Financial Times: Depois do Carnaval

Tempo de leitura: 8 min

July 9, 2012 7:33 pm

Brasil: Depois do Carnaval

por Joe Leahy*, em São Paulo

Os brasileiros estão começando a debater se devem abraçar um modelo econômico guiado pelo Estado

Chen Zhizhao, a nova adição ao time campeão de futebol do Brasil, o Corinthians, já parece em casa no campo de treinamento do clube num bairro de São Paulo.

Recrutado este ano de um clube de Guangzhou, no sul da China, o jovem futebolista começou a falar algum português rapidamente.

“Tudo é bom, a comida e o ar; o clima é bom aqui”, ele disse.

Embora o clube alegue que Chen foi recrutado puramente por causa do talento, a maioria suspeita que o verdadeiro papel do sr. Chen, o primeiro jogador chinês a se integrar a um importante time brasileiro, é ajudar a promover o clube na China e a vender mercadorias em branco-e-preto lá.

O Corinthians talvez não se dê conta disso, mas com seu astuto uso de uma área na qual o Brasil tem vantagem comparativa — o futebol — para chegar ao mercado chinês, o clube, mesmo que em pequena proporção, aponta o caminho para um país cuja economia de repente parece ter perdido a direção.

Em outros ramos da economia, obter sucesso com esse tipo de inovação provou-se problemático. Na década passada, o Brasil tem dependido especialmente de exportações de commodities, como a soja e o minério de ferro, para alimentar seu espetacular crescimento econômico, que teve um pico de 7,5% em 2010.

Mas isso caiu a ritmo de engatinhamento e o segundo maior mercado emergente do mundo deve se expandir apenas 2% este ano. Boa parte da indústria, apesar das medidas de estímulo que parecem não ter fim, se tornou não competitiva globalmente. Apenas os consumidores se mostram firmes, mas mesmo aqui há sinais de fadiga. Apesar do crescimento e do investimento, a infraestrutura e a educação ficaram para trás e a fraqueza de ambas não permite ao país realizar todo o seu potencial.

Depois da primeira década deste século, na qual tudo parecia dar certo no Brasil, os formuladores da política econômica agora são forçados, de forma abrupta, a repensar a direção estratégica do país. A questão em debate: que tipo de economia quer o Brasil e qual deve ser o papel do Estado?

“Queremos consumir como os consumidores norte-americanos, queremos os serviços públicos dos europeus mas queremos crescer como um mercado emergente, alguma coisa tem de ceder”, disse Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú, o maior banco privado do Brasil. É uma questão preocupante não só para o Brasil, mas para todos os mercados emergentes. Com os modelos europeus, dos Estados Unidos e japonês parecendo danificados, há poucos padrões globais para guiar os formuladores de política econômica através das nuvens da tempestade. Na verdade, os próximos anos serão críticos para a nova direção da economia mundial, no momento em que as nações BRICs — Brasil, Rússia, Índia e China — são tentadas a retomar velhos hábitos socialistas e estatistas para proteger empregos e mercados.

“É aqui que você precisa navegar sem um farol”, diz Raghuram Rajan, da Universidade de Chicago, ex-economista-chefe do Fundo Monerário Internacional. O desafio, ele diz, será para estes países aprenderem com o Ocidente “sem abandonar o modelo ocidental totalmente”. “Como você fica com o lado bom dos mercados sem se expor ao lado ruim?”.

Muito da impressionante corrida do Brasil pela prosperidade foi caracterizada como resultado do “modelo Lula” de desenvolvimento, batizado com o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante os seus dois mandatos entre 2003 e 2010, o Brasil viu o tamanho da classe média aumentar em mais de 30 milhões de pessoas, com base em transferências de renda, aumentos salariais e aumento do crédito ao consumidor.

Ajudado pelos preços em alta das commodities, o Brasil também controlou seu antigo inimigo, a inflação, e colheu benefícios de sua estabilidade macroeconômica, acumulando reservas de mais de U$ 370 bilhões. Sobreviveu à crise econômica de 2009 com força, obtendo o maior crescimento do PIB em décadas em 2010.

Além disso, este ano a presidente Dilma Rousseff, uma tecnocrata taciturna se comparada com o carisma sindicalista de contorno áspero do sr. Lula da Silva, empurrou o desemprego para uma baixa recorde de menos de 6% e aumentou o salário mínimo. Isso a levou a ter uma impressionante aprovação pessoal de 77%.

Mas o modelo Lula, dependente do consumo impulsionado pelo Estado, não tinha uma estratégia eficaz para melhorar a infraestrutura do país ou o sistema educacional. A inflação, praga de longo prazo da nação, que atingiu 2.477% em 1993, começou a retornar, forçando o banco central, no ano passado, a aumentar as taxas de juros a níveis que acabaram com a festa.

A moeda forte do Brasil também apertou a indústria, que entrou em recessão. As montadoras de automóveis começaram a suspender ou demitir trabalhadores, enquanto os bancos privados seguram o crédito depois que a inadimplência atingiu recorde em maio.

“Estamos exatamente num ponto de mudança”, disse o sr. Goldfajn. “Havia a necessidade de desacelerar a economia, assim os salários continuaram a subir mas os preços não puderam acompanhar e isso significa que as margens foram reduzidas”.

A redução do crescimento, afetado pelos preços mais suaves das commodities e pela crise da zona do euro, reabriu o debate sobre o motivo de o Brasil ser incapaz de crescer mais rápido que 4%, antes do retorno da inflação.

Mas o mais perturbador é a surpreendente falta de competitividade internacional de várias indústrias brasileiras, mesmo em setores que deveriam ter uma vantagem natural.

A Gerdau, maior fabricante de aço da América Latina, atribuiu a fraqueza de seus últimos resultados ao crescimento do preço da matéria prima — minério de ferro, carvão e sucata. Isso apesar de a Gerdau ser baseada em um país que é o maior exportador de minério de ferro de qualidade do mundo.

A companhia mencionou a “desindustrialização” da cadeia de fornecedores de aço no Brasil, com as importações baratas da Ásia prejudicando seus produtos. De fato, Carlos Ghosn, executivo chefe da Nissan-Renault, reclamou no ano passado, dizendo que era mais barato para ele importar aço feito na Coreia do Sul com minério de ferro brasileiro do que comprar de fornecedores locais.

A maior parte dos críticos também menciona a infraestrutura, particularmente as estradas e portos, como outro impedimento. O custo de exportar um conteiner do Brasil é de 900 dólares, mais que o dobro da China e 1,5 vez mais que a Índia. Enquanto isso, a importação custa quase o triplo da China e quase o dobro da Índia, de acordo com o Banco Mundial.

“É um desastre, os navios às vezes tem de esperar por 90 dias”,  disse Eike Batista, o bilionário brasileiro do petróleo e da logística, num encontro de investidores este ano.

O outro grande gargalo do Brasil é a mão-de-obra qualificada e semi-qualificada. No teste global Pisa, que mede leitura e conhecimento matemático, o Brasil fica perto do pé das tabelas, atrás de muitos países em desenvolvimento.

Graças em parte à pobre educação, a produtividade no Brasil aumentou apenas 1,5% por ano na década passada, comparado com 4% na China, de acordo com Marcos Troyjo, da Universidade de Columbia.

A falta de profissionais está afetando as indústrias que mais crescem. Ricardo Guedes, que chefia os recrutadores da Michael Page, no Rio de Janeiro, diz que alguns clientes da indústria do petróleo estão tão desesperados para preencher vagas que pagam qualquer coisa. “Para algumas vagas, nem mencionamos o salário”.

Muitos dos problemas do Brasil, no entanto, não são ruins de ter. São resultado de crescimento econômico rápido e são preferíveis à estagnação da Europa, Estados Unidos e Japão.

De fato, a crise cimentou o consenso no Brasil sobre a necessidade de maior investimento. Ao nível atual de cerca de 19% do PIB, o investimento está longe dos 22% que o Brasil precisa para expandir sua economia a cerca de 4% ao ano.

A resposta a esta questão tem sido mais construtiva que em 2009, quando o governo soltou o crédito estatal de forma massiva, dizem analistas. Desta vez o governo encorajou o Banco Central a reduzir as taxas de juros extraordinariamente altas do Brasil — um legado de sua história de inflação descontrolada. Os juros cairam a uma taxa recorde de 8,5% e devem cair ainda mais esta semana.

Taxas de juros mais baixas vão ajudar a promover maior investimento em infraestrutura. Até agora, os investidores podiam obter retornos tão altos em depósitos de curto prazo que tinham pouco incentivo para investir em projetos mais arriscados de longo prazo, na infraestrutura. Além disso, as empresas não conseguiam fazer empréstimos de longo prazo por causa dos juros muito altos.

“Existe uma clara percepção de que precisamos aumentar os investimentos, o difícil é saber como”, diz o sr. Goldfajn, do Itaú.

Dentre os desafios estão uma burocracia governamental que não cede e o sistema tributário — mesmo quando existem fundos para investimentos, os projetos muitas vezes ficaram parados na burocracia. A Vale, maior mineradora do país, por exemplo, reclama que leva mais de três anos para obter as licenças ambientais para suas minas.

Também existe o problema da falta de poupança. Os brasileiros poupam apenas 16% do PIB, uma fração dos níveis da China e da Índia. O governo brasileiro é uma parte grande do problema — cobra impostos como um governo europeu mas desperdiça a maior parte em salários, aposentadorias e pagamento de juros. A arrecadação pública no Brasil é de 36-38% do PIB, comparada a cerca de 25% na Coreia do Sul.

Mas encolher o governo será difícil. Como analistas destacam, governo grande é uma escolha do eleitor brasileiro. Mesmo diante do declínio das economias europeias, o brasileiro médio ainda optaria por um modelo liderado pelo Estado, como a China, em vez do capitalismo de mercado livre, no estilo puro dos Estados Unidos.

“Já foi o tempo em que toda a América Latina olhava para a Europa como seu modelo ideal, e para o dia em que o Brasil, a Argentina e a Colômbia se tornariam Portugal, Itália, Grécia e Espanha, se tivessem sorte. Mas agora, com a crise da zona do euro, não é mais o caso. E, crescentemente, a China está se tornando um modelo mais atraente e plausível”, diz um diplomata brasileiro.

Para preencher a falta de investimento, o Brasil precisa atrair capital estrangeiro. O investimento estrangeiro direto atingiu uma alta recorde de U$ 66,7 bilhões no ano passado, de U$ 48,5 bilhões em 2010, mas os estrangeiros vão exigir retorno adequado para continuar a investir. A longo prazo, o retorno só poderá sair de aumentos na produtividade. Os brasileiros e as companhias brasileiras vão ter de trabalhar de forma mais inteligente e se tornarem mais inovadores.

Iniciativas do setor privado, como a demonstrada pelo Corinthians, oferecem esperança. Mesmo aqui, no entanto, alguns dos comentários do sr. Chen sobre as diferenças que ele notou entre o Brasil e a China dizem muito sobre porque a América do Sul não será outra Ásia tão brevemente.

“Na China, não há muita gente interessada em futebol. As crianças estudam muito”.

*Com John Paul Rathbone e Jonathan Wheatley em Londres

*****

Queda do crescimento muda o foco para mercado doméstico

Como no Brasil, também acontece em outras economias emergentes: o crescimento está se reduzindo e isso desperta sérias questões sobre o futuro econômico do mundo em desenvolvimento, escreve Stefan Wagstyl. O crescimento do PIB dos emergentes cairá este ano para a média de 5,7%, de 6,3% em 2011, de acordo com o Fundo Monetário Internacional.

É bem mais que o 1,4% de crescimento previsto para o mundo desenvolvido. Mas é uma grande queda se compararmos aos 8% registrados até 2008. A redução reflete especialmente o crescimento menor do mundo desenvolvido, principalmente da Europa.

Os exportadores de commodities, liderados pela Rússia, lucraram muito com o boom dos preços que veio depois da crise econômica de 2008-2009. Mas as quedas recentes começaram a afetar suas economias.

Os países em desenvolvimento também estão diante de crescentes dificuldades domésticas.

Na Índia, por exemplo, décadas de gargalos na infraestrutura e no mercado de trabalho resultaram em inflação alta, forçando o banco central a manter taxas de juros altas mesmo causando prejuízo aos investimentos. Em outros lugares, notadamente China, Brasil e Turquia, existem preocupações de que o crescimento do crédito — abastecido por baixos fluxos de crédito no Ocidente — gerou investimentos improdutivos e o aumento da inadimplência.

Os formuladores da política econômica driblaram estas ameaças — por enquanto. Mas a redução do crescimento aumentou o risco. Mesmo uma pequena redução do crescimento pode ter impacto desproporcional em setores sensíveis ao crédito. Depois que alguns investidores ficarem amedrontados, outros podem rapidamente seguir a onda.

A longo prazo, a ascensão das economias emergentes deve continuar. O investimento flui para países onde o dinheiro pode conseguir melhor retorno — e eles ainda podem ser encontrados no mundo em desenvolvimento, onde há oportunidades para exportações de baixo custo e crescimento do mercado interno.

A crescente classe média dos países em desenvolvimento não quer ver negado o seu desejo de um padrão de vida ocidental. A taxa de crescimento dos mercados emergentes provavelmente será menor que 8%, no entanto. Também deverá depender menos de exportações para o mercado do mundo rico e mais da demanda de outros emergentes, tanto no mercado interno quanto no crescente comércio sul-sul.

No entanto, os ajustes podem ser duros, especialmente para países com história pobre de reformas, como a Rússia. Muito vai depender, também, da existência de crédito e investimento que atravessem fronteiras. Quanto maior o choque financeiro da zona do euro e de outras bombas financeiras ainda não detonadas, mais dura será a transição.

PS do Viomundo: Várias coisas me incomodaram nos dois textos, mas acima de tudo a sugestão de que dependemos de algum tipo de “farol” para nos guiar e a ideia de que os sul americanos jogam futebol em vez de estudar. É um velho preconceito dos europeus que, presumi, uma publicação do nível do FT já teria superado. Wrong!


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Comentários

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damastor dagobé

“ideia de que os sul americanos jogam futebol em vez de estudar. É um velho preconceito dos europeus que, presumi, uma publicação do nível do FT já teria superado. Wrong!”….??????????? mas continuamos entre os últimos em qualquer competição escolar do mundo…ou isso mudou e não estou sabendo????????

josaphat

Mas que a educação é um poblema, é, num é, seu Azenha?

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