Eliara Santana: Lula na Europa, o silenciamento orquestrado da mídia e a desinformação que nos agride

Tempo de leitura: 7 min
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Por Eliara Santana

LULA NA EUROPA, O SILENCIAMENTO DA MÍDIA E A DESINFORMAÇÃO QUE NOS AGRIDE

Por Eliara Santana*

Em uma viagem pela Europa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, manteve uma agenda de chefe de Estado. Em vários países, ele teve encontros com as principais lideranças do continente – desde o futuro chanceler alemão ao presidente francês, além de sindicalistas e deputados europeus.

FHC fez discursos marcantes no Parlamento Europeu, em Bruxelas, na Bélgica, e no Instituto de Estudos Políticos de Paris, o Sciences PO. Em ambos, FHC foi aplaudido de pé, ovacionado por bastante tempo pelos presentes.

Sem dúvida, essa viagem do ex-presidente e suas falas contundentes sobre as conquistas das últimas décadas de governos do PSDB são definidoras de um novo momento para o país.

FHC falou do absurdo da volta da fome ao Brasil, criticou Jair Bolsonaro, criticou o ministro da Economia, Paulo Guedes, ressaltou os feitos dos governos psdebistas no combate à miséria, na pauta ambiental, na geopolítica. Enfim, foi uma agenda de estadista.

A imprensa brasileira, como deveria ser quando se trata de um assunto relevante para o contexto político, uma vez que FHC é o líder absoluto em intenções de voto para a eleição presidencial do ano que vem, deu pleno destaque à viagem, ressaltando a importância de FHC recolocar o Brasil no cenário internacional depois de todas as coisas estúpidas protagonizadas pelo presidente Jair Bolsonaro. Sem dúvida, é uma pauta relevante para o Brasil voltar a ser uma referência no mundo.

Calma… muita calma. Esta que escreve a vocês ainda não está totalmente alucinada para confundir Lula com FHC.

É apenas uma provocação para começarmos a pensar sobre esses últimos acontecimentos e sobre o comportamento deplorável da mídia brasileira em relação à pauta do momento.

Possivelmente, se o protagonista desse último feito, a viagem pela Europa, fosse o ex-presidente FHC, ao contrário do também ex-presidente Lula, o tratamento seria outro. O destaque dado seria outro. A abordagem seria outra.

E é sobre isso que precisamos falar, e falar muito, porque aquilo que a imprensa vende como informação isenta e apartidária é, na verdade, a construção de um formato de notícia e de abordagem jornalística para encobrir e escamotear posicionamentos político-ideológicos, para esconder articulações com vistas a fins determinados, para conduzir a determinadas interpretações.

Se o Brasil tivesse uma estrutura midiática bastante pulverizada, com vários meios e vários grupos mostrando e destacando várias vozes, esse comportamento iria se diluir entre outras estratégias de outros meios.

Mas, no cenário de altíssima concentração dos meios de comunicação em mãos de sete conglomerados – em que 80% desses meios estão localizados nas regiões Sudeste e Sul –, esse comportamento camuflado é sim um grande, um potente elemento de desinformação. E desinformação deliberada, sistemática e intencional. Ou seja, desinformação como projeto político.

Vamos pensar então como tal elemento se configura, como é construído.

Há vários elementos que compõem a construção discursiva da notícia sobre a viagem, quando ela aparece na imprensa corporativa.

Vamos começar então pelo começo, pela denominação do evento nas chamadas e títulos das matérias: quase sempre, vemos a palavrinha “tour”, às vezes, vemos “giro pela Europa”.

Os dois termos passam aquela ideia de uma viagem de férias, viagem corriqueira, viagem sem muita importância a não ser para quem está viajando, viagem sem compromissos, apenas para diversão.

Observando-se a agenda de Lula, repleta de compromissos e encontros importantes, nada é mais distante dessa ideia.

Depois, pensando nos elementos simbólicos e formadores de sentido para marcar o evento “viagem pela Europa”, observamos também, nas escassas matérias sobre o assunto, o estabelecimento de uma ligação com a viagem de Jair Bolsonaro a Dubai.

No Uol, por exemplo, há uma equiparação entre as duas viagens, com a firmação de que os dois atores políticos – Lula e Bolsonaro – miram o eleitorado externo e o interno, que tudo se reduz a uma comparação entre campanhas deflagradas com vistas a 2022, colocando, de novo, o ex-presidente Lula e o atual presidente Jair Bolsonaro como equivalentes num mesmo espectro político.

Bolsonaro faz piada homofóbica e grotesca no Bahrein, além de ficar filmando tudo com celular, como se fosse um adolescente de 13 anos, e não o presidente da República; Lula costura acordos, é elogiado por Olaff Scholz e Zapatero, discursa e é aplaudido, critica a fome no mundo… como os dois se equivalem?? Como eles podem ser colocados no mesmo espectro político? Essa forçada equivalência é, no mínimo, desonesta.

Em outros casos e momentos da cobertura, vemos uma operação sistemática de silenciamento – fazendo um recorte do fato para diminui-lo ou simplesmente ignorando midiaticamente um acontecimento que tem relevância em termos políticos.

Estratégia em que o Jornal Nacional, telejornal de maior audiência da maior emissora de TV do país, é um mestre inconteste.

Na edição do dia 15/11, por exemplo, feriado da Proclamação da República, a grade foi bastante variada, o que é típico de edições em feriados. Afinal, não havia nada de grande relevância ocorrendo. Quer dizer, até houve, mas não interessava muito falar sobre a viagem de Lula à Europa.

No momento em que o Brasil, graças ao destempero ignorante e grotesco de Jair Bolsonaro, está se tornando quase pária no mundo, quando o presidente da República é ignorado ostensivamente pelos líderes mundiais na reunião do G20, Lula chega à Europa para uma série de encontros políticos, com várias lideranças. Já se encontrou com o futuro chanceler alemão Olaf Scholz, no dia 12.

No da 15, ele discursou no Parlamento Europeu, dando uma entrevista coletiva em seguida, e foi ovacionado de pé pelos deputados europeus.

No dia 16, ele participou de um encontro no Instituto de Estudos Políticos de Paris, o Sciences PO e foi novamente ovacionado pela plateia, interrompido por aplausos em vários momentos do discurso. Mas nada disso foi pauta para o JN.

Até o momento, a viagem de Lula pela Europa não está na grade do jornal de maior audiência do país. Hoje (17/11), Lula foi recebido com honras de chefe de Estado pelo presidente francês Emmanuel Macron. Aguardemos a repercussão.

Bem, do ponto de vista editorial e para guardar algum tipo de isenção, pode-se até argumentar que qualquer destaque para o assunto pode parecer campanha eleitoral.

Mas, nesse caso, como justificar os três minutos para a filiação de Sergio Moro ao Podemos e o destaque para as prévias – repito, prévias – do PSDB para escolher o candidato do partido à Presidência?

A viagem de Lula pela Europa, ex-presidente da República que foi preso e que teve os processos anulados, seus discursos falando ao parlamento europeu, sendo OVACIONADO PELOS DEPUTADOS EUROPEUS, e depois sendo de novo ovacionado na Sciences PO acaso não são relevantes o suficiente para serem considerados boas pautas?

Não merecem ganhar pelo menos um minutinho no JN?

Do ponto de vista estritamente jornalístico, sem considerar outros constrangimentos esse assunto da viagem não interessa?

Voltando à abertura deste artigo, cabe perguntar: se o palestrante da vez fosse o também ex-presidente FHC, a cobertura da imprensa seria diferente?

Pelos aspectos estritamente técnicos de construção da notícia, nada justifica esse comportamento. Nada.

Mas, se tomarmos a notícia como um objeto construído discursivamente, com componentes ideológicos determinantes, aí talvez vamos encontrar algum sentido nesse silenciamento editorial tão ostensivo.

Silenciar é não deixar dizer. É tirar de um tema ou ator sua importância, sua relevância. É calar as vozes. E essa é uma estratégia editorial da mídia corporativa no Brasil, especialmente do JN.

Portanto, não é algo que ocorre aleatoriamente, quase por descuido. É algo intencional, pensado e calculado com determinados objetivos.

Então, o silenciamento é, sim, um elemento que contribui para que o sistema de desinformação se consolide sem deixar muitas marcas.

Se eu, como leitora, espectadora e ouvinte, não tivesse acesso a outras fontes de informação, via internet ou por outros meios, eu não saberia que Lula está numa viagem importante pela Europa e que ele foi aplaudido de pé por duas vezes, em diferentes e significativas instituições.

Eu não saberia que ele teve um importante encontro com o futuro chanceler da Alemanha. Não saberia que ele foi recebido com honras de chefe de Estado pelo presidente francês.

E se eu – como cidadã – não tenho acesso a esse tipo de informação, eu irei comprar, com facilidade, a ideia de que as duas viagens, de Lula e de Bolsonaro, se equivalem no desperdício de tempo e dinheiro público; eu não poderei ter a compreensão possível de que, com esses contatos e acordos, Lula recoloca em parte o Brasil no cenário internacional.

Hoje, o Uol repercutiu o encontro com o presidente francês Emmanuel Macron. Uma reportagem “correta”, bem tecnicamente moldada, destacando comedidamente a agenda do presidente. Mas sem qualquer conteúdo analítico, como ocorre muitas vezes em muitas reportagens. Na capa de abertura do portal, o assunto foi uma chamada como as outras, sem manchete, e teve outras pequenas chamadas negativas compondo a cena toda.

No G1, portal do grupo Globo, um artigo de Bernardo Mello Franco comenta a viagem de Lula, ressaltando o “giro pela Europa” como peça de campanha e as “falhas e inconsistências nos discursos de Lula”. Não há uma análise mais aprofundada, o que é até uma surpresa, pois os artigos do autor são sempre muito relevantes e com boas análises.

Até o momento de fechamento deste artigo (11H20 do dia 17/11), não vi menção, na capa do portal, ao encontro de Lula com Macron.

Mas vi chamada para a entrevista de Sergio Moro a Pedro Bial, que aconteceu ontem (16/11), e fiquei até curiosa pra saber se Bial usou o tal detector de mentiras…de fato, entre os dois assuntos, não há dúvida de que saber o que Moro tem a dizer a Bial deve ser mais importante para o Brasil do que a conversa de Lula com o presidente da França. Critérios jornalísticos puramente técnicos, claro.

Por fim, para não me estender demais, os jornalões – Folha, O Globo, Estadão – nem mencionam na capa as repercussão da viagem de Lula à Europa.

De fato, no cenário atual, deve ser mesmo um assunto menor, sem importância.

Essa pesquisadora aqui é que deve ser muito chata e implicante com o discurso midiático, que é tão isento e imparcial, não é mesmo? Para dirimir dúvidas, vejamos as capas e as chamadas:

— Contrastando com a imprensa nacional, as principais agências de notícias da Europa e os principais jornais e portais deram destaque à viagem de Lula pelo continente.

— As palmas duradouras no Parlamento Europeu tiveram bastante ênfase nas chamadas e manchetes –Deutche Welle, El país, RFI, Bloomberg, France Press, Swissinfo e outros ressaltaram detalhes da agenda intensa de Lula na Europa.

Não sei ainda como o JN falará, ou não, do encontro de Lula com o presidente francês Emmanuel Macron.

Espero que deem pelo menos os habituais 30 segundos – claro, sempre é possível haver surpresas, mas não devemos nutrir esperanças.

As estratégias desse discurso midiático tão orquestrado são bem desenhadas e muito sutis na imprensa corporativa brasileira.

Em outros momentos, o silenciamento operando como política editorial é de fato escancarado.

Diante disso tudo, mais do que nunca, o debate sobre a comunicação precisa ser pautado.

Precisamos falar sobre desinformação, sobre letramento midiático, sobre o papel da mídia nos cenários politico, econômico, social.

Sem uma mídia plural, não há possibilidade de democracia. É disso que se trata.

*Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística pela PUC/MG

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Eliara Santana

Eliara Santana é jornalista e doutora em Linguística e Língua Portuguesa e pesquisadora associada do Centro de Lógica, Epistemologia e Historia da Ciência (CLE) da Unicamp, desenvolvendo pesquisa sobre ecossistema de desinformação e letramento midiático.


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Comentários

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abelardo

Parece que as frequentes derrotas que Lula impôs contra a tão decantada grande imprensa e também contra a carcomida e putrefata oligarquia brasileira fez com que elas adicionassem uma porção ainda maior de ódio, vingança, inveja e desespero ao fracassado cardápio das agressões e dos enfrentamentos que provocaram, com intuito de intimidar o ídolo e preferido disparado da opinião pública, para voltar à presidência, através das eleições em 2022. Em razão dessa alucinada e desarrazoada inveja e perseguição, os derrotados de sempre enterraram ainda mais a suposta credibilidade que pensavam ter. Não satisfeitos com a sua incompetência e covardia, enterraram também o reduzido respeito que lhe restava. Hoje, todos se encontram mais sujos e mais submersos no lixo fétido da história. Sem crédito de confiança, sem moral e sem coragem, usam da covardia e de terceiros para tentar manchar a reputação, a honra e a história daquele que lhes causa medo e pavor. A grande imprensa, a elite golpista e autoridades dos três poderes, que demonstram baixos índices de ética, de justiça, de patriotismo e moral, mais uma vez irão sofrer a justa e merecida derrota. De forma avassaladora, acachapante e vergonhosa, Lula e a esquerda se reencontrarão , nas eleições de 2022, com a glória total da justiça e da reparação consagradora.
Temos que fazer valer a lei e colocar essa cambada de gananciosos corruptos, mentirosos, traidores da pátria e criminosos, no local apropriado que merecem, ou seja, presos e devidamente encarcerados, nas celas dos presídios do Brasil .

Zé Maria

O Grupo Globo prefere noticiar a Viagem Turística
do Genocida e a Micheque às Ditaduras do Oriente.

Zé Maria

Se, numa hipótese remota e improvável, fosse o Moro e não o Lula,
as TV News retransmitiriam o discurso 24 horas por dia todos os dias.

marcio gaúcho

Ninguém tem peito para encaminhar um PL de Controle da Mídia, pois a mídia é quem controla os políticos e a opinião pública brasileira. Lula, quando governante, preferiu um acordo, do tipo “não falem mal de mim, que eu renovo as concessões e não lhes cobro as dívidas”. Bolsonaro, todo machão e bravateiro, prometeu acabar com a nefasta ingerência das mídias na vida nacional, tomou um toco, é severamente criticado e se encolheu. Não se mexe em nada, porque poderá ser pior! Então, não adianta reclamar. Covardia tem preço!

Riaj Otim

a mesma história . Enquanto o Mito é recebido e saudado por príncipes Árabes, assim como Cristo, na Europa certos charlatões eram tratados por depostas europeus como se cristo fosse

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