Eliara Santana: Para o JN, 2022 é logo ali; estratégia é “desenhar” economia positiva

Tempo de leitura: 4 min
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Por Eliara Santana

por Eliara Santana*

A mídia corporativa é um ator potente que se posiciona política e estrategicamente.

Em face da extrema concentração dos meios de comunicação, esse ator se torna muito poderoso, sendo essencial e definidor em muitos momentos.

Tomando especificamente o JN, maior telejornal do país, que orienta em grande medida os rumos da s outras coberturas, trago alguns apontamos para um exercício de reflexão sobre o comportamento desse um ator estratégico para o cenário que se aproxima (eleições municipais e 2022).

Mesmo que esse posicionamento seja ocultado pelo manto da imparcialidade e da neutralidade.

Vamos aos movimentos, muito interessantes nos últimos dias.

1. No início de dezembro, como já dito aqui num artigo, embalado pelas pesquisas que mostravam uma avaliação muito positiva de Sergio Moro, até mesmo em relação a Bolsonaro, o JN, secundado pelo restante da mídia, deu início a um processo de super exposição do ex-juiz, com inserções diárias e freqüentes e muito tempo.

2. Nos últimos dias, o presidente Bolsonaro desapareceu do noticiário.

Não houve grande repercussão de suas falácias sobre Lula (nove dedos) e Paulo Freire (um energúmeno). A Globo não deu nada, e como resposta enfática, uma cena forte e marcante da personagem vivida por Débora Bloch na série Segunda Chamada citando Paulo Freire.

3. Há uma ação muito coordenada na mídia como um todo. Há os atores que são defenestrados, os que são incensados, os que apanham conforme o momento; há contextos a serem redimensionados e atualizados. Há repertórios a serem reconduzidos.

4. Já há algum tempo tenho observado um processo de sistematização de problemas do país – abordagem em blocos, por tematização – nas telinha da TV.

No JN (e os outros o seguem) o deflagrador foi o caos na saúde do Rio de Janeiro, com boas reportagens mostrando o povo a sofrer e indignado (o que é um dado importante).

Outra pegada interessante é a não culpabilização dos grevistas – nas reportagens, fica sempre pontuado que eles estão sem receber salário, por isso não podem atender.

Esses novos grevistas são até ouvidos, com bom espaço. Não há centrais sindicais, tampouco partidos presentes. O povo indignado e sofrido reage.

Com o decorrer de algumas edições, o problema do Rio se expande e chega ao Amazonas, no outro extremo do país. Mesmo perfil de acontecimento.

5. Só após o aparecimento de ínfimas notícias satisfatórias na economia – transformadas pelo trabalho profissional da mídia em avassaladoramente positivas -, que viabilizam a construção do herói (ou heróis) capaz de salvar os cidadãos de bem da barbárie, é que o Caso Flavio Bolsonaro/Queiroz retorna com força total.

De repente, o MP faz devassa em contas e casas de parentes, amigos, vizinhos e encontra indícios nada republicanos até com o au au da família.

Curioso como tudo aparece de repente, não é?

A mídia não está deixando barato, e a Globo já até recuperou a alcunha “organização criminosa” para se referir às ações do grupo investigado.

Será um processo avassalador e pode ter distintos desdobramentos. O que não significa que Lula será deixado de lado.

6. Pautas identitárias gerais com muita força e destaque: meio ambiente (sempre mostrando o problema, a solução vindo com a Greta, os horrores do governo), violência contra mulher, violência e discriminação contra público LGBTQI, violência em geral, violência contra pessoas mais pobres (isso é bem inédito na pauta), desmandos e corrupção no baixo clero da polícia, professores como pessoas que fazem a diferença, educação como transformação.

Essas pautas agradam a gregos e baianos, desde sempre. E elas não estão presentes apenas no telejornalismo – novas novelas e séries já exploram ricamente esses elementos.

7. Bolsonaro e ministros do núcleo idiota estão deslocados do “governo real” (aquele que melhora a economia). Sem nenhum protagonismo, eles estão aparecendo muito pouco, perdendo enormemente o espaço. As tolices não estão tendo mais lugar.

8. Economia no melhor dos mundos: a ordem é dar espaço e destaque total para o ministro Paulo Guedes falar e celebrar os feitos e convencer que estamos bem e crescendo.

Ontem (18-12), ele teve um grande e destacado espaço em todas as mídias. No JN, espaço total para falar de recuperação, crescimento, projeção positiva do PIB, contenção de gastos.

Falou apenas sobre o que quis, sem questionamento algum em relação a novos impostos ou ao aumento menor do salário mínimo.

Depois, passou pela GloboNews e foi tão bem tratado que até fez declaração de amor, pois “sem o apoio da mídia, não haveria esses resultados”.

Ainda bem que é sincero… O quadro desenhado e espetacularizado é de uma economia pujante, que vence desafios e cresce, onde até motorista de Uber, trabalhando 14 horas por dia (num cenário normal) é muito feliz e esperançoso.

9. Rodrigo Maia, o conciliador ponderado, está cada vez mais presente no noticiário. É sempre uma voz de racionalidade a dizer sobre o cenário político e as nossas possibilidades como país.

Tudo está muito bem delineado e blocado nas edições: temos problemas graves com gestores ruins (primeiro bloco), há personagens incômodos e um contexto sério (segundo bloco), mas temos condições e agentes econômicos para reagir (terceiro bloco).

No fim, ainda temos a alegria do futebol.

Refletir sobre esses elementos e essa estruturação e tratar de procurar entender a conexão entre eles, como estratégias de disputa de poder, não significa demonizar a mídia. De maneira alguma.

Trata-se de tentar entender quais são e como funcionam as estratégias. Para não sermos novamente surpreendidos de calças curtas…

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Eliara Santana

Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e Historia da Ciência (CLE) da Unicamp, desenvolvendo pesquisa sobre ecossistema de desinformação e letramento midiático.


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Comentários

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Zé Maria

‘Nunca vi um presidente da Funai que não gosta de índio’,
diz subprocurador da República
https://twitter.com/BlogdoNoblat/status/1209079252211163137
“Mas vc já viu ministro do meio ambiente,q odeia meio ambiente,
ministro da educação q odeia educação,
ministro da justiça q odeia justiça,
já viu ministra dos direitos humanos
q odeia direitos humanos,
secretario da cultura q odeia cultura,
presidente que odeia sua gente, lembra?”

Zélia Duncan
Poeta, Cantora,
Compositora Musical
https://twitter.com/zdoficial/status/1209085063457058817

Zé Maria

Cara! A Editoria da Rede Globo de Comunicação
consegue ser descaradamente Sem-Vergonha…

https://pbs.twimg.com/media/EMQXFaBX0AAvZCO.png

“O incrível caso do rapaz que perdeu o sobrenome…
seria Flávio B. um comunista ?”
https://twitter.com/Marcelodedois/status/1208010262219034627
“Flávio B. lembra aqueles títulos de
pornochanchada dos anos 80,
meu velho”
https://twitter.com/xicosa/status/1208018269556400128
“pensei em Cristiane F”
https://twitter.com/gduvivier/status/1208019947395387392

E tudo isso, só pra fazer média com o Bolsonaro
e deixar uma incógnita na cabeça dos Leitores …
https://pbs.twimg.com/media/EMO5w91W4AEycDb.jpg

Zé Maria

Os Herdeiros Sem-Nome do Roberto Marinho
mandaram os repórteres da Globo vender
mercadorias encalhadas na 25 de Março / SP,
para demonstrar a ‘melhora da Economia’.

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