditou na versão de “resistência seguida de morte”. Pediu licença no trabalho e passou a investigar o caso, dando subsídios para que o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) pedisse a prisão dos PMs. Oliveira contou sua história ao Estado.

“Trabalhei (na noite do crime) até a 1 hora. Sou eletricista da prefeitura de Vargem Grande Paulista. Havia uma festa junina. Pedi para ir embora porque estava com mau pressentimento. Cheguei em casa à 1h30. Naquele sábado, o César e o Ricardo tinham sessões de tatuagem na casa do primo dele. Precisava ser à noite, porque os dois trabalhavam. O César operava tear em uma indústria têxtil; o Ricardo era repositor em supermercado. Chegariam depois das 3h. Fui dormir.

Às 8h30, o vizinho chega desesperado. ‘Ligaram do Hospital Regional de Osasco, o César sofreu um acidente.’ Chego no hospital e me apresento. O atendente fala: ‘A notícia é a pior possível’. Eu falei: ‘Meu filho morreu’. E comecei a chorar.

Perguntei como. ‘Com cinco tiros.’ Além de tentarem roubar meu filho, deram cinco tiros neles. O atendente fala: ‘Peraí, não foi um bandido que matou seu filho, foi a polícia’. Olhei para ele, parei de chorar na hora. ‘Como assim a polícia matou?’ Ele disse: ‘Houve uma perseguição, ele resistiu à prisão, houve troca de tiro e seu filho morreu, chegou morto e o rapazinho está em coma’. Eu falei: ‘Não, houve um engano muito feio e grave. Vou provar que meu filho não fez isso’.

Confio no César. Tinha o coração bom, nunca gostou de violência. Saí do hospital indignado e fui para a cena do crime, analisando tudo. Como eu trabalhava com informática, tenho a mente muito analítica. Vi erros grotescos logo de cara. Cheguei perto do policial, na calma, sem acusar ninguém.

Perguntei: ‘O que houve aqui? Sou pai do dono da moto’. O PM responde: ‘Segundo os policiais, os dois meliantes viram a viatura e empreenderam fuga. O garoto pegou a arma e atirou. Seu filho caiu da moto e levantou atirando’. Eu olhei para o rapaz e para a cena e falei: ‘Não sou perito. Mas você não acha que tem coisa errada aqui?’

Indícios. Segundo os PMs, meu filho empreendeu fuga. Estranho: se ele estivesse fugido, numa CB 300, você acha que a viatura o alcançaria? Segundo: de acordo com a PM, meu filho estava fugindo com o garupa atirando na viatura. A viatura estaria atrás e a moto na frente. Por que meu filho está com dois tiros no peito, um na lateral do tórax, um na virilha e outro na perna esquerda? E por que o Ricardo estava com três tiros na perna pela lateral e não por trás?

Terceiro erro: se eles fugiam, estavam velozes ao perder o controle quando caíram da moto. Me mostra um arranhão nessa moto. Ela está intacta.

Quarto: se meu filho estava fugindo, para ele perder o controle, tem de ter marca da frenagem da moto e da polícia. Não tem.

Quinto: Se os meninos tivessem caído com a moto, eles estariam machucados. Os meninos não tinham hematomas.

Sexto: os meninos foram supostamente socorridos na hora. Não foram. Pela quantidade de sangue, eles ficaram muito tempo no chão.

Sétimo: se ele estivesse fugindo, as marcas de tiros na moto seriam em paralelo ou diagonal. Foram transversais. O PM começou a analisar a cena. Olhou para mim e falou: ‘Os policiais fizeram m…’.

Chegando ao DHPP, peguei o BO, com várias divergências. A cena do crime era incompatível. Os policiais foram burros, nem montar uma cena eles conseguiram. Eu fui mostrando as divergências. Um investigador veio gritar comigo. ‘P…, você está tirando a polícia? Tem uma testemunha. Um rapaz que mora em Carapicuíba, na Cohab I’. Eu questionei. O que esse morador de Carapicuíba estava fazendo às 3h no Rio Pequeno?

Nos dias seguintes, fui ao DHPP prestar depoimento. Falei que meu filho é inocente e os policiais me olharam daquele jeito, pensando ‘todos falam a mesma coisa’. Fui mostrando para eles, na calma, na paciência. Passei cinco dias indo todo dia no DHPP, levando testemunhas. Uma assistiu a cena do começo ao fim. Com 12 anos, a moça havia perdido um irmão assassinado por um policial. Por isso me ajudou.

Descobri mais quatro testemunhas, mas elas não foram de jeito nenhum. No quinto dia, um investigador falou: ‘Pelo seu depoimento, a gente passou a olhar a perícia e informações com outros olhos’. Na segunda-feira, meu advogado me telefona:

‘Foram executadas cinco ordens de prisão dos policiais que mataram seu filho’.

Sigo com medo de retaliações. Ouço uma moto, já me preparo. Sei que corro risco. Tatuei o rosto do meu filho no braço. Embaixo, escrevi ‘herói’. Aos 20 anos, ele já era homem. Nunca fez nada de errado, sempre evitou a violência. Quero olhar para o rosto dele todo dia, até o fim da minha vida.”


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Comentários

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Milson Luiz

QUEM JÁ FOI VÍTIMA DA POLÍCIA, SABE MUITO BEM O QUE SENTE ESSE PAI.

damastor dagobé

se o filho dele era tão honesto e trabalhador pq ele saiu mais cedo do serviço pq “estava com mau pressentimento”????????

smilinguido

“Como podemos mobilizar a população para ir às ruas e protestar?”… fácil..passa na sede do PCC que com o maior prazer eles te dão dinheiro para os panfletos, colocam seu pessoal como segurança, e se aparecer alguém pra perturbar já sabe né? vai pra vala na hora…

Flavio Moreira

Azenha e Ferroni:
Que esperanças podemos ter de mudar esse quadro desesperador da segurança pública em São Paulo? Como podemos mobilizar a população para ir às ruas e protestar? Aliás, não corremos o risco de sermos alvo exatamente por protestarmos? Parece-me um impasse e me pergunto se realmente conseguiremos dar os primeiros passos da mudança já na próxima eleição (ganhar a Prefeitura seria um bom começo, mas e depois?).
Quanto mais leio sobre/vejo os desmandos do governo estadual e municipal em relação a esse e tantos outros temas essenciais (educação/saúde etc), mais desesperançado fico.

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